Texto integral da intervenção sinodal de D. Manuel Clemente
“Faço um breve comentário ao nº 83 do Instrumentum Laboris, sobre a indispensável
base comunitária da nova evangelização: A “novidade“ da nova evangelização não pode
ser outra senão a da redescoberta e aprofundamento da constante novidade de Cristo,
nas presentes circunstâncias da Igreja e do mundo. Circunstâncias que, no meu país,
se definem, além do mais, como muito móveis na população e frequentemente opacas na
mentalidade. A mobilidade da população acrescenta ao conhecido êxodo do campo para
a cidade a facilidade de comunicações diárias entre vários locais, com pontos sucessivos
de fixação ou passagem, por razões de trabalho ou repouso (week end). A opacidade
pode advir da maior densidade das “realidades temporais”, quando absorvem a atenção
imediata e as intenções a médio prazo, não abrindo facilmente ao horizonte espiritual
e religioso. Generaliza-se, assim, o secularismo pessoal e ambiental. Estas circunstâncias
trazem problemas relativamente “novos” à evangelização, ao menos pela intensidade
com que se colocam. Comunidades que já foram mais estáveis, como as famílias e as
paróquias, em que o conhecimento de Cristo e a vida cristã se transmitiam com alguma
normalidade, já não subsistem assim, nem integram facilmente os seus membros, em especial
os mais novos. A dispersão e a itinerância dificultam a convivência habitual, familiar
e comunitária. A individualização das vidas, tecnologicamente potenciada, induz subjetivismos
e virtualismos que rarefazem a realidade social e eclesial. Nestas condições, não
é fácil conjugar indivíduo e sociedade, ou crente e comunidade. Nada fácil, de facto. Creio,
assim, que a “novidade” a procurar para a evangelização de agora se perspetiva como
redescoberta de Cristo vivo na convivência de comunidades concretas. Estas terão,
por seu lado, de integrar as conexões interpessoais hoje indispensáveis: comunidades
intercomunitárias, pontos fixos mas interligados. Seja como for, indispensavelmente
comunitários, porque sabemos bem que é quando persistimos juntos que mais experimentamos
e compartilhamos a presença do Ressuscitado entre nós (cf Jo 20, 26). Daí também
que o nº 83 do Instrumentum Laboris cite a exortação apostólica pós-sinodal Christifideles
Laici, nº 26: Refazer a experiência comunitária é a base indispensável para a renovação
mental e cultural que pretendemos; de nós para o mundo, que tanto carece dela. Vinte
séculos de experiência cristã evidenciam que os maiores impactos culturais que obtivemos
se ligaram sempre às melhores realizações comunitárias que conseguimos. As primeiras
comunidades, alimentadas com autênticas conversões e iniciações cristãs propriamente
ditas, originaram, pelo respetivo testemunho vital e pela reflexão dos seus pastores,
expressões e práticas sociais e culturais de grande alcance. As comunidades monásticas
e paroquiais que se seguiram deram corpo e alma à Cristandade medieval, com esplêndidas
concretizações em vários campos, eruditos e populares. Nos claustros nasceram as
Universidades e muitas expressões de caridade organizada. E não é de estranhar, consequentemente,
que a rarefação cultural cristã de épocas mais recentes se ligue ao enfraquecimento
da experiência comunitária habitual. Refazê-la criativamente, nas presentes circunstâncias
e com as atuais possibilidades, é tarefa indispensável, para que a verdade pascal
de Cristo seja oferecida à expectativa essencial do mundo.” Roma, 13 de Outubro
de 2012 + Manuel J.M.N. Clemente Bispo do Porto e Vice-Presidente da Conferência
Episcopal Portuguesa