Card. Hummes: "Igreja na Amazônia está viva, mas preocupada com falta de clero"
Santarém
(RV) - Os bispos da Amazônia, reunidos em Santarém desde o dia 02, abriram o 10º
Encontro com celebração eucarística na capela do Seminário São Pio X. Presidida por
Dom Luiz Soares Vieira, arcebispo de Manaus, a celebração destacou a vida da caminhada
pastoral nas práticas das comunidades de base que muito contribuíram para os movimentos
sociais.
Houve destaque para o testemunho de Dom Moacyr Grecchi, arcebispo
emérito de Porto Velho, considerado uma das vozes proféticas na Amazônia. Na homilia,
Dom Moacir falou aos participantes da celebração e aos ouvintes da Rádio Rural de
Santarém, que transmitiu a missa para diversas comunidades amazônicas.
Um dos
problemas enfrentados hoje pelas populações da Amazônia são os grandes projetos, que
além de causarem grande impacto ao meio ambiente, geram lucros para alguns e provocam
inúmeros impactos sociais negativos nas cidades onde estão instalados. Esse foi o
assunto principal da primeira coletiva oficial concedida à imprensa na tarde desta
terça-feira, 03, no Seminário São Pio X.
A entrevista foi concedida por Dom
Jesus Maria Berdonces, bispo da prelazia de Cametá e presidente do Regional Norte
I; Dom Mosé João Pontelo, bispo da Diocese de Cruzeiro do Sul e presidente do regional
Noroeste; Dom Roque Paloschi, bispo da Diocese de Roraima e presidente do Regional
Norte 1 e Monsenhor Raimundo Possidônio, coordenador de Pastoral da Arquidiocese de
Belém e historiador.
Dom Jesus Maria Berdonces afirmou que a Amazônia é tida
até hoje como uma colônia, aonde as pessoas vêm, pegam a matéria prima, enriquecem
e vão embora. “Esse é um modelo capitalista pautado pelo governo para a Amazônia,
que não leva em conta o povo que aqui mora. Para eles, o povo é apenas um detalhe,
que atrapalha o desenvolvimento, ressalta”.
Ele destacou que existe outro modelo
defendido pela Igreja, cujo foco são os povos que estão na Amazônia. “A igreja defende
o incentivo à agricultura familiar, defende que os lucros das riquezas (minerais e
vegetais) sejam deixados na Amazônia, e que os povos sejam ouvidos”. Já Dom Roque
Paloschi destacou que a questão é saber quem está usufruindo dos lucros desses grandes
projetos, que além de terem as bênçãos do governo, são financiados com o dinheiro
público. Ele ressalta que as populações não têm garantias, e suas terras quase sempre
são “abocanhadas” pelo agronegócio e por grupos econômicos que aqui chegam.
Dom
Roque defende o respeito à biodiversidade, a participação de homens e mulheres amazônidas,
que possuem a sabedoria milenar e tradicional de cuidar do meio ambiente sem agredi-lo.
Ele espera que o encontro de Santarém provoque uma verdadeira reflexão. “Nós esperamos
contribuir para que uma reflexão aconteça para que nossas comunidades se tornem sujeitos
dessa região e não apenas vista como um entrave no processo do desenvolvimento sonhado
pelo agronegócio e pelo governo”, enfatiza.
Dom Mosé João Pontelo afirma que
os problemas estão aí, e isso requer responsabilidade dos pastores, que são lideres
dessa igreja. E o encontro de Santarém vai apontar qual será o caminho a ser seguido
nos próximos cinco anos.
Dom Jesus Maria acredita que os bispos têm a obrigação
de tentar iluminar a caminhada com a Palavra de Deus, mas também assumir o desafio
e o povo da Amazônia. “É necessário não fugirmos da cruz de nosso Senhor, que é a
cruz dos pobres e dos povos desta região”, finalizou.
O 10º encontro dos bispos
terá um documento conclusivo e uma carta encaminhada aos governantes dos Estados da
Amazônia, outra ao Povo de Deus e uma ao Papa Bento XVI.
O evento celebra e
avalia a caminhada da Igreja na região amazônica nos últimos 40 anos, inspirada pelo
Documento de Santarém (1972). Qual o significado e a importância daquele Documento?
Quem responde é o Presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia, o Cardeal Cláudio
Hummes, presente em Santarém ao lado de 40 bispos da região:
“Estamos revisitando
o célebre Documento de Santarém, de 40 anos atrás, um documento muito interessante
na época, justamente depois de Medellín e do Concílio Vaticano II. No Documento, foi
a primeira vez que se falou no Brasil de prioridades pastorais, de inculturação, de
pastoral indígena, das comunidades eclesiais de base, que na época se chamavam comunidades
cristãs de base. Enfim, o documento foi muito interessante na época, e agora está
sendo revisitado.
Vemos que a Igreja aqui está muito viva, mas ao mesmo
tempo, preocupada com a falta de padres, com a falta de condições de formar padres.
Faltam recursos econômicos, porque hoje é muito caro formar um padre. Por outro lado,
há uma grande vontade de formar o clero autóctone, de indígenas, com todos os desafios
que isto comporta”. (CM)