Dom Guilherme explica em entrevista a 5ª Semana Social Brasileira
Brasília (RV) - Dom Guilherme Werlang, bispo de Ipameri (GO) e presidente da Comissão
Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz da CNBB, concede entrevista
e trata de vários e importantes aspectos da 5a. Semana Social Brasileira que se realizará
de 22 a 25 de maio de 2013 e está em sendo preparada em todo o Brasil.
Confira
a entrevista dada ao jornal da Diocese de Santa Cruz do Sul (RS).
O que são
as Semanas Sociais Brasileiras? Quando iniciaram? Estão mais ligadas ao trabalho social
da Igreja? D. Guilherme. É já uma tradição da Igreja no Brasil, que vem desde 1991,
quando foi lançada a primeira semana social para celebrar os cem anos da Encíclica
Rerum Novarum (1891) do Papa Leão XIII, que foi o primeiro “documento encíclica” a
trabalhar de forma oficial a Doutrina Social da Igreja. Esta encíclica marcou o início
da sistematização do pensamento social católico, chamado normalmente “Doutrina Social
da Igreja Católica”. Claro que desde o tempo dos Apóstolos e dos Santos Padres a Igreja
tem muitos escritos que apontam as questões sociais, a justiça social e a caridade
como decorrência do Evangelho e exigência da verdadeira vida cristã. Mas, após o novo
desenho e estrutura social que surgem com o Iluminismo, a Revolução Francesa, o Capitalismo,
a Urbanização, a Indústria e o proletariado, este documento papal é, para a Igreja,
o Marco Referencial dos demais documentos subseqüentes. A V Conferência do Episcopado
Latino-americano e Caribenho de Aparecida destaca alguns campos prioritários e tarefas
urgentes para a missão de todos os discípulos/as de Jesus Cristo no hoje da América
latina e do Caribe: Justiça social, dignidade humana, opção pelos pobres e excluídos,
renovada pastoral social, globalização da solidariedade, justiça internacional e cuidado
com os rostos sofredores que doem em nós (cf DAp., 380 a 430). Portanto, a Semana
Social deve envolver toda a Igreja e não apenas as pastorais sociais.
02. Quem
são os organizadores e mentores das Semanas Sociais Brasileiras? D. Guilherme.
As semanas sociais brasileiras são inspiradas em semanas sociais de vários países
da Europa, especialmente da França e Itália, países que já realizaram dezenas de semanas
sociais. As Semanas Sociais Brasileiras são uma iniciativa, promoção, organização
e coordenação geral da CNBB, mas elas pertencem à sociedade civil. A CNBB por meio
das Dioceses e Paróquias, não realiza sozinha as Semanas Sociais. É um serviço que
a CNBB oferece à sociedade brasileira. Portanto, os legítimos sujeitos das Semanas
Sociais são os grupos sociais que aceitam o convite da CNBB e que se organizam para
participar dos debates. Muitas vezes estes grupos da sociedade civil oferecem acréscimos
e enriquecem o tema inicialmente proposto pela CNBB. Ampliam a visão e entram verdadeiramente
na base do tecido social. Todas as Paróquias, Congregações Religiosas e suas Obras,
pastorais e movimentos eclesiais, as comunidades eclesiais de base, os movimentos
sociais, as organizações sindicais e as todas forças vivas da sociedade são chamadas/os
a participarem como protagonistas do processo da 5a. Semana Social Brasileira. A CNBB
não “dirige”, apenas orienta o processo. Convida Movimentos Sociais e representantes
da Sociedade Civil para participarem da Equipe de Coordenação, o que sempre é uma
riqueza. Cada vez mais devemos aprender a dialogar e trabalhar em equipe. Ninguém
faz nada sozinho. Como a realização da 5a. Semana Social Brasileira foi aprovada
por unanimidade pelos bispos na Assembleia Geral de 2011, a CNBB confia sua realização
à Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz, a qual eu
presido neste quadriênio.
03. Quantas Semanas Sociais já aconteceram? Há conquistas
e vitórias que merecem uma comemoração ou celebração muito especial? D. Guilherme.
Já tivemos quatro (4) Semanas Sociais Brasileiras. Delas muitos bons frutos já foram
colhidos. Destacamos o fortalecimento das Pastorais Sociais e sua articulação com
os Movimentos Sociais, o Grito dos Excluídos, o Jubileu Sul, que trabalha a questão
da dívida externa, a criação da ASA – Articulação do semi-árido, que tem construído
450 mil cisternas de captação de água de chuva no nordeste, o fórum das pastorais
sociais, os plebiscitos, em especial contra a ALCA, a Assembleia Popular e, sobretudo,
o despertar da consciência cidadã de muitos cristãos.
04. O tema da Semana
é o Estado para que e para quem? Por que esse tema? Não é um tema da sociedade civil
e mais ligado aos políticos e legisladores? D. Guilherme. Todos os temas que dizem
respeito ao ser humano também devem dizer respeito à Igreja. Temos plena consciência
que se as reformas políticas e do Estado dependerem apenas dos políticos e legisladores,
muito pouco poderemos esperar. O máximo que eles propõem são pequenos remendos, mas
sem mexer na estrutura. O Estado brasileiro já foi criado para servir a grupos de
interesse e não para todos os cidadãos e cidadãs que aqui viviam e vivem. Muitas vezes
se usa e expressão: “ausência do Estado”. Creio que isso não existe. O que normalmente
existe é a “presença” do Estado, mas do lado errado, isto é, não do lado do Povo,
mas de pequenos grupos detentores de poder econômico e ou poder repressivo e punitivo.
Muitas vezes os políticos e legisladores defendem interesses particulares de grupos,
empresas e até de estrangeiros. Basta ver o fiasco que está o “Código Florestal” que
de “Florestal” tem muito pouco. Participar da construção de uma sociedade justa e
solidária faz parte da ação evangelizadora da Igreja no Brasil. O Concílio Ecumênico
Vaticano II afirma que a comunidade dos discípulos, que é a Igreja, está no mundo
e sua missão consiste em ser sinal e instrumento do Reino de Deus na sociedade. E
ainda: a primeira missão que Jesus confiou à sua Igreja não é de ordem social, política
ou econômica, mas de ordem religiosa. Porém, desta dimensão religiosa, pode a Igreja
extrair força e luz para ajudar a organizar a sociedade humana em seus aspectos políticos,
sociais e econômicos, de acordo com os mandamentos da lei de Deus (cf GS 42). No
documento 91 da CNBB, “Por Uma Reforma do Estado Com Participação Democrática”, nós
bispos afirmamos que “os novos sujeitos históricos colocam problemas que o Estado,
na sua conformação atual, e o processo democrático, atualmente praticado, não estão
preparados para responder. No surgimento de novos grupos sociais, as novas perguntas
não obtêm respostas adequadas. Assim, o problema não é “o” Estado, mas “esse” Estado.
Não entendemos que se deva ter em mente a inexistência do Estado, e sim, lançar sobre
o Estado que temos um olhar crítico para verificar que outras formas podem ser buscadas”.
(Doc. 91 da CNBB, 31). Conscientes de que os novos sujeitos sociais exigem novas
estruturas de participação democráticas, queremos, com a 5a. Semana Social Brasileira,
criar canais de diálogo e de participação efetiva, para que a sociedade civil encontre
mecanismos jurídicos que coloquem o Estado em movimento em direção da massa dos excluídos,
ouvindo os seus clamores. Dessa forma, questionamos a atual forma de democracia,
com seus ritos e com seu arcabouço jurídico. Tal modelo de democracia não mais responde
a seus anseios e necessidades como cidadãos e sujeitos políticos. Queremos, para além
da democracia representativa, uma efetiva democracia participativa.
05. É importante
a Diocese e as paróquias se voltarem para o para evento dessa natureza? Por quê? D.
Guilherme. Há um apelo que vem do próprio Papa Bento XVI que serve de alerta às Igrejas.
Segundo ele, o aumento sistemático das desigualdades entre grupos sociais no interior
de um mesmo país e entre as populações dos diversos países, ou seja, o aumento maciço
da pobreza em sentido relativo tende não só a minar a coesão social - e, por este
caminho, põe em risco a democracia -, mas tem também um impacto negativo no plano
econômico com a progressiva corrosão do ‘capital social’, isto é, daquele conjunto
de relações de confiança, de credibilidade, de respeito das regras, indispensáveis
em qualquer convivência civil. (Caritas in veritate, Bento XVI, 32). Sendo assim,
é fundamental a participação das dioceses e paróquias nestes debates, inclusive para
ajudar a consolidar, aprofundar e salvar a democracia em nosso País. Ainda temos uma
democracia muito frágil. Para ser plena, a democracia precisa assegurar a todos os
cidadãos e cidadãs uma participação direta nas decisões que afetam a vida, sejam estas
de ordem política, social, cultural, econômica ou religiosa. Nós temos ainda uma democracia
muito representativa e pouco participativa. A democracia representativa mostra seu
limite quando as decisões ficam exclusivamente nas mãos dos eleitos. Daí a necessidade
de ela dar um salto para uma democracia participativa que implica na criação de mecanismos
que assegurem a participação popular. É um equívoco reduzir a democracia ao voto livre
e consciente. Se pararmos no voto, a democracia fica manca. Isso, infelizmente, temos
visto, favorecendo aos que assumem o poder para dele se servirem em benefício próprio
ou de seu grupo. O Papa João Paulo II, na encíclica “Centesimus Annus”, dizia que
a democracia não pode “favorecer a formação de grupos restritos de dirigentes que
usurpam o poder do Estado a favor dos seus interesses particulares ou dos objetivos
ideológicos”. Certamente nenhuma outra organização social tem a capilaridade da Igreja
Católica em nosso país e nem tão pouco, a capacidade de organizar o povo para uma
participação efetiva e permanente nos assuntos que são de interesse social. Assim,
as dioceses e paróquias que se furtarem a neste momento histórico de uma participação
neste debate, negam sua ajuda na construção do Estado brasileiro que queremos. Não
podemos separar “fé e vida”.
06. Que resultados se esperam na Igreja do Brasil
(dioceses e paróquias) dessa 5a. Semana Social Brasileira? D. Guilherme. No Brasil
há um grande descompasso entre “intenções democráticas” e as “estruturas antidemocráticas”.
Isso tem deixado profundas marcas nos indivíduos, na sociedade e nas instituições,
afetando a própria Igreja em sua missão evangelizadora. Vivemos também a contradição
entre o crescimento econômico e o declínio social. De um lado, a concentração dos
bens e de outro lado, a exclusão social. Há também uma violência às vezes velada e
outras vezes aberta, promovida pelas estruturas do Estado. Há uma orquestração
para nos fazer crer que a violência vem das ruas, dos movimentos sociais, quando estes
reivindicam mais democracia, mais participação nas decisões de governo, sobretudo,
no que se refere à defesa de seus territórios, da Constituição Brasileira e das críticas
e oposição aos grandes projetos, que sempre vêm acompanhados de seus desastres para
a vida humana, o meio ambiente e as gerações futuras. Estes sofrem o processo de
criminaliazação por parte do aparato punitivo do Estado. Doutro lado, a população
percebe bem o tratamento diferenciado que é dado àqueles que são os verdadeiros sanguessugas
da Nação e do Estado. Temos que deixar sempre mais claro que Estado e Poder, Estado
e Governo não são a mesma coisa. Nenhum Governo é o Estado. O Governo deve ser um
serviço prestado, mas não é o Estado. Muitas vezes quem é eleito para um cargo de
governo acha que é “dono” do poder e do Estado e se identifica com o próprio Estado
e nós ficamos quietos e até achamos que estão certos. Isso tem que mudar. Nós temos
que mudar nossa compreensão e ação. Com este debate sobre o Estado, lançado nas
ruas, queremos contribuir na superação dessa contradição fundamental existente na
estrutura do Estado, no qual atestamos que falta Brasil para os brasileiros. Queremos
resgatar, descobrir e dar visibilidade a tantos gestos de um novo Estado vividos nos
porões da sociedade, mas que estão na sombra. Sabemos que o Estado é um estado, por
isso, buscamos um Estado do Bem viver, do conviver e do pertencer para todos os brasileiros.
(SP-CNBB)
Para mais informações sobre a 5a. Semana Social Brasileira: http://www.semanasocialbrasileira.org.br/