Prepósito Geral dos Jesuítas: a chave para enfrentar a crise é entrar no coração das
pessoas
Cidade do Vaticano (RV) - A chave de tudo é entrar no coração das pessoas.
O Prepósito Geral da Companhia de Jesus, Pe. Adolfo Nicolás, reflete sobre os problemas
provocados pela atual crise mundial e exorta a "não se perder em projetos superficiais",
fruto de divisões e contrastes, "mas a redescobrir que existe algo mais profundo,
mais evangélico". Em suma, a crise representa uma possibilidade de resgate da humanidade,
uma ocasião da qual aproveitar, partindo dos fundamentos da sociedade, como a família.
A Rádio Vaticano entrevistou Pe. Adolfo Nicolás sobre esses temas:
Pe. Adolfo
Nicolás:- "Há dois aspectos que devem ser levados em consideração: um deles diz
respeito à família humana, o outro concerne à família propriamente dita. Refletindo
sobre a vida cristã sempre me convenci que a família é realmente o lugar onde se cresce
como pessoa. E cresce também no seguimento de Cristo, porque a família apresenta questões
aos pais e os genitores aprendem, na família, a esquecer a si mesmos. E isso se dá
continuamente, é algo que não cessa: toda idade tem os seus problemas, os seus desafios,
os seus percursos de crescimento e tudo isso é muito concreto quando se dá no âmbito
de uma família, onde se vê que a relação deve ser uma relação criativa, uma relação
dinâmica. Não pode ser uma relação 'egoísta': "você tem o seu lugar e eu tenho o meu",
porque isso não funciona. Deve ser uma relação contínua de interação, e então é um
desafio para os genitores: ou se cresce juntos ou nenhum vive, a família se torna
um inferno. Então, creio que se a Igreja quiser falar hoje em santidade e sobre como
seguir Cristo, a família é o lugar onde se aprende. E os outros que não têm como tarefa
principal desenvolver a sua família devem realizar um trabalho de assistência, de
acompanhamento e de testemunho. O papel essencial da família é ser um lugar de crescimento."
RV:
A família como ponto de referência a ser ajudada e a ser desenvolvida, mas, ao mesmo
tempo, um ponto de referência para o qual olhar, como exemplo, também quando se fala
de relações entre os Estados, entre as regiões ricas e as regiões pobres do mundo?
Pe.
Adolfo Nicolás:- "Sim, este seria o segundo ponto: o segundo aspecto é a família
como família humana. Creio que hoje a consciência do mundo seja maior também em termos
de ecologia: temos mais consciência do fato que se destruirmos o nosso mundo também
nós sofreremos, de que é a própria vida humana que está em perigo; não é somente a
vida dos gorilas ou de alguns animais em extinção que está em perigo, mas é a vida
humana a sofrer tais conseqüências. Já podemos notar isso em muitos lugares: em Tóquio,
por exemplo, o homem destruiu o habitat dos corvos e eles foram para as cidades
tornando-se um grave problema. Os corvos chegam às cidades e procuram alimento no
meio do lixo, espalhando-o em todo lugar. Foram colocadas redes para evitar que o
lixo fosse espalhado, mas foram criados outros problemas, porque os corvos são inteligentes,
estão entre os pássaros mais espertos. É uma situação que vemos nos pequenos sinais,
mas também nos grandes sinais: a falta de ar, a falta de água, e outros. Não é uma
questão de mera ecologia, mas, sobretudo, de 'ecologia humana'. A experiência que
tivemos recentemente na África (por ocasião da Congregação dos Procuradores da Companhia
de Jesus, em Nairóbi, no Quênia, na segunda semana de julho) foi muito importante
para nós porque vimos como na África – privada de seus recursos e devastada por conflitos
provocados por quem quer tomar posse de tais recursos – os povos conservaram a sua
humanidade, que manifestam com um forte sentido de acolhimento, de hospitalidade,
de aproximação aos outros. Os africanos sentem em relação com o resto do mundo. É
verdade o que nos disse o Provincial da África Leste quando nos saudou com um "Bem-vindos
à casa", porque a África é a casa de todos, é o lugar onde tudo começou, onde podemos
encontrar ainda resíduos de humanidade, que a Europa talvez tenha esquecido."
RV:
Falando sobre a crise atual como um tempo de oportunidade, o senhor citou a figura
de Santo Inácio. Qual seria a justa interpretação para dar esperança à humanidade
de hoje?
Pe. Adolfo Nicolás:- "O nosso tempo é muito parecido com
o tempo em que vivia Santo Inácio. Tratava-se de uma época em que tudo estava mudando:
a comunicação tinha mudado, a imprensa havia sido criada, tinham início as grandes
viagens, se começava a viajar para a América, Ásia... mas se tratava de uma situação
análoga à atual no que diz respeito às mudanças nos valores, com uma mudança de perspectiva,
mudanças em âmbito científico, novas possibilidades. Uma situação que levou Santo
Inácio a descobrir que a chave de tudo é entrar no coração das pessoas. Não se perder
em projetos superficiais, mas ir ao coração das pessoas para fazer-lhes descobrir
que há algo mais profundo do que apenas a própria geografia, a política ou as divisões
que existiam naquela pequena Europa do passado que acreditava representar o mundo.
Portanto, creio que seja um momento importante para aproveitar a crise sem lamentar-se,
mas para descobrir quais são as novas formas de comunicação e de intercâmbio que permitem
à família humana desenvolver-se, sobretudo hoje que sabemos ser muito mais complexa
e diversa daquilo que acreditavam os europeus da época de Santo Inácio." (RL)