Cidade do Vaticano (RV) – Por ocasião do Dia Mundial das Missões, celebrado
este domingo, 21 de outubro, o Programa Brasileiro publica a íntegra da Mensagem do
Papa Bento XVI:
«Chamados a fazer brilhar a Palavra da verdade» (Carta ap.
Porta fidei, 6)
Queridos irmãos e irmãs! Neste ano, a celebração do Dia
Mundial das Missões reveste-se dum significado muito particular. A ocorrência do cinquentenário
do inicío do Concílio Vaticano II, a abertura do Ano da Fé e o Sínodo dos Bispos cujo
tema é a nova evangelização concorrem para reafirmar a vontade da Igreja se empenhar,
com maior coragem e ardor, na missio ad gentes, para que o Evangelho chegue até aos
últimos confins da terra.
Com a participação dos Bispos católicos vindos de
todos os cantos da terra, o Concílio Ecuménico Vaticano II constituiu um sinal luminoso
da universalidade da Igreja pelo número tão elevado de Padres conciliares que nele
se congregou, pela primeira vez, provenientes da Ásia, da África, da América Latina
e da Oceânia. Tratava-se de Bispos missionários e Bispos autóctones, Pastores de comunidades
disseminadas entre populações não-cristãs, que trouxeram para a Assembleia conciliar
a imagem duma Igreja presente em todos os continentes e se fizeram intérpretes das
complexas realidades do então chamado «Terceiro Mundo». Enriquecidos com a experiência
própria de Pastores de Igrejas jovens e em vias de formação, apaixonados pela difusão
do Reino de Deus, eles contribuíram de maneira relevante para se reafirmar a necessidade
e a urgência da evangelização ad gentes e, consequentemente, colocar no centro da
eclesiologia a natureza missionária da Igreja.
Eclesiologia missionária Hoje
uma tal visão não esmoreceu; antes, tem conhecido uma fecunda reflexão teológica e
pastoral e, ao mesmo tempo, repropõe-se com renovada urgência, porque aumentou o número
daqueles que ainda não conhecem Cristo. «Os homens, à espera de Cristo, constituem
ainda um número imenso», afirmava o Beato João Paulo II na Encíclica sobre a validade
permanente do mandato missionário; e acrescentava: «Não podemos ficar tranquilos,
ao pensar nos milhões de irmãos e irmãs nossas, também eles redimidos pelo sangue
de Cristo, que ignoram ainda o amor de Deus» (n. 86). Por minha vez, ao proclamar
o Ano da Fé, escrevi que Cristo «hoje, como outrora, envia-nos pelas estradas do mundo
para proclamar o seu Evangelho a todos os povos da terra» (Carta ap. , 7). E esta
proclamação – como referia o Servo de Deus Paulo VI, na Exortação apostólica – «não
é para a Igreja uma contribuição facultativa: é um dever que lhe incumbe, por mandato
do Senhor Jesus, a fim de que os homens possam acreditar e ser salvos. Sim, esta mensagem
é necessária; ela é única e não poderia ser substituída» (n. 5). Por conseguinte,
temos necessidade de reaver o mesmo ímpeto apostólico das primeiras comunidades cristãs,
que, apesar de pequenas e indefesas, foram capazes, com o anúncio e o testemunho,
de difundir o Evangelho por todo o mundo conhecido de então.
Por isso não
surpreende que tanto o Concílio Vaticano II como o Magistério sucessivo da Igreja
insistam, de modo especial, sobre o mandato missionário que Cristo confiou aos seus
discípulos e que deve ser empenho de todo o Povo de Deus: Bispos, sacerdotes, diáconos,
religiosos, religiosas e leigos. O cuidado de anunciar o Evangelho em toda a terra
compete, primariamente, aos Bispos enquanto responsáveis directos da evangelização
no mundo, quer como membros do Colégio Episcopal, quer como Pastores das Igrejas particulares.
Efectivamente, eles «foram consagrados não apenas para uma diocese, mas para a salvação
de todo o mundo» (João Paulo II, Carta enc. , 63), sendo o Bispo «um pregador da fé,
que conduz a Cristo novos discípulos» (, 20) e «torna presentes e como que palpáveis
o espírito e o ardor missionário do Povo de Deus, de maneira que toda a diocese se
torna missionária» (., 38).
A prioridade da evangelização Assim, para um
Pastor, o mandato de pregar o Evangelho não se esgota com a solicitude pela porção
do Povo de Deus confiada aos seus cuidados pastorais, nem com o envio de qualquer
sacerdote, leigo ou leiga fidei donum. O referido mandato deve envolver toda a actividade
da Igreja particular, todos os seus sectores, em suma, todo o seu ser e operar: indicou-o
claramente o Concílio Vaticano II, e o Magistério sucessivo reiterou-o com vigor.
Isto exige que estilos de vida, planos pastorais e organização diocesana se adeqúem,
constantemente, a esta dimensão fundamental de ser Igreja, sobretudo num mundo como
o nosso em contínua transformação. E o mesmo vale para os Institutos de Vida Consagrada
e as Sociedades de Vida Apostólica e também para os Movimentos eclesiais: todos os
elementos que compõem o grande mosaico da Igreja devem sentir-se fortemente interpelados
pelo mandato de pregar o Evangelho para que Cristo seja anunciado em toda a parte.
Nós, Pastores, com os religiosos, as religiosas e todos os fiéis em Cristo, devemos
seguir as pegadas do apóstolo Paulo, o qual, «prisioneiro de Cristo pelos gentios»
(Ef 3, 1), trabalhou, sofreu e lutou para fazer chegar o Evangelho ao meio dos gentios
(cf. Col 1, 24-29), sem poupar energias, tempo e meios para dar a conhecer a Mensagem
de Cristo.
Também hoje a missão ad gentes deve ser o horizonte constante e
o paradigma de toda a actividade eclesial, porque a própria identidade da Igreja é
constituída pela fé no Mistério de Deus, que se revelou em Cristo para nos dar a salvação,
e pela missão de O testemunhar e anunciar ao mundo até ao seu regresso. Como São Paulo,
devemos ser solícitos pelos que estão longe, por quantos ainda não conhecem Cristo
nem experimentaram a paternidade de Deus, conscientes de que «a cooperação se alarga
hoje para novas formas, não só no âmbito da ajuda económica mas também no da participação
directa» na evangelização (João Paulo II, Carta enc. , 82). A celebração do Ano da
Fé e do Sínodo dos Bispos sobre a nova evangelização serão ocasiões propícias para
um relançamento da cooperação missionária, sobretudo nesta segunda dimensão.
Fé
e anúncio O anseio de anunciar Cristo impele-nos também a ler a história para nela
vislumbrarmos os problemas, aspirações e esperanças da humanidade que Cristo deve
sanar, purificar e colmatar com a sua presença. De facto, a sua Mensagem é sempre
actual, penetra no próprio coração da história e é capaz de dar resposta às inquietações
mais profundas de cada homem. Por isso a Igreja, em todos os seus componentes, deve
estar ciente de que «os horizontes imensos da missão eclesial e a complexidade da
situação presente requerem hoje modalidades renovadas para se poder comunicar eficazmente
a Palavra de Deus» (Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal , 97). Isto exige, antes de
mais, uma renovada adesão de fé pessoal e comunitária ao Evangelho de Jesus Cristo,
«num momento de profunda mudança como este que a humanidade está a viver» (Carta ap.
, 8).
Com efeito, um dos obstáculos ao ímpeto da evangelização é a crise de
fé, patente não apenas no mundo ocidental mas também em grande parte da humanidade,
que no entanto tem fome e sede de Deus e deve ser convidada e guiada para o pão da
vida e a água viva, como a Samaritana que vai ao poço de Jacob e fala com Cristo.
Como narra o Evangelista João, o caso desta mulher é particularmente significativo
(cf. Jo 4, 1-30): encontra Jesus, que começa por lhe pedir de beber mas depois fala-lhe
duma água nova, capaz de apagar a sede para sempre. Inicialmente a mulher não entende,
detém-se ao nível material, mas lentamente é guiada pelo Senhor fazendo um caminho
de fé que a leva a reconhecê-Lo como o Messias. E a este propósito afirma Santo Agostinho:
«Depois de ter acolhido no coração Cristo Senhor, que mais poderia fazer [aquela mulher]
senão deixar ali o cântaro e correr a anunciar a boa nova?» (In Ioannis Ev.,15, 30).
O encontro com Cristo como Pessoa viva que sacia a sede do coração só pode levar ao
desejo de partilhar com os outros a alegria desta presença e de a dar a conhecer para
que todos a possam experimentar. É preciso reavivar o entusiasmo da comunicação da
fé, para se promover uma nova evangelização das comunidades e dos países de antiga
tradição cristã que estão a perder a referência a Deus, e deste modo voltarem a descobrir
a alegria de crer. A preocupação de evangelizar não deve jamais ficar à margem da
actividade eclesial e da vida pessoal do cristão, mas há-de caracterizá-la intensamente,
cientes de sermos destinatários e ao mesmo tempo missionários do Evangelho. O ponto
central do anúncio permanece sempre o mesmo: o Kerigma de Cristo morto e ressuscitado
pela salvação do mundo, o Kerigma do amor absoluto e total de Deus por cada homem
e cada mulher, cujo ponto culminante se situa no envio do Filho eterno e unigénito,
o Senhor Jesus, que não desdenhou assumir a pobreza da nossa natureza humana, amando-a
e resgatando-a do pecado e da morte por meio da oferta de Si mesmo na cruz.
A
fé em Deus, neste desígnio de amor realizado em Cristo é, antes de mais, um dom e
um mistério que se há-de acolher no coração e na vida e pelo qual se deve agradecer
sempre ao Senhor. Mas a fé é um dom que nos foi concedido para ser partilhado; é um
talento recebido para que dê fruto; é uma luz que não deve ficar escondida, mas iluminar
toda a casa. É o dom mais importante que recebemos na nossa vida e que não podemos
guardar para nós mesmos.
O anúncio faz-se caridade «Ai de mim, se eu não
evangelizar!»: dizia o apóstolo Paulo (1 Cor 9, 16). Esta frase ressoa, com força,
aos ouvidos de cada cristão e de cada comunidade cristã em todos os Continentes. Mesmo
nas Igrejas dos territórios de missão, Igrejas em grande parte jovens e frequentemente
de recente fundação, já se tornou uma dimensão conatural a missionariedade, apesar
de elas mesmas precisarem ainda de missionários. Muitos sacerdotes, religiosos e religiosas,
de todas as partes do mundo, numerosos leigos e até mesmo famílias inteiras deixam
os seus próprios países, as suas comunidades locais e vão para outras Igrejas testemunhar
e anunciar o Nome de Cristo, no qual encontra a salvação a humanidade. Trata-se duma
expressão de profunda comunhão, partilha e caridade entre as Igrejas, para que cada
homem possa ouvir, pela primeira vez ou de novo, o anúncio que cura e aproximar-se
dos Sacramentos, fonte da verdadeira vida.
Associadas com este sinal sublime
da fé que se transforma em caridade, estão as Pontifícias Obras Missionárias, instrumento
ao serviço da cooperação na missão universal da Igreja no mundo, que recordo e agradeço.
Através da sua acção, o anúncio do Evangelho torna-se também intervenção a favor do
próximo, justiça para com os mais pobres, possibilidade de instrução nas aldeias mais
distantes, assistência médica em lugares remotos, emancipação da miséria, reabilitação
de quem vive marginalizado, apoio ao desenvolvimento dos povos, superação das divisões
étnicas, respeito pela vida em todas as suas fases. Queridos irmãos e irmãs, invoco
sobre a obra de evangelização ad gentes, e de modo particular sobre os seus obreiros,
a efusão do Espírito Santo, para que a Graça de Deus a faça avançar mais decididamente
na história do mundo. Apraz-me rezar assim com o Beato John Henry Newman: «Acompanhai,
Senhor, os vossos missionários nas terras a evangelizar, colocai as palavras certas
nos seus lábios, tornai frutuosa a sua fadiga». Que a Virgem Maria, Mãe da Igreja
e Estrela da Evangelização, acompanhe todos os missionários do Evangelho.
Vaticano,
6 de Janeiro – Solenidade da Epifania do Senhor – de 2012.