Liberdade de Expressão Até mesmo Direitos Fundamentais devem ser exercidos sem
abusos
Rio de Janeiro (RV) - A Constituição Brasileira declara, no seu artigo primeiro,
que nosso País é um Estado Democrático de Direito que tem como fundamentos a soberania,
a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores do trabalho e da livre iniciativa
e o pluralismo político. Estes são os chamados Princípios Fundamentais de nosso País.
Cada uma das expressões mencionadas traduz valores fundamentais, que devem ser compreendidos
e respeitados. Por exemplo, a soberania traduz a independência do Brasil, e o fato
de que nosso País não se curva à vontade de outras nações. Já a Cidadania, é um atributo
que torna uma pessoa apta a participar da política do País, votando e sendo votado.
Somente compreendendo os princípios que orientam nosso Estado poderemos observá-los
e respeitá-los adequadamente. Esses Princípios enunciam valores que devem irradiar-se
de todos os atos da comunidade brasileira, sendo observados e respeitados por cada
cidadão que a forma. Somente assim pode-se alcançar a paz social tão desejada por
todos.
Essa mesma Constituição que define Princípios também assegura a todos
que aqui vivem certos Direitos Fundamentais, que são, na verdade, os direitos humanos,
que protegem as pessoas contra abusos praticados por quem quer que seja. Esses Direitos
também devem ser compreendidos, para que possam ser adequadamente exercidos e respeitados.
Um
desses Direitos Fundamentais é a Liberdade de Expressão. Trata-se, sem dúvida alguma,
de um dos mais importantes, que foi conquistado após muitos anos ao longo da história
mundial. A Liberdade de expressão é protegida em todos os países civilizados nos
quais a liberdade impera.
Por outro lado, a Constituição de nossa República,
entre os mesmos Direitos Fundamentais, também estabelece ser “inviolável a liberdade
de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos
e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
Trata-se de outro Direito Fundamental, tão importante quanto a liberdade de expressão.
Desta forma, não é permitido a ninguém, supostamente em nome da Liberdade de expressão,
ferir crenças religiosas, utilizando de forma desrespeitosa símbolos sagrados para
milhões de pessoas.
É fácil verificar que mesmo os Direitos Fundamentais são
limitados por outros direitos fundamentais. Resta claro que a Liberdade de expressão
deve ser exercida de forma responsável, de modo que se respeitem os direitos alheios,
porque todo o direito exercido de forma abusiva converte-se em um mal. Atitudes
que, em nome da Liberdade de expressão, excedem os limites morais e éticos geram o
caos social, a vingança e o ódio entre as pessoas, ameaçando até mesmo a paz, como
se tem assistido em conflitos entre culturas diferenciadas, com reflexos nas comunidades
internacionais.
Lamentavelmente têm sido frequentes esses abusos praticados
em nome da Liberdade de expressão. Muitas pessoas, em busca desesperada por alguns
minutos de exposição na mídia desprezam os direitos alheios e os lançam por terra,
enlameando vidas, culturas, valores e até mesmo a fé. Zombam, caricaturam e ridicularizam
o que têm de mais sagrado nos corações de outras pessoas, almejando apenas ganhos
pessoais. Alguns grupos fundamentalistas destroem verdadeiras obras de arte do passado
em razão de suas atuais crenças. Assistimos aqui no Brasil a outros tipos de fundamentalismos.
É muito sério o posicionamento desses grupos diante de valores e símbolos que nosso
povo venera, e que fazem parte de nossa cultura.
Nosso Estado é laico, não
tendo religião oficial ou oficiosa. Mas, como já visto, por ser um Estado Democrático
de Direito, o Brasil assegura a liberdade de consciência, a profissão da própria fé,
bem como a proteção ao culto e à liturgia, que abrange a proteção dos símbolos que
marcam a crença de cada brasileiro. O Estado, ao consagrar em sua Constituição esses
Direitos, tem o inafastável dever de protegê-los, assegurando a liberdade religiosa
e o devido respeito para com seus símbolos.
Fato notório nestes dias ocorrido
em um órgão de imprensa escrita: desrespeitou a fé religiosa e cultural de nossa formação
pátria. A pretexto de comentar críticas a fatos ocorridos nos esportes, uma revista
publicou o signo sagrado da cruz, que se ergueu soberana sobre o sangue dos mártires,
nela substituindo a imagem do Filho de Deus que por nós deu a vida, como Cabeça de
todos os mártires - na expressão de Santo Agostinho - pela de um atleta. Repudiamos
o ocorrido que gerou dentro de todos os que professam a fé católica uma dor muito
grande, ao ver um símbolo nosso profanado dessa forma.
Feriu-se também a mente
e o coração de todos os que reconhecem os valores do Evangelho e das pessoas de bom
senso e boa vontade. Poderíamos enumerar muitos outros fatos, como fotomontagens,
charges ou escritos que têm ferido, última e constantemente, o sentimento cristão
de nosso povo. Infelizmente este fato não foi o único que ocorreu nesses últimos tempos,
em que também se vê a ridicularização da Palavra de Deus usada como galhofa nas representações
cênicas, ou mesmo a tentativa de caracterização negativa da figura de um sacerdote
e de outros representantes cristãos ou não.
Foi um longo caminho da humanidade
até se chegar a este momento em que se assegura a igualdade de todos e o respeito
às divergências. A sociedade não pode se calar diante de tais transgressões abusivas
e desrespeitosas que disfarçadas de liberdade de expressão, aviltam o que é mais caro
a outras pessoas, apenas para a satisfação de propósitos egoísticos.
Um órgão
de imprensa, formador de opiniões através da análise dos fatos, até mesmo quando quer
satirizar tem o dever primordial de fazê-lo criteriosamente. Há um provérbio milenar
que pode servir como orientação a casos como o que a Revista quer expor, e que diz
que “rindo se corrige os costumes”. Há muitos meios de se fazer uma brincadeira, um
comentário alegre e até mesmo uma cobrança de atitudes, sem necessidade de ofender
a quem quer que seja. Pelo que se sabe, o responsável pela publicação teria tentado
justificar-se nesse caso, dizendo que não tinha intenção de profanar o símbolo cristão.
Mas, infelizmente, o fez e a publicação já percorre o País nesta semana, causando
mal-estar a todos os que na cruz de Cristo reverenciam o seu amor. A veiculação da
imagem não denotou criatividade alguma, e muito menos qualquer ousadia, sendo apenas
inadequada, desrespeitosa e ofensiva. Podemos afirmar que não se coaduna com a moral
ou com a ética a veiculação de textos ou imagens que agridem e ofendem, com o propósito
único de obter promoção.
Nestes tempos em que necessitamos dos valores morais
e espirituais para o nosso povo cansado e angustiado por tantos escândalos acontecem
esses lamentáveis fatos. A história deverá julgar os caminhos que estão sendo percorridos
atualmente em nossa sociedade ocidental. Resta a certeza de contarmos com o apoio
da sociedade, que tem compreendido que exemplos de mau jornalismo, que em razão de
evidente falta de conteúdo buscam apenas polemizar, ao invés de informar, merecem
apenas o esquecimento.
Em Nota Oficial, a nossa Conferência Episcopal (CNBB)
pede a conscientização da Comunidade Cristã sobre o fato, a que deve repudiar e denunciar
com os ideais evangélicos do respeito aos que erram e prosseguir no seu trabalho de
evangelização, para que sejam sempre respeitados os direitos da pessoa e se possa
viver na paz.
+ Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo de São Sebastião
do Rio de Janeiro, RJ