Repensar o presente, em vista do futuro, com o olhar de Cristo: Bento XVI, sobre a
Exortação Apostólica "Ecclesia in Medio Oriente"
Bento XVI encontra-se desde o princípio desta tarde em Beirut, para uma visita de
três dias ao Líbano. Uma viagem apostólica, a vigésima quarta do seu pontificado,
motivada antes de mais pelo desejo de entregar solenemente aos pastores e fiéis do
Médio Oriente a Exortação Apostólica correspondente ao Sínodo dos Bispos sobre esta
região, que se realizou no Vaticano em 2010. Aparte o momento da chegada, no
aeroporto, este primeiro dia da visita ficou marcado precisamente pelo encontro –
celebração que teve lugar na basílica greco - melquita de São Paulo, às 18 horas locais,
para a entrega da referida Exortação Apostólica pós-sinodal “Ecclesia in Medio Oriente”. Nela
participaram mais de 400 pessoas. Antes de mais, das diversas comunidades eclesiais
libanesas: patriarcas e bispos, mas também padres, religiosos e religiosas e fiéis
leigos. Participaram também representantes de outras componentes da sociedade libanesa:
delegação da comunidade ortodoxa, muçulmana e drusa. Na sua intervenção, Bento
XVI sublinhou a coincidência de a assinatura e entrega deste importante documento
pós-sinodal tenha lugar precisamente na festa da Exaltação da Santa Cruz.
“A
Exortação apostólica deve ser lida e interpretada à luz da festa da Santa Cruz, nomeadamente
à luz do monograma de Cristo, o X e o P (rô), as duas primeiras letra da palavra “Cristos”.
Descobre-se assim a verdadeira identidade dos batizados na Igreja, um constante apelo
ao testemunho na comunhão.”
Comunhão e testemunho radicados no mistério pascal,
na morte e ressurreição de Cristo. Elo fundamental entre Cruz e Ressurreição. Exige
um ato de fé… e um ato de esperança – sublinhou Bento XVI, que fez notar que “os Padres
Sinodais refletiram sobre a situação atual no Médio Oriente, sobre as dificuldades
e esperanças dos cristãos que vivem na região.”
“Toda a Igreja pôde assim
escutar o grito ansioso e advertir o olhar desesperado de tantos homens e mulheres
que se encontram em difíceis situações humanas e materiais, que vivem fortes tensões,
com medo e inquietação, e que querem seguir a Cristo – Aquele que dá sentido à sua
existência, mas que muitas vezes disso são impedidos”.
Ecclesia in Medio
Oriente permite repensar o presente em perspetiva do futuro com o próprio olhar de
Cristo: “As orientações bíblicas e pastorais, o convite a um aprofundamento espiritual
e eclesiológico, a renovação litúrgica e catequética, o convite ao diálogo – todo
isto quer ajudar-nos a seguir a Cristo no contexto difícil, muitas vezes doloroso,
um contexto eu poderia fazer surgir a tentação de ignorar ou esquecer a Cruz gloriosa”
“E é precisamente então que há que celebrar a vitória do amor sobre o ódio,
do perdão sobre a vingança, do serviço sobre o domínio, da humildade sobre o orgulho,
da unidade sobre a divisão”.
A Exortação – observou ainda o Papa – abre um
verdadeiro diálogo inter-religioso fundado sobre a fé em Deus Uno e Criador, e deseja
contribuir para “um ecumenismo cheio de fervor humano, espiritual e caritativo, na
verdade e no amor evangélico”.
Eis a tradução integral da alocução pronunciada
pelo Papa:
Senhor Presidente da República, Sua Beatitude, venerados Patriarcas,
Amados Irmãos no Episcopado e membros do Conselho Especial do Sínodo dos Bispos para
o Médio Oriente, Ilustres Representantes das Confissões religiosas, do mundo da
cultura e da sociedade civil, Prezados irmãos e irmãs em Cristo, queridos amigos!
Agradeço ao Patriarca Gregorios Laham as suas palavras de boas-vindas, e ao Secretário-Geral
do Sínodo dos Bispos, D. Nikola Eterović, as suas palavras de apresentação. As minhas
saudações calorosas aos Patriarcas, a todos os Bispos orientais e latinos reunidos
nesta linda Basílica de São Paulo, e aos membros do Conselho Especial do Sínodo dos
Bispos para o Médio Oriente. Alegro-me também com a presença das delegações ortodoxa,
muçulmana e drusa, bem como as do mundo da cultura e da sociedade civil. Saúdo com
afecto a amada Comunidade greco-melquita que me acolhe. A vossa presença confere solenidade
à assinatura da Exortação apostólica pós-sinodal Ecclesia in Medio Oriente, e testemunha
que este documento, destinado sem dúvida à Igreja universal, reveste-se duma importância
particular para todo o Médio Oriente. É providencial que este acto tenha lugar
precisamente no dia da Festa da Exaltação da Santa Cruz, cuja celebração nasceu no
Oriente em 335, na sequência da Dedicação da Basílica da Ressurreição sobre o Gólgota
e o sepulcro de Nosso Senhor construída pelo imperador Constantino, o Grande, que
venerais como santo. Dentro de um mês, celebrar-se-ão os 1700 anos da aparição que
lhe fez ver, na noite simbólica da sua incredulidade, o monograma cintilante de Cristo
enquanto uma voz lhe dizia: «Por este sinal, vencerás!». Mais tarde, Constantino assinou
o Édito de Milão e deu o seu nome a Constantinopla. Parece-me que a Exortação pós-sinodal
pode ser lida e interpretada à luz da festa da Exaltação da Santa Cruz e, de forma
particular, à luz do monograma de Cristo, o X (ghi) e o P (ro), as duas primeiras
letras da palavra Χριστός. Tal leitura leva a uma descoberta autêntica da identidade
do baptizado e da Igreja e, ao mesmo tempo, constitui como que um apelo ao testemunho
na comunhão e pela comunhão. Porventura a comunhão e o testemunho cristãos não estão
fundados no mistério pascal, na crucifixão, morte e ressurreição de Cristo? Não é
aqui que encontram a sua plena realização? Existe um vínculo indivisível entre a Cruz
e a Ressurreição, que não pode ser esquecido pelo cristão; sem este vínculo, exaltar
a Cruz significaria justificar o sofrimento e a morte vendo neles apenas uma fatalidade.
Para um cristão, exaltar a Cruz quer dizer entrar em comunhão com a totalidade do
amor incondicional de Deus pelo homem; é fazer um acto de fé. Exaltar a Cruz, na perspectiva
da Ressurreição, é desejar viver e manifestar a totalidade deste amor; é fazer um
acto de amor. Exaltar a Cruz leva ao compromisso de ser arauto da comunhão fraterna
e eclesial, fonte do verdadeiro testemunho cristão; é fazer um acto de esperança. Debruçando-se
sobre a situação actual das Igrejas no Médio Oriente, os Padres sinodais puderam reflectir
sobre as alegrias e as penas, os temores e as esperanças dos discípulos de Cristo
que vivem nestes lugares. Deste modo, toda a Igreja pôde ouvir o grito ansioso e notar
o olhar desesperado de tantos homens e mulheres que se encontram em situações humana
e materialmente árduas, vivendo no medo e inquietação pelas fortes tensões, e que
desejam seguir Cristo – Aquele que dá sentido à sua vida – mas frequentemente encontram-se
impedidos; por isso, quis que a Primeira Carta de São Pedro fosse o fio condutor do
documento. Ao mesmo tempo, a Igreja pôde admirar o que há de belo e nobre nas Igrejas
presentes nestas terras. Como não dar contínuas graças a Deus por todos vós (cf. 1
Ts 1, 2: I Parte da Exortação pós-sinodal), amados cristãos do Médio Oriente!? Como
não O louvar pela vossa coragem na fé!? Como não Lhe agradecer pela chama do seu amor
infinito que vós continuais a manter viva e ardente nestes lugares que foram os primeiros
a acolher o seu Filho encarnado!? Como não Lhe elevar o nosso canto de gratidão pelos
ímpetos de comunhão eclesial e fraterna, pela solidariedade humana constantemente
manifestada por todos os filhos de Deus!? A Exortação Ecclesia in Medio Oriente
permite repensar o presente para considerar o futuro com o próprio olhar de Cristo.
Com as suas orientações bíblicas e pastorais, com o seu convite a um aprofundamento
espiritual e eclesiológico, com a renovação litúrgica e catequética preconizada, com
os seus apelos ao diálogo, pretende traçar um caminho para chegar ao essencial: o
seguimento de Cristo, num contexto difícil, e por vezes doloroso, que poderia fazer
surgir a tentação de ignorar ou esquecer a Cruz gloriosa. Mas é precisamente então
que é necessário celebrar a vitória do amor sobre o ódio, do perdão sobre a vingança,
do serviço sobre a prepotência, da humildade sobre o orgulho, da unidade sobre a divisão.
À luz da festa de hoje e tendo em vista uma aplicação frutuosa da Exortação, convido
todos a que não tenham medo, permaneçam na verdade e a cultivem a pureza da fé. Esta
é a linguagem da Cruz gloriosa. Esta é a loucura da Cruz: a de saber converter os
nossos sofrimentos em grito de amor a Deus e de misericórdia para com o próximo; e
a de saber também transformar, seres atacados e feridos na sua fé e identidade, em
vasos de barro prontos a serem cumulados pela abundância dos dons divinos mais preciosos
que o ouro (cf. 2 Cor 4, 7-18). Não se trata aqui duma linguagem puramente alegórica,
mas dum apelo premente a praticar actos concretos que configuram cada vez mais a Cristo,
actos que ajudam as diversas Igrejas a reflectir a beleza da primeira comunidade dos
crentes (cf. Act 2, 41-47: II parte da Exortação); actos semelhantes aos do imperador
Constantino, que soube testemunhar e fazer sair os cristãos da discriminação, permitindo-lhes
viver, aberta e livremente, a sua fé em Cristo crucificado, morto e ressuscitado para
a salvação de todos. A Exortação Ecclesia in Medio Oriente oferece elementos
que podem ajudar a um exame de consciência pessoal e comunitário, uma avaliação objectiva
do compromisso e desejo de santidade de cada discípulo de Cristo. A Exortação abre
ao verdadeiro diálogo inter-religioso fundado na fé em Deus Uno e Criador. Quer também
contribuir para um ecumenismo repleto de ardor humano, espiritual e caritativo, na
verdade e amor evangélicos, que vai buscar a sua força ao mandato do Ressuscitado:
«Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, baptizando-os em nome do Pai, do Filho
e do Espírito Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado. E sabei
que Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos» (Mt 28, 19-20). Nas suas
diversas partes, a Exortação quer ajudar cada um dos discípulos do Senhor a viver
plenamente e a transmitir realmente aquilo que ele mesmo se tornou pelo baptismo:
um filho da Luz, um ser iluminado por Deus, uma lâmpada nova na escuridão tenebrosa
do mundo para que das trevas brilhe a luz (cf. Jo 1, 4-5; 2 Cor 4, 1-6). Este documento
quer contribuir para despojar a fé daquilo que a ensombra, de tudo o que pode ofuscar
o esplendor da luz de Cristo. Assim a comunhão é uma autêntica adesão a Cristo, e
o testemunho é uma irradiação do mistério pascal que dá um sentido pleno à Cruz gloriosa.
Nós seguimos e «proclamamos Cristo crucificado (...) poder de Deus e sabedoria de
Deus» (1 Cor 1, 23-24: cf. III parte da Exortação). «Não temas, pequenino rebanho»
(Lc 12, 32) e lembra-te da promessa feita a Constantino: «Por este sinal, vencerás!».
Igrejas presentes no Médio Oriente, não temais, porque o Senhor está verdadeiramente
convosco até ao fim do mundo. Não temais, porque a Igreja universal vos acompanha
com a sua solidariedade humana e espiritual. É com estes sentimentos de esperança
e encorajamento a ser protagonistas activos da fé através da comunhão e do testemunho
que, no domingo, entregarei a Exortação pós-sinodal Ecclesia in Medio Oriente aos
meus venerados Irmãos Patriarcas, Arcebispos e Bispos, a todos os presbíteros, aos
diáconos, aos religiosos e religiosas, aos seminaristas e aos fiéis-leigos. «Tende
confiança!» (Jo 16, 33). Por intercessão da Virgem Maria, a Theotókos, invoco com
grande afecto a abundância dos dons divinos sobre todos vós. Deus conceda a todos
os povos do Médio Oriente viverem na paz, na fraternidade e na liberdade religiosa!
Deus vos abençoe a todos (لِيُبَارِك الربُّ جميعَكُم)!