Cristãos ao serviço da paz e reconciliação no Médio Oriente: Papa na Missa em Beirute
Bento XVI conclui hoje a sua visita de três dias ao Líbano, para a assinatura e entrega
da Exortação Apostólica pós-sinodal “Igreja no Médio Oriente”, correspondente ao Sínodo
dos Bispos que teve lugar em Roma em 2010. Foi precisamente, hoje, domingo, no final
da Missa celebrada em Beirute, que Bento XVI fez a entrega solene e simbólica do documento
aos Patriarcas Católicos de todo o Médio Oriente, aos presidentes das Conferências
Episcopais da Turquia e do Irão e a alguns fiéis leigos. A Missa, participada
por uma imensa multidão de fiéis católicos, provenientes também de outros países do
Médio Oriente, e concelebrada por uns 300 bispos, teve lugar numa extensa esplanada
junto do porto de Beirute. A homilia foi pronunciada pelo Papa em francês, com tradução
simultânea em árabe. Bento XVI comentou, naturalmente, as leituras deste vigésimo
quarto domingo do Tempo Comum, concentrando sobretudo no Evangelho em que Jesus interroga
os discípulos sobre a sua verdadeira identidade e, perante a resposta de Pedro, esclarece
que tipo de Messias, de Cristo, ele próprio incarna. Observou o Papa: “Anunciando
aos seus discípulos que terá de sofrer, ser condenado à morte e depois ressuscitar,
Jesus quer fazer compreender quem Ele é verdadeiramente: um Messias sofredor, um Messias
servo, e não um libertador político omnipotente. Ele é o Servo obediente à vontade
de seu Pai até ao ponto de perder a sua vida. É o que anunciava já o profeta Isaías
na primeira leitura.” “Seguir Jesus (prosseguiu o Papa) significa tomar a própria
cruz para O acompanhar pelo seu caminho, um caminho incómodo que não é o do poder
nem da glória terrena, mas o que leva necessariamente a renunciar a si mesmo, a perder
a sua vida por Cristo e pelo Evangelho, a fim de a salvar. É que nos foi dada a certeza
de que este caminho leva à ressurreição, à vida verdadeira e definitiva com Deus.” “Seguir
Jesus significa tomar a própria cruz para O acompanhar pelo seu caminho, um caminho
incómodo que não é o do poder nem da glória terrena, mas o que leva necessariamente
a renunciar a si mesmo, a perder a sua vida por Cristo e pelo Evangelho, a fim de
a salvar. (…) “Decidir acompanhar Jesus Cristo que Se fez o Servo de todos exige
uma intimidade cada vez maior com Ele, colocando-se atentamente à escuta da sua Palavra,
a fim de tirar dela a inspiração para o nosso agir – advertiu o Papa, referindo-se
ao Ano da Fé que vai está para ter início em outubro: “Ao promulgar o Ano da Fé,
que começará em 11 de Outubro próximo, quis que cada fiel pudesse comprometer-se de
maneira renovada neste caminho da conversão do coração. Por isso, ao longo deste ano,
encorajo-vos vivamente a aprofundar a vossa reflexão sobre a fé para a tornar mais
consciente e fortalecer a vossa adesão a Jesus Cristo e ao seu Evangelho.” “Irmãos
e irmãs, o caminho por onde Jesus nos quer conduzir é um caminho de esperança para
todos. A glória de Jesus revela-se no momento em que, na sua humanidade, Ele Se mostra
mais frágil, especialmente na encarnação e na cruz. É assim que Deus manifesta o seu
amor, fazendo-Se servo, dando-Se a nós.” “Na segunda leitura (observou ainda
o Papa), São Tiago lembrou-nos como este seguimento de Jesus, para ser autêntico,
exija actos concretos: «Pelas obras, te mostrarei a minha fé». Servir é uma exigência
imperativa para a Igreja, de modo que os cristãos são verdadeiros servos à imagem
de Jesus.” “O serviço é um elemento constitutivo da identidade dos discípulos
de Cristo. A vocação da Igreja e do cristão é servir; e fazê-lo, como o próprio Senhor,
gratuitamente e a todos sem distinção. Assim, servir a justiça e a paz, num mundo
onde a violência não cessa de alongar o seu rasto de morte e destruição, é uma urgência
de modo a comprometer-se em prol duma sociedade fraterna, para edificar a comunhão.
Amados irmãos e irmãs (acrescentou ainda Bento XVI, quase a concluir a homilia,
alargando o horizonte a todo o Médio Oriente), peço ao Senhor de modo particular que
conceda a esta região do Médio Oriente servidores da paz e da reconciliação, para
que todos possam viver pacífica e dignamente. É um testemunho essencial que os cristãos
devem prestar aqui, em colaboração com todas as pessoas de boa vontade. Eu vos convido
a todos a trabalhar pela paz; cada qual ao seu nível e no lugar onde se encontra.”
Eis
o texto integral da homilia pronunciada pelo Papa em francês, com tradução simultânea
em árabe, para a assembleia ali presente:
"Amados irmãos e irmãs! «Bendito
seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo» (Ef 1, 3). Bendito seja Ele neste dia
em que tenho a alegria de me encontrar convosco aqui, no Líbano, para entregar aos
Bispos da região a Exortação apostólica pós-sinodal Ecclesia in Medio Oriente. Agradeço
cordialmente a Sua Beatitude Béchara Boutros Raï as amáveis palavras de boas-vindas.
Saúdo os outros Patriarcas e os Bispos das Igrejas orientais, os Bispos latinos das
regiões vizinhas bem como os Cardeais e os Bispos vindos doutros países. Com grande
afecto, saúdo a todos vós, queridos irmãos e irmãs do Líbano e também dos países de
toda esta amada região do Médio Oriente, que viestes celebrar, com o sucessor de Pedro,
Jesus Cristo crucificado, morto e ressuscitado. Dirijo também a minha deferente saudação
ao Presidente da República e às Autoridades libanesas, aos Responsáveis e aos membros
das outras tradições religiosas que quiseram estar aqui nesta manhã. Neste domingo
em que o Evangelho nos interpela sobre a verdadeira identidade de Jesus, sentimo-nos
a caminhar com os discípulos na estrada que leva às aldeias da região de Cesareia
de Filipe. «E quem dizeis vós que Eu sou?» (Mc 8, 29): pergunta-lhes Jesus. O momento
escolhido para lhes colocar esta questão não é sem significado. Jesus encontra-se
num ponto de viragem decisiva da sua vida. Sobe para Jerusalém, para o lugar onde
será realizado, através da cruz e ressurreição, o acontecimento central da nossa salvação.
É também em Jerusalém que, depois de todos estes acontecimentos, vai nascer a Igreja.
E, neste momento decisivo, Jesus começa por perguntar aos seus discípulos: «Quem dizem
os homens que Eu sou?» (Mc 8, 27), recebendo deles respostas muito variadas: João
Batista, Elias, um profeta… Ainda hoje, como ao longo dos séculos, aqueles que, de
diversas maneiras, se cruzaram com Jesus no seu caminho têm a sua resposta a dar.
São abordagens que podem ajudar a encontrar o caminho da verdade. Mas as mesmas, embora
não sejam necessariamente falsas, são insuficientes, porque não atingem o cerne da
identidade de Jesus. Só alguém que aceite seguir pelo seu caminho, viver em comunhão
com Ele na comunidade dos discípulos, é que pode ter um verdadeiro conhecimento. Tal
é o caso de Pedro, que, desde há algum tempo, vive com Jesus e que agora responde:
«Tu és o Messias» (Mc 8, 29). Resposta certa, sem dúvida alguma; mas ainda insuficiente,
dado que Jesus sente a necessidade de a especificar. Ele entrevê que as pessoas poderiam
servir-se desta resposta para desígnios que não são os seus, para suscitar falsas
esperanças temporais sobre Ele. Não se deixa bloquear nos simples atributos do libertador
humano que muitos esperam. Anunciando aos seus discípulos que terá de sofrer, ser
condenado à morte e depois ressuscitar, Jesus quer fazer-lhes compreender quem Ele
é verdadeiramente. Um Messias sofredor, um Messias servo, e não um libertador político
omnipotente. Ele é o Servo obediente à vontade de seu Pai até ao ponto de perder a
sua vida. É o que anunciava já o profeta Isaías na primeira leitura. Assim Jesus vai
contra o que muitos esperavam d’Ele. A sua afirmação choca e desconcerta. E ouve-se
o protesto de Pedro, que O censura, recusando para o seu Mestre o sofrimento e a morte.
Jesus mostra-se severo com ele, e faz-lhe compreender que aquele que quiser ser seu
discípulo deve aceitar ser servo, como Ele Se fez Servo. Seguir Jesus significa
tomar a própria cruz para O acompanhar pelo seu caminho, um caminho incómodo que não
é o do poder nem da glória terrena, mas o que leva necessariamente a renunciar a si
mesmo, a perder a sua vida por Cristo e pelo Evangelho, a fim de a salvar. É que nos
foi dada a certeza de que este caminho leva à ressurreição, à vida verdadeira e definitiva
com Deus. Decidir acompanhar Jesus Cristo que Se fez o Servo de todos exige uma intimidade
cada vez maior com Ele, colocando-se atentamente à escuta da sua Palavra, a fim de
tirar dela a inspiração para o nosso agir. Ao promulgar o Ano da Fé, que começará
em 11 de Outubro próximo, quis que cada fiel pudesse comprometer-se de maneira renovada
neste caminho da conversão do coração. Por isso, ao longo deste ano, encorajo-vos
vivamente a aprofundar a vossa reflexão sobre a fé para a tornar mais consciente e
fortalecer a vossa adesão a Jesus Cristo e ao seu Evangelho. Irmãos e irmãs, o
caminho por onde Jesus nos quer conduzir é um caminho de esperança para todos. A glória
de Jesus revela-se no momento em que, na sua humanidade, Ele Se mostra mais frágil,
especialmente na encarnação e na cruz. É assim que Deus manifesta o seu amor, fazendo-Se
servo, dando-Se a nós. Porventura não é este um mistério extraordinário, por vezes
difícil de admitir? O próprio apóstolo Pedro só o compreenderá mais tarde. Na segunda
leitura, São Tiago lembrou-nos como este seguimento de Jesus, para ser autêntico,
exija actos concretos: «Pelas obras, te mostrarei a minha fé» (Tg 2, 18). Servir é
uma exigência imperativa para a Igreja, de modo que os cristãos são verdadeiros servos
à imagem de Jesus. O serviço é um elemento constitutivo da identidade dos discípulos
de Cristo (cf. Jo 13, 15-17). A vocação da Igreja e do cristão é servir; e fazê-lo,
como o próprio Senhor, gratuitamente e a todos sem distinção. Assim, servir a justiça
e a paz, num mundo onde a violência não cessa de alongar o seu rasto de morte e destruição,
é uma urgência de modo a comprometer-se em prol duma sociedade fraterna, para edificar
a comunhão. Amados irmãos e irmãs, peço ao Senhor de modo particular que conceda a
esta região do Médio Oriente servidores da paz e da reconciliação, para que todos
possam viver pacífica e dignamente. É um testemunho essencial que os cristãos devem
prestar aqui, em colaboração com todas as pessoas de boa vontade. Eu vos convido a
todos a trabalhar pela paz; cada qual ao seu nível e no lugar onde se encontra. Além
disso o serviço deve estar no centro da vida da própria comunidade cristã. Todo o
ministério, toda a função na Igreja é primariamente um serviço a Deus e aos irmãos.
É este espírito que deve animar todos os baptizados, uns em relação aos outros, especialmente
através dum compromisso efectivo a favor dos mais pobres, dos marginalizados, daqueles
que sofrem, para que seja preservada a dignidade inalienável de toda a pessoa. Queridos
irmãos e irmãs que sofreis no corpo ou no coração, o vosso sofrimento não é inútil.
Cristo Servo está perto de todos aqueles que sofrem. Está presente junto de vós. Oxalá
encontreis no vosso caminho irmãos e irmãs que manifestem concretamente a presença
amorosa de Cristo, que não vos pode abandonar. Permanecei cheios de esperança por
causa de Cristo! E vós todos, irmãos e irmãs, que viestes participar nesta celebração,
procurai tornar-vos cada vez mais conformes ao Senhor Jesus, Ele que Se fez Servo
de todos pela vida do mundo. Deus abençoe o Líbano, abençoe todos os povos desta amada
região do Médio Oriente e lhes conceda o dom da sua paz. Amen."