2012-07-25 18:30:17

Artigo: A raiz da dignidade humana


Uberaba (RV)* - A tendência da filosofia moderna é de trocar o “locus” do ser humano. Do cômodo posto de rei da criação, intocável, foi rebaixado, pelo menos no conceito desses novos pensadores, ao nível dos demais seres existentes. Com estes deve repartir os recursos disponíveis da terra, sem nenhuma prepotência, nem privilégio. Até, numa tendência irreprimível, foi rebaixado a réu, acusado de destruidor e esbanjador. Enfim, o grande culpado da devastação da natureza é o “homo sapiens”.

De onde viria essa nefanda atitude egoísta? A partir de onde o ser humano teria adquirido apoio logístico para se apoderar, com exclusivo privilégio, dos bens da criação? A resposta é fácil e contundente: foi da Bíblia, afirmam eles. “As aves do céu, os répteis do solo e os peixes do mar estão em poder de vocês. Tudo o que vive e se move servirá de alimento para vocês”(Gen 9, 2-3). A explicação é muito insuficiente, porque em inúmeras passagens bíblicas o homem é constituído administrador dos bens criados: “Vosso saber o ser humano modelou, para ser rei da criação, e reger o mundo com justiça, paz e ordem” (Sab 9, 2-3). Portanto, o apoio bíblico, que justifica as barbáries praticadas pelo homem contra a natureza, é um grande equívoco. É a busca de culpados, através de uma medíocre interpretação bíblica, e alcançar uma absolvição dos verdadeiros culpados.

Tenho, no entanto, uma outra explicação - segundo o meu entender, mais plausível - para o mau comportamento humano diante dos bens do planeta. Quando é que foi iniciada a destruição organizada dos recursos da natureza? Foi só com o advento do capitalismo. A ideologia do progresso a qualquer título, e da superação de outros povos pela emulação desenfreada, levou a humanidade a devastar os recursos naturais. O capitalismo trouxe um progresso acelerado, que visava responder a uma tendência humana para o consumismo. Mas se houve progresso num aspecto, houve retrocesso em outros. As espécies animais começaram a ser extintas, uma após a outra. A vegetação, na sua riqueza exuberante, começou a ser eliminada. Os recursos hídricos sofreram um grave revés. Até o clima parece estar conjurando contra a presença da vida no planeta.

Que o ser humano se ajuste, para conviver harmoniosamente com os seres vivos, estou muito de acordo. Seja eliminada toda a prepotência. E que a superioridade da inteligência esteja a serviço do equilíbrio dos múltiplos seres, que o Criador distribuiu, com tanta largueza, neste planeta, de características únicas em todo o universo. Mas que se invirta a posição do ser humano, passando-o de rei da criação, a subalterno da natureza, é uma extravagância. É pecar contra a evidência. Porque, pela luz da fé, sabemos que todos os seres vivos e também inanimados, são criaturas de Deus, portanto, por Ele amados. Mas o homem e a mulher são seus filhos, feitos à sua imagem e semelhança. A diferença chega a ser abissal. É uma dignidade que supera qualquer vã filosofia, e é a verdadeira raiz da dignidade humana. “Vejam, que prova de amor Deus nos deu: sermos chamados filhos de Deus. E nós de fato o somos” (1 Jo 3, 1). A quem falta a iluminação da fé, o perigo de se voltar contra a excelência do ser humano, é um escolho a surpreender a qualquer momento.


* Dom Aloísio Roque Oppermann scj – Arcebispo Emérito de Uberaba, MG.
Endereço eletrônico: domroqueopp@terra.com.br







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