Apresentada hoje na Sala de Imprensa da Santa Sé o "Instrumentum Laboris" para o 13º
Sínodo geral dos Bispos, sobre "A Nova Evangelização" a ter lugar em Outubro próximo
no Vaticano
Foi apresentado esta manhã na Sala de Imprensa da Santa Sé o chamado “Instrumentum
Laboris”, Instrumento de Trabalho” da 13ª assembleia geral ordinária do Sínodo dos
Bispos, que terá lugar no Vaticano de 7 a 28 de Outubro próximo sobre o tema “A nova
Evangelização para a Transmissão da Fé Cristã”. A conferência de imprensa foi
conduzida por D. Nicola Eterovic, Secretário Geral do Sínodo e por D. Fortunato Frezza,
sub-secretário. Deram a conhecer o conteúdo deste Instrumento de Trabalho que é praticamente
a ordem do dia do Sínodo. O documento articula-se em duas partes: uma introdução
em que é explicada as razões da escolha do tema deste Sínodo, uma segunda parte em
que se ilustra o esquema do Instrumento de Trabalho, parte esta composta por quatro
capítulos.
Na base da escolha deste tema está – explicou D. Nicola Eterovic
– a urgente tarefa de transmitir às novas gerações o Evangelho de Cristo, sem interrupção
do processo de transmissão da fé, e isto o no âmbito da nova evangelização. Com efeito
a reflexão sinodal será enriquecida pela ligação deste tema com o Ano da fé, desejado
pelo Papa Bento XVI e que terá início a 11 de Outubro, durante o Sínodo. Isto em comemoração
do 50º aniversário do início do Concilio Vaticano II e do 20º aniversário da publicação
do Catecismo da Igreja Católica.
O Secretário Geral do Sínodo explicou depois
que o Instrumentum Laboris resulta das respostas das 114 Conferências Episcopais do
mundo inteiro, dos 13 sínodos dos Bispos das Igrejas Orientais e dos 26 Dicastérios
da Cúria Romana ao chamado Lineamenta que lhe tinha sido enviado em Fevereiro de 2011.
De forma geral a expectativa em relação a este Sínodo expressa nessas respostas
é que infunda uma nova energia nas comunidades cristãs e dê respostas concretas aos
quesitos sobre a evangelização no mundo actual, pois que se sente a necessidade de
novos instrumentos e novas expressões para tornar compreensível a palavra de Deus
nos ambientes da vida do homem contemporâneo.
Os quatro capítulos do Instrumento
de trabalho são dedicados respectivamente a: Jesus Cristo, Evangelho de Deus para
o homem; Tempo de nova evangelização; transmissão da fé; e reavivar a acção pastoral.
No primeiro capítulo “Jesus Cristo, Evangelho de Deus para o homem” põe-se em
relevo o núcleo central da fé cristã, que muitos ignoram no mundo de hoje. Procura-se,
por isso, propor o Evangelho de Cristo como Boa Nova também para o homem contemporâneo.
Aqui sublinha-se mais uma vez a vocação fundamental da Igreja de anunciar o Evangelho.
Já o segundo capítulo é dedicado essencialmente aos desafios actuais da evangelização
e à descrição da nova evangelização. Passa-se depois, no terceiro capítulo, à finalidade
da nova evangelização e à transmissão da fé. A Igreja transmite a fé que ela própria
vive. Todos os cristãos são chamados a dar o seu contributo. Por fim, o quarto capítulo,
intitulado “Reavivar a acção pastoral” sublinha que a transmissão da fé no contexto
da nova evangelização repropõe os instrumentos amadurecidos ao longo da Tradição da
Igreja e, de modo particular, o primeiro anuncio, a iniciação cristã e a educação,
procurando adaptá-los às actuais condições culturais e sociais.
Segue
texto original em português
S Í N O D O D O S B I S P O S XIII
A S S E M B L É I A G E R A L O R D I N Á R I A
A NOVA EVANGELIZAÇÃO
PARA
A TRANSMISSÃO DA FÉ CRISTÃ
Instrumentum laboris
Cidade do Vaticano 2012
Este
texto dos Instrumetum laboris encontra-se regularmente inserido no site Internet
vaticano: http: // www.vatican.va
Este texto pode ser reproduzido
pelas Conferências Episcopais, ou com a sua autorização, desde que o seu conteúdo
não seja modificado de modo algum e que duas cópias do mesmo sejam enviadas à Secretaria
Geral do Sínodo dos Bispos, 00120 Cidade do Vaticano.
Prefácio
“Aumenta
a nossa fé!” (Lc 17,5). É o pedido dos Apóstolos ao Senhor Jesus ao perceberem que
somente na fé, dom de Deus, podiam estabelecer uma relação pessoal com Ele e estar
à altura da vocação de discípulos. O pedido foi motivado pela experiência dos seus
limites. Não se sentiam suficientemente fortes para perdoar ao irmão. A fé é indispensável
também para cumprir os sinais da presença do Reino de Deus no mundo. A figueira seca
desde as raízes serve a Jesus para encorajar os discípulos: “Tende fé em Deus. Em
verdade vos digo, se alguém disser a este monte: ‘Tira-te daí e lança-te ao mar’,
e não vacilar em seu coração, mas acreditar que o que diz se vai realizar, assim acontecerá.
Por isso, vos digo: tudo quanto pedirdes na oração crede que já o recebestes e haveis
de obtê-lo” (Mc 11,22-24). Também o Evangelista Mateus sublinha a importância da fé
para cumprir as grandes obras. “Em verdade vos digo: Se tiverdes fé e não duvidardes,
não só fareis o que Eu fiz a esta figueira, mas, se disserdes a este monte: ‘Tira-te
daí e lança-te ao mar’, assim acontecerá” (Mt 21,21). Por vezes o Senhor Jesus
advertia “os Doze” pela sua pouca fé. À pergunta por que é que não conseguem expulsar
o demónio, o Mestre responde: “Pela vossa pouca fé” (Mt 17,20). No mar de Tiberias,
antes de acalmar a tempestade, Jesus diz aos discípulos: “Porque temeis, homens de
pouca fé (Δι τ¬ν Ïλιγοπιστίαν ßμäν) (Mt 8,26). Eles devem confiar em Deus e na providência
e não se preocuparem com os bens materiais. “Ora, se Deus veste assim a erva do campo,
que hoje existe e amanhã será lançada ao fogo, como não fará muito mais por vós, homens
de pouca fé?” (Δι τ¬ν Ïλιγοπιστίαν ßμäν) (Mt 6,30; cf. Lc 12,28). Semelhante atitude
repete-se antes da multiplicação dos pães. Perante a constatação dos discípulos se
terem esquecido de levar o pão ao passarem para a outra margem, o Senhor Jesus disse-lhes:
“Homens de pouca fé, porque estais a discorrer entre vós por não terdes trazido pão?
Ainda não compreendeis? Não vos recordais dos cinco pães para os cinco mil homens
e de quantos cestos recolhestes? (Mt 16,8-9). No Evangelho de Mateus, suscita
particular atenção a descrição de Jesus que caminha sobre as águas e alcança os apóstolos
que estavam na barca. Depois de lhes ter afastado o medo, acolhe a proposta condicionada
de Pedro: “Se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas” (Mt 14,28). Num
primeiro momento, Pedro caminha sem dificuldade sobre as águas, indo até Jesus. “Mas,
sentindo a violência do vento, teve medo e, começando a ir ao fundo, gritou: «Salva-me,
Senhor!” E imediatamente Jesus “estendeu-lhe a mão, segurou-o e disse-lhe: ‘Homem
de pouca fé, porque duvidaste?’” (Mt 14,30-31). Jesus e Pedro entram juntos na barca
e o vento amaina. Os discípulos, testemunhas desta grande manifestação, prostram-se
diante do Senhor e fazem a sua plena profissão de fé: “Tu és, verdadeiramente, Filho
de Deus” (Mt 14,33). Na pessoa de Pedro, é possível reconhecer a atitude de muitos
fiéis, como também de inteiras comunidades cristãs, sobretudo nos países de antiga
evangelização. De facto, várias Igrejas particulares conhecem não só o afastamento
dos fiéis, por causa da pouca fé, da vida sacramental e da prática cristã, que algumas
até poderiam ser inseridas na categoria dos não-crentes (πιστοι; cf. Mt 17,17; 13,58).
Ao mesmo tempo, várias Igrejas, depois de um primeiro entusiasmo, experimentam também
o cansaço, o medo, perante situações bastante complexas do mundo actual. Como Pedro,
têm medo do clima hostil, de tentações de varia ordem, de desafios que ultrapassam
as suas forças humanas. A salvação para Pedro e também para os fiéis, considerados
pessoalmente e como membros da comunidade eclesial, provém somente do Senhor Jesus.
Só Ele pode estender a mão e conduzir no caminho da fé até ao lugar seguro. As
breves reflexões sobre a fé nos Evangelhos ajudam-nos a ilustrar o tema da XIII Assembleia
Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos: “A nova evangelização para transmissão da fé
cristã”. Em tal contexto, a importância da fé aparece reforçada pela decisão do Santo
Padre Bento XVI de proclamar o Ano da Fé a começar de 11 de Outubro de 2012, em memória
do 50º aniversário da abertura do Concílio Ecuménico Vaticano II e do 20º aniversário
da publicação do Catecismo da Igreja Católica. Ambos os eventos, terão início no decorrer
da celebração da Assembleia sinodal. Uma vez mais se verifica a palavra do Senhor
Jesus dirigida ao apóstolo Pedro, pedra sobre a qual o Senhor construiu a sua Igreja
(Cf. Mt 16,19): “Mas Eu roguei por ti, para que a tua fé não desapareça. E tu, uma
vez convertido, fortalece os teus irmãos (Lc 22,32). Novamente se abrirá diante de
todos “a porta da fé” (Act 14,27). Como sempre, também hoje a evangelização tem
por finalidade a transmissão da fé cristã. Ela diz respeito, em primeiro lugar, à
comunidade dos discípulos de Jesus Cristo, organizados em Igrejas particulares, diocesanas
e eparquias, em que os fiéis se reúnem regularmente para as celebrações litúrgicas,
escutam a Palavra de Deus e celebram os sacramentos, sobretudo a Eucaristia, preocupando-se
em transmitir o tesouro da fé aos membros das suas famílias, das suas comunidades,
das suas paróquias. Fazem-no através da proposta e do testemunho de vida cristã, do
catecumenado, da catequese e das obras de caridade. Trata-se de evangelização em sentido
geral, qual actividade regular da Igreja. Com a ajuda do Espírito Santo, esta evangelização,
dita ordinária, deve ser animada por um novo ardor. É necessário procurar novos métodos
e novas formas expressivas para transmitir ao homem contemporâneo a perene verdade
de Jesus Cristo, sempre novo, fonte de toda a novidade. Somente uma fé sólida e robusta,
própria dos mártires, pode dar ânimo a tantos projectos pastorais, a médio e longo
prazo, infundir vida às estruturas existentes, suscitar a criatividade pastoral à
altura das necessidades do homem contemporâneo e das expectativas das sociedades actuais. O
renovado dinamismo das comunidades cristãs dará um novo impulso também à actividade
missionária (missio ad gentes), hoje mais urgente do que nunca, atendendo ao elevado
número de pessoas que não conhecem Jesus Cristo não só em terras longínquas, mas também
nos Países de antiga evangelização. Deixando-se vivificar pelo Espírito Santo,
os cristãos serão mais sensíveis a tantos irmãos e irmãs que, embora sendo baptizados,
se afastaram da Igreja e da prática cristã. A eles, de modo particular, se querem
dirigir com a nova evangelização, para lhes fazer redescobrir a beleza da fé cristã
e a alegria do encontro pessoal com Senhor Jesus, na Igreja, comunidade dos fiéis. Sobre
tais temáticas se debruça o Instrumentum Laboris agora publicado. Agenda para a próxima
Assembleia sinodal, ele é o resultado da síntese das respostas aos Lineamenta, vindas
dos Sínodos dos Bispos das Igrejas Orientais Católicas sui iuris, das Conferências
Episcopais, dos Dicastérios da Curia Romana e da União dos Superiores Gerais, como
também de parte de outras instituições, de comunidades e de fiéis, que quiseram participar
na reflexão eclesial sobre a temática sinodal. Com a ajuda do Conselho Ordinário,
a Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, valendo-se também do contributo de válidos
peritos, redigiu o presente documento, no qual estão recolhidos muitos aspectos promissores
da actividade evangelizadora da Igreja em todos os cinco continentes. Ao mesmo tempo
são indicados vários temas para aprofundar, de modo que a Igreja possa continuar a
desenvolver adequadamente a sua obra evangelizadora, tendo presente os muitos desafios
e dificuldades do momento actual. Fortalecidos pela palavra do Senhor: “Não se perturbe
o vosso coração. Credes em Deus; crede também em mim (Gv 14,1) e sob a iluminada presidência
do Santo Padre Bento XVI, os Padres sinodais estão dispostos a reflectir num ambiente
de oração, de escuta e de comunhão afectiva e efectiva. Em tal missão, não estarão
sós, porque estarão acompanhados por tantas pessoas que continuam a rezar pelos trabalhos
sinodais. Os membros da XIII Assembleia Geral Ordinária, voltando também o olhar para
a comunhão da Igreja glorificada, esperam na intercessão de todos os santos e, em
particular, da Virgem Maria, feliz porque “acreditou no cumprimento de tudo o que
o Senhor lhe disse” (Lc 1,45). Deus, bom e misericordioso, constantemente estende
a sua mão ao homem e à Igreja, sempre disposto a fazer justiça aos seus eleitos. Eles,
porém, são convidados a agarrar a sua mão e com fé pedir-Lhe ajuda. Tal condição não
é óbvia, como se pode perceber pela densa pergunta de Jesus: “Mas, quando o Filho
do Homem voltar, encontrará a fé sobre a terra?” (Lc 18,8). Por esse motivo, também
hoje a Igreja e os cristãos devem repetir assiduamente a súplica: “eu creio, ajuda
a minha pouca fé!” (Mc 9,24). Para que a Assembleia sinodal possa corresponder
a tais expectativas e necessidades da Igreja no nosso tempo, invocamos a graça do
Espírito Santo, que “Ele derramou abundantemente sobre nós por Jesus Cristo, nosso
Salvador” (Tt 3,6), suplicando mais uma vez ao Senhor Jesus: ““Aumenta a nossa fé!”
(Lc 17,5).
X Nikola Eterović Arcebispo titular de Cibale Secretário
Geral do Sínodo dos Bispos
Vaticano,27 de Maio de 2012 Solenidade
de Pentecostes Introdução
1. A próxima Assembleia Geral Ordinária do Sínodo
dos Bispos, que se realizará de 7 a 28 de Outubro de 2012, tem como tema «A nova evangelização
para a transmissão da fé cristã», tal como o Papa Bento XVI anunciou, ao encerrar
os trabalhos da Assembleia Especial para o Médio Oriente do Sínodo dos Bispos. Com
o intuito de facilitar a preparação específica deste evento foram preparados os Lineamenta.
Aos Lineamenta e aos questionários responderam as Conferências Episcopais, os Sínodos
dos Bispos das Igrejas Católicas Orientais sui iuris, os Dicastérios da Cúria romana
e da União dos Superiores Gerais. Acresce também as observações de Bispos, sacerdotes,
membros de institutos de vida consagrada, leigos, associações e movimentos eclesiais.
Um processo de preparação muito participado que confirma quanto este tema escolhido
pelo Santo Padre está no coração dos cristãos e da Igreja hodierna. Todos os pareceres
e as reflexões alcançadas foram recolhidas e sintetizadas neste Instrumentum laboris.
Pontos
de referência 2. A convocação da próxima Assembleia sinodal acontece num momento
particularmente significativo para a Igreja católica. Durante o seu decorrer, realiza-se
o quinquagésimo aniversário da abertura do Concílio Ecuménico Vaticano II, o vigésimo
aniversário da publicação do Catecismo da Igreja Católica, e abre-se o Ano da Fé,
proclamado pelo Papa Bento XVI. O Sínodo será, por isso, uma ocasião propícia para
enfatizar a questão da conversão e da exigência de santidade que todos estes aniversários
suscitam; o Sínodo será o lugar para tomar a sério e relançar o convite a redescobrir
a fé que, depois de ter sido germinado no Concílio Vaticano II, e retomado pela primeira
vez no Ano da Fé proclamado pelo Papa Paulo VI, nos foi proposto novamente pelo Papa
Bento XVI. É dentro deste quadro que o Sínodo trabalhará o tema da nova evangelização. 3.
O arco temporal que assim se veio a gerar contém outros pontos de referência que
se revelaram essenciais quer para este momento de preparação quer para a sucessiva
reflexão sinodal. Para além da referência directa e explícita ao magistério do Concílio
Vaticano II, não se pode hoje reflectir, por exemplo, sobre a evangelização, prescindindo
das palavras proferidas sobre este tema pelo Papa Paulo VI, na exortação Apostólica
Evangelii nuntiandi, e pelo Papa João Paulo II, na encíclica Redemptoris missio, e
na Carta Apostólica Novo millennio ineunte. De modo unânime, estes textos, em muitas
respostas recebidas, foram assumidos como ponto de confronto e de verificação.
As
expectativas em relação ao Sínodo 4. Muitas respostas sublinharam a urgência de
nos encontrarmos para discernir como a Igreja vive hoje a sua originária vocação evangelizadora,
em virtude dos desafios com os quais é chamada a avaliar-se, para evitar o risco da
dispersão e da fragmentarização. Muitas Igrejas particulares (Dioceses, Eparquias,
Igrejas sui iuris), assim como diversas Conferências Episcopais e Sínodos da Igrejas
Orientais estão desde há muito empenhadas na realização de uma verificação das suas
práticas de anúncio e de testemunho da fé. As respostas deram a este respeito um elenco
verdadeiramente impressionante de iniciativas desenvolvidas pelas diversas realidades
eclesiais: em nome da evangelização e para o seu relançamento nos últimos decénios
nas várias Igrejas particulares foram escritos documentos e pensados projectos pastorais,
imaginaram-se iniciativas (diocesanas, nacionais, continentais) de sensibilização
e de apoio, criaram-se lugares de formação para os cristãos chamados a empenharem-se
nestes projectos. 5. Diante de uma tal riqueza de iniciativas, contada em tonalidades
contrastantes, no sentido de que nem todas as iniciativas produziram o êxito esperado,
a convocação sinodal foi vista como uma ocasião propícia para criar um momento unitário
e católico de escuta, de discernimento, e sobretudo para dar unidade às escolhas que
somos chamados a fazer. Augura-se que a próxima Assembleia sinodal seja um evento
capaz de infundir vitalidade às comunidades cristãs e, ao mesmo tempo, seja capaz
de dar também repostas concretas às muitas perguntas que surgem hoje na Igreja, no
que diz respeito à sua capacidade de evangelizar. Espera-se encorajamento, mas também
confronto e condivisão de instrumentos de análise e de exemplos de acção.
O
tema da Assembleia Sinodal 6. Ao anunciar a convocação da XIII Assembleia Geral
Ordinária do Sínodo dos Bispos, o Papa Bento XVI quis chamar as comunidades cristãs
à prioridade da missão confiada à Igreja neste início do novo milénio. Na linha do
seu predecessor, o Beato João Paulo II, que tinha visto no Jubileu de 2000, celebrado
a trinta e cinco anos do Concílio Vaticano II, um estímulo para assumir com renovado
entusiasmo da parte da Igreja a sua missão evangelizadora, o Papa Bento XVI dá também
consecutivamente enfâse a esta missão, sublinhando o carácter de novidade. A missão
recebida dos Apóstolos de ir e fazer discípulos em todos os povos, baptizando-os e
formando-os para o testemunho (cf. Mt 28, 19-20); a missão que a Igreja cumpriu e
à qual permaneceu fiel ao longo dos séculos, é chamada hoje a confrontar-se com as
transformações sociais e culturais que estão a modificar profundamente a percepção
que o homem tem de si e do mundo, gerando repercussões também sobre o seu modo de
acreditar em Deus. 7. O resultado de todas estas transformações é a difusão de
uma desorientação que se traduz em formas de desconfiança relativamente a tudo quanto
nos foi transmitido acerca do sentido da vida e numa relutância para aderir total
e incondicionalmente àquilo que nos foi dado como revelação da verdade profunda do
nosso ser. É o fenómeno do distanciamento da fé que progressivamente se manifesta
nas sociedades e nas culturas que desde há muito apareciam impregnadas pelo Evangelho.
Considerada cada vez mais como um elemento da esfera íntima e individual das pessoas,
a fé tornou-se também uma condição para muitos cristãos que continuaram a preocupar-se
com as justas consequências sociais, culturais e políticas da pregação do Evangelho,
mas que não foram suficientemente trabalhados para manter viva a sua fé e das suas
comunidades; fé que, como uma chama invisível com a sua caridade, alimentava e dava
força a todas as outras acções da vida. Assim procedendo, o risco de uma fé enfraquecida,
e com ela o perigo de se esmorecer a capacidade de dar testemunho do Evangelho, tornou-se
infelizmente uma realidade em muitas nações onde a fé cristã contribuiu ao longo dos
séculos para a edificação da cultura e da sociedade. 8. Reagir a esta situação
é um imperativo com o qual o Papa Bento XVI se tem debatido desde o início do seu
Pontificado, como teve oportunidade de afirmar: «A Igreja no seu conjunto, e os Pastores
nela, como Cristo, devem pôr-se a caminho, para conduzir os homens para fora do deserto,
para os lugares da vida, da amizade com o Filho de Deus, para Aquele que dá a vida,
a vida em plenitude». A Igreja sente como seu dever ser capaz de imaginar novos instrumentos
e novas palavras para tornar audível e compreensível também nos novos desertos do
mundo a palavra da fé que nos regenerou para a vida verdadeira em Deus. 9. A
convocação do Sínodo sobre a nova evangelização e a transmissão da fé situa-se dentro
desta vontade de relançar o fervor da fé e do testemunho dos cristãos e das suas comunidades.
A decisão de concentrar a reflexão sinodal sobre este tema é de facto um elemento
a ser lido no interior de um projecto unitário, que tem como suas etapas recentes
a criação de um dicastério para a promoção da nova evangelização e a proclamação do
Ano da Fé. A partir da celebração do Sínodo espera-se, por isso, que a Igreja multiplique
a coragem e as energias em favor de uma nova evangelização que leve a redescobrir
a alegria de acreditar e ajude a encontrar o entusiasmo em comunicar a fé. Não se
trata apenas de imaginar qualquer coisa de novo ou de lançar iniciativas inéditas
para a difusão do Evangelho, mas de viver a fé na dimensão do anúncio de Deus: «a
missão […] renova a Igreja, revigoriza a fé e a identidade cristã, dá novo entusiasmo
e novas motivações. A fé reforça-se oferecendo-a!».
Do Concílio
Vaticano II à nova evangelização 10. Se o projecto de lançamento da acção evangelizadora
da Igreja tem as suas últimas expressões nas decisões do Papa Bento XVI que ainda
agora evocámos, as origens de um tal projecto são mais profundas e radicais: este
projecto, de facto, animou o magistério e o ministério apostólico do Papa Paulo VI
e do Papa João Paulo II. Mais ainda, a origem de todo este projecto encontra-se no
Concílio Vaticano II, e na sua vontade de dar respostas à desorientação experimentada
também pelos cristãos diante das fortes transformações e lacerações que o mundo conhecia
naquele período; respostas não marcadas pelo pessimismo ou pela renúncia mas assinaladas
pela força recriadora do chamamento universal à salvação que Deus quis para todo homem. 11.
É assim que a acção evangelizadora é apresentada por este Concílio Ecuménico entre
as temáticas centrais: em Cristo, luz dos povos, toda a humanidade encontra a sua
identidade originária e verdadeira, que o pecado contribuiu para obscurecer; e a Igreja,
em cujo rosto se reflecte esta luz, tem a tarefa de continuar a missão evangelizadora
de Jesus Cristo, tornando-a presente e actual, dentro das condições do mundo de hoje.
Nesta perspectiva, a evangelização torna-se um dos principais desafios apresentados
pelo Concílio, que conduz a um novo relançamento e fervor nesta missão. Para os ministros
ordenados: a evangelização é o dever dos bispos e dos presbíteros. Para
além disso, esta missão fundamental da Igreja é dever de cada cristão baptizado; e
a evangelização, enquanto conteúdo principal da missão da Igreja, ficou bem explícita
em todo o decreto Ad gentes, que mostra como a evangelização edifica o corpo das Igrejas
particulares e mais em geral de cada comunidade cristã. Assim entendida, a evangelização
não se reduz a uma simples acção entre tantas, mas, no dinamismo eclesial, é a força
que permite à Igreja viver o seu objectivo: responder ao chamamento universal da santidade. 12. Na esteira do Concílio, o Papa Paulo VI observava com clarividência
que o empenho da evangelização estava relançado com força e grande urgência, atendendo
à descristianização de muitas pessoas, que, não obstante o baptismo, vivem fora da
vida cristã; gente simples que tem uma certa fé e conhece mal os fundamentos. Cada
vez mais as pessoas sentem a necessidade de conhecer Jesus Cristo com uma luz diversa
do ensinamento recebido na sua infância. E, fiel ao ensinamento conciliar, acrescentava
que a acção evangelizadora da Igreja «deve procurar constantemente os meios e a linguagem
adequados para lhes propor ou repropor a revelação de Deus e a fé em Jesus Cristo». 13.
O Papa João Paulo II fez deste compromisso um dos marcos do seu longo Magistério,
sintetizando no conceito de nova evangelização, que ele aprofundou sistematicamente
em numerosas intervenções, a tarefa que espera à Igreja de hoje, em particular nas
regiões de antiga cristianização. Tal programa diz respeito directamente à sua relação
com o exterior, mas pressupõe, antes de tudo, um constante renovamento no seu interior,
um contínuo passar, por assim dizer, de evangelizada a evangelizadora. Basta recordar
algumas das suas palavras: «Países inteiros e nações, onde a religião e a vida cristã
foram em tempos tão prósperas e capazes de dar origem a comunidades de fé viva e operosa,
encontram-se hoje sujeitos a dura prova, e, por vezes, até são radicalmente transformados
pela contínua difusão do indiferentismo, do secularismo e do ateísmo. É o caso, em
especial, dos países e das nações do chamado Primeiro Mundo, onde o bem-estar económico
e o consumismo, embora à mistura com tremendas situações de pobreza e de miséria,
inspiram e permitem viver «como se Deus não existisse”. […] Noutras regiões ou nações,
porém, conservam-se bem vivas ainda tradições de piedade e de religiosidade popular
cristã; mas, esse património moral e espiritual corre hoje o risco de esbater-se sob
o impacto de múltiplos processos, entre os quais sobressaem a secularização e a difusão
das seitas. Só uma nova evangelização poderá garantir o crescimento de uma fé límpida
e profunda, capaz de converter tais tradições numa força de liberdade autêntica. É
urgente, sem dúvida, refazer em toda a parte o tecido cristão da sociedade humana.
Mas, a condição é a de se refazer o tecido cristão das próprias comunidades eclesiais
que vivem nesses países e nessas nações». 14. O Concílio Vaticano II e a nova
evangelização são temas recorrentes também no magistério de Bento XVI. No seu discurso
de felicitações natalícias à Cúria Romana em 2005 – coincidindo com os quarenta anos
do encerramento do Concílio – ele sublinhou, perante uma “hermenêutica da descontinuidade
e da ruptura”, a importância da «”hermenêutica da reforma”», da renovação na continuidade
do único sujeito-Igreja, que o Senhor nos concedeu; é um sujeito que cresce no tempo
e se desenvolve, permanecendo, porém, sempre o mesmo, único sujeito do Povo de Deus
a caminho». Ao proclamar o Ano da Fé, o Santo Padre augurou que tal acontecimento
possa «ser uma ocasião propícia para compreender que os textos deixados em herança
pelos Padres Conciliares, segundo as palavras do Beato João Paulo II, ”não perdem
o seu valor nem a sua beleza”». E afirma ainda: «Quero aqui repetir com veemência
as palavras que disse a propósito do Concílio poucos meses depois da minha eleição
para Sucessor de Pedro: «se o lermos e recebermos guiados por uma justa hermenêutica,
o Concílio pode ser e tornar-se cada vez mais uma grande força para a renovação sempre
necessária da Igreja». Portanto, como realçavam algumas respostas aos Lineamenta,
as referidas orientações de Bento XVI, em sintonia com os seus predecessores, são
um guia seguro para afrontar o tema da transmissão da fé na nova evangelização, numa
Igreja atenta aos desafios do mundo actual, mas firmemente ancorada na sua tradição
viva, da qual faz parte o Concílio Vaticano II.
A estrutura do Instrumentum
laboris 15. Da reflexão sinodal espera-se, por isso, um desenvolvimento e um aprofundamento
do trabalho que a Igreja desenvolveu nestes decénios. A grande quantidade de iniciativas
e de documentos já produzidos em nome da evangelização, do seu relançamento, permitiu
dizer a muitas Igrejas particulares que a expectativa não é principalmente sobre as
coisas a fazer mas muito mais sobre a possibilidade de haver um espaço que permita
compreender o quanto e como foi feito até ao momento. Mais de uma resposta refere
que só o simples anúncio do tema e o trabalho sobre os Lineamenta permitiu às comunidades
cristãs perceber, de modo mais incisivo e empenhado, o carácter urgente de que se
reveste hoje o dever da nova evangelização; e de beneficiar, como consequente ganho,
de um ambiente de comunhão que permite olhar para os desafios do presente com um espírito
diversificado. 16. Em muitas respostas não se esconde a preocupação da Igreja
ser chamada enfrentar o desafio da nova evangelização com a consciência de que as
transformações não apenas interessam ao mundo e à cultura mas tocam em primeira pessoa
também a ela mesma, as suas comunidades, as suas acções, a sua identidade. O discernimento
é visto então como um instrumento necessário, um estímulo para afrontar com mais coragem
e com maior responsabilidade a situação actual. Colocando-se nesta linha, o presente
Instrumentum laboris está elaborado em quatro capítulos, úteis para dar os conteúdos
fundamentais e os instrumentos que favoreçam uma semelhante reflexão e um tal discernimento. 17.
Um primeiro capítulo será assim dedicado à redescoberta do coração da evangelização,
ou da experiência da fé cristã: encontro com Jesus Cristo, Evangelho de Deus Pai para
o homem, que nos transforma, nos reúne e nos introduz, graças ao dom do Espírito Santo,
numa vida nova, da qual fazemos já experiência no presente, precisamente ao sentirmo-nos
reunidos em Igreja, e pela qual nos sentimos enviados com alegria pelas estradas do
mundo, na esperança do cumprimento do Reino de Deus, testemunhas e anunciadores alegres
do dom recebido. No capítulo seguinte, o segundo, o texto desenvolve a reflexão sobre
o discernimento de evidenciar as transformações que interessam à nossa forma de viver
a fé, e que influenciam as nossas comunidades cristãs. São analisados os motivos da
difusão do conceito de nova evangelização, os diferentes modos das Igrejas particulares
de nele se reconhecerem nele. No terceiro capítulo, faz-se a análise dos lugares fundamentais,
dos instrumentos, dos sujeitos e das acções, graças aos quais a fé cristã – que deve
ser professada, celebrada, vivida e rezada –, é transmitida: na liturgia, na catequese
e na caridade. Nesta mesma linha, por fim, no quarto e último capítulo, discute-se
sobre os sectores da acção pastoral especificamente dedicados ao anúncio do Evangelho
e à transmissão da fé. Trata-se daqueles clássicos, aprofundaremos os mais recentes,
que surgiram para responder aos estímulos e às solicitações que a reflexão sobre a
nova evangelização coloca às comunidades cristãs e à sua forma de viver a fé.
Primeiro
Capítulo Jesus Cristo, Evangelho de Deus para o homem
«Completou-se o empo
e o Reino de Deus está próximo: arrependei-vos e acreditai no Evangelho» (Mc 1,15)
18. A fé cristã não é somente uma doutrina, uma sabedoria, um conjunto de
regras morais, uma tradição. A fé cristã é um encontro real, uma relação com Jesus
Cristo. Transmitir a fé significa criar em cada lugar e em cada tempo as condições
para que este encontro entre os homens e Jesus aconteça. O objectivo de toda a evangelização
é a realização deste encontro, que é ao mesmo tempo íntimo e pessoal, público e comunitário.
Como reafirmou o Papa Bento XVI «ao início do ser cristão, não há uma decisão ética
ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à
vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo. […] Dado que Deus foi o primeiro
a amar-nos (cf. 1 Jo 4, 10), agora o amor já não é apenas um “mandamento”, mas é a
resposta ao dom do amor com que Deus vem ao nosso encontro». No âmbito da fé cristã,
o encontro com Cristo e a relação com Ele acontece «segundo as Escrituras» (1Cor 15,3.4).
A própria Igreja ganha forma mediante a graça desta relação. 19. Este encontro
com Jesus, graças ao seu Espírito, é o grande dom do Pai aos homens. É um encontro
para o qual somos preparados pela acção da sua graça em nós. É um encontro no qual
nos sentimos atraídos, e que, enquanto nos atrai, transfigura-nos, introduzindo-nos
em dimensões novas da nossa identidade, fazendo-nos participantes da vida divina (Cf.
2Pt 1,4). É um encontro que não deixa nada como antes, mas assume a forma da “metanóia”,
da conversão, como o próprio Jesus pede com ardor (cf. Mc 1,15). A fé como encontro
com a pessoa de Cristo constrói-se na relação com Ele, na memória d’Ele, de modo particular
na Eucaristia e na Palavra de Deus e cria em nós a mentalidade de Cristo, na graça
do Espírito; uma mentalidade que nos faz reconhecer irmãos, reunidos pela Espírito
na sua Igreja, para sermos ao nosso redor testemunhas e anunciadores deste Evangelho.
É um encontro que nos torna capazes de fazer coisas novas e de testemunhar, graças
às obras de conversão anunciadas pelos Profetas (cf. Ger 3,6ss.; Ez 36,24-36), a transformação
da nossa vida. 20. Neste primeiro capítulo, dá-se particular atenção a esta dimensão
fundamental da evangelização, porque as respostas aos Lineamenta assinalaram a necessidade
de reforçar o núcleo central da fé cristã, que muitos cristãos ignoram. É preciso,
portanto, que o fundamento teológico da nova evangelização não seja transcurado, antes
pelo contrário, que se faça ouvir em toda sua força e genuinidade, para que dê força
e a devida afirmação à acção evangelizadora da Igreja. A nova evangelização é, antes
de tudo, assumida como ocasião para avaliar a fidelidade dos cristãos a este mandato
recebido de Jesus Cristo: a nova evangelização é a ocasião propícia (Cf. 2Cor 6,2)
para voltar, como cristãos e como comunidade, a abeirar-nos da fonte da nossa fé,
e a estarmos assim mais disponíveis para a evangelização, para o testemunho. De facto,
antes de se transformar em acções, a evangelização e o testemunho são duas atitudes
que, como fruto de uma fé que continuamente as purifica e converte, surgem nas nossas
vidas deste encontro com Jesus Cristo, Evangelho de Deus para o homem.
Jesus
Cristo, o evangelizador 21. «O próprio Jesus, Evangelho de Deus, foi absolutamente
o primeiro e o maior evangelizador». Ele apresentou-se como enviado a proclamar o
cumprimento do Evangelho de Deus, pré-anunciado na história de Israel, sobretudo pelos
profetas, e nas Sagradas Escrituras. O evangelista Marcos começa a narração relacionando
o «início do Evangelho de Jesus Cristo» (Mc 1,1) com a correspondência às Sagradas
Escrituras: «Como está escrito no profeta Isaías» (Mc 1,2). No Evangelho de Lucas,
o próprio Jesus apresenta-se na sinagoga de Nazaré revelando-se como o intérprete
das Escrituras, capaz de cumpri-las em virtude da sua mesma presença: «Cumpriu-se
hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir» (Lc 4,21). O Evangelho segundo
Mateus elaborou um verdadeiro e próprio sistema de citações de cumprimento, com o
intuito de reflectir sobre a realidade mais profunda de Jesus, a partir de tudo quanto
foi dito por meio dos profetas (cf. Mt 1,22; 2,15.17.23; 4,14; 8,17; 12,17; 13,35;
21,4). No momento da prisão, o próprio Jesus recapitula: «Tudo isto aconteceu, para
que se cumprissem as Escrituras dos profetas» (Mt 26,56). No Evangelho segundo João,
são os próprios discípulos a atestar esta correspondência; depois do primeiro encontro,
Filipe afirma: «Encontrámos aquele sobre quem escreveram Moisés, na Lei, e os Profetas»
(Gv 1,45). No decorrer do seu ministério, Jesus reivindica repetidamente a sua relação
com as Sagradas Escrituras e o testemunho que daí advém: «Investigai as Escrituras,
dado que julgais ter nelas a vida eterna: são elas que dão testemunho a meu favor
(Gv 5,39); «se acreditásseis em Moisés, talvez acreditásseis em mim, porque ele escreveu
a meu respeito» (Gv 5,46). 22. O testemunho unânime dos evangelistas confirma
que o Evangelho de Jesus é o recomeço radical, a prossecução e o cumprimento total
do anúncio das Escrituras. Precisamente, em virtude desta continuidade, a novidade
de Jesus aparece ao mesmo tempo evidente e compreensível. A sua acção evangelizadora
é, de facto, o retomar de uma história iniciada anteriormente. Os seus gestos e as
suas palavras serão compreensíveis à luz das Escrituras. Na última aparição narrada
por Lucas, o Ressuscitado reassume esta perspectiva afirmando: «Estas foram as palavras
que vos disse, quando ainda estava convosco: que era necessário que se cumprisse tudo
quanto a meu respeito está escrito em Moisés, nos Profetas e nos Salmos» (Lc 24,45).
O seu dom supremo aos discípulos será exactamente «abrir-lhes o entendimento para
compreenderem as Escrituras» (Lc 24,45). Considerando a profundidade desta relação
com as Escrituras presentes no coração do povo, Jesus mostra-se como o evangelizador
que conduz a Lei, os Profetas e a Sabedoria de Israel, à novidade e à plenitude. 23.
Para Jesus, a evangelização assume a missão de atrair os homens para a sua íntima
relação com o Pai e o Espírito. É este o sentido último da sua pregação e dos seus
milagres: o anúncio de uma salvação que manifestando-se, através de acções concretas
de cura, não pode coincidir com uma vontade de transformação social ou cultural, mas
é a experiência profunda concedida a todo homem de se sentir amado por Deus e de aprender
a reconhecê-Lo no rosto de um Pai amoroso e cheio de compaixão (cf. Lc 15). A revelação
contida nas suas palavras e nas suas acções tem uma relação com as palavras dos profetas.
É neste sentido emblemática a narrativa dos sinais que Jesus cumpre diante da presença
dos enviados de João Baptista. Trata-se de sinais reveladores da identidade de Jesus
no sentido em que estão estritamente relacionados com os grandes anúncios proféticos.
O evangelista Lucas escreve: «Nessa altura, Jesus curava a muitos das suas doenças,
padecimentos e espíritos malignos e concedia vista a muitos cegos. Tomando a palavra,
disse aos enviados: “Ide contar a João o que vistes e ouvistes: Os cegos vêem, os
coxos andam, os leprosos ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, a Boa-Nova
é anunciada aos pobres; e feliz de quem não tiver em mim ocasião de queda”» (Lc 7,21-22).
As palavras de Jesus manifestam o sentido pleno dos seus gestos em relação aos sinais
cumpridos com inúmeras profecias bíblicas (cf. em particular Is 29,18; 35,5.6; 42,18;
26,19; 61,1). A mesma arte de Jesus de privar com os homens é considerada como
elemento essencial do método evangelizador de Jesus. Ele foi capaz de acolher a todos,
sem descriminação nem exclusões: em primeiro lugar os pobres, depois os ricos como
Zaqueu e José de Arimateia, os estrangeiros como o centurião e a mulher siro-fenícia;
os homens justos como Natanael, ou as prostitutas, os pecadores públicos, com os quais
esteve à mesa. Jesus sabia chegar ao íntimo do homem e gerá-lo na fé em Deus que,
acima de tudo, ama (cf. 1Gv 4,10.19), cujo amor nos precede sempre e não depende dos
nossos méritos, porque é a sua própria essência: «Deus é amor» (1Gv 4,8.16). Ele torna-se
assim modelo para a Igreja evangelizadora, mostrando-lhe o fundamento da fé cristã:
acreditar no amor mediante o rosto e a voz deste amor, isto é, através de Jesus Cristo. 24.
A evangelização de Jesus conduz naturalmente todo o homem a uma experiência de conversão:
cada homem é enviado a converter-se e a acreditar no amor misericordioso de Deus por
ele. O reino crescerá na medida em que cada homem aprender a voltar-se para Deus na
intimidade da oração como um Pai (cf. Lc 11,2; Mt 23,9) e, à luz do exemplo de Jesus
Cristo, a reconhecer em plena liberdade que o bem da sua vida é o cumprimento da sua
vontade (cf. Mt 7,21). Evangelização, chamamento à santidade e à conversão relacionam-se
como se fossem uma só coisa para introduzir aqui e agora, à experiência do Reino de
Deus em Jesus, àqueles que se tornam à sua volta filhos de Deus. Evangelização, chamamento
à santidade, à conversão: à reflexão sinodal espera a tarefa de ler de que modo estas
três realidades estão presentes e nutrem com o seu frutuoso relacionamento a vida
hodierna das nossas comunidades.
A Igreja, evangelizada e evangelizadora 25.
Aqueles que acolhem com sinceridade o Evangelho, em virtude do dom recebido e dos
frutos que neles produziu, reúnem-se em nome de Jesus para guardar e alimentar a fé
acolhida e participada, e para continuar, multiplicando-a, a experiência vivida. Como
narram os Evangelhos (cf. Mc 3,13-15), os discípulos, depois de terem estado com Jesus,
terem vivido com Ele, serem introduzidos por Ele numa nova experiência de vida, terem
participado da sua vida divina, são por sua vez enviados a continuar esta acção evangelizadora:
«Tendo convocado os Doze, deu-lhes poder e autoridade sobre todos os demónios e para
curarem doenças. […] Eles puseram-se a caminho e foram de aldeia em aldeia, anunciando
a Boa-Nova e realizando curas por toda a parte» (Lc 9,1.6). 26. Também depois
da Sua morte e da Sua ressurreição, o mandato missionário que os discípulos receberam
do Senhor Jesus Cristo (cf. Mc 16,15) contém uma explícita referência à proclamação
do Evangelho a todos, ensinando-lhes a observar tudo aquilo que mandou (cf. Mt 28,20).
O apóstolo Paulo apresenta-se como «apóstolo [...] escolhido para anunciar o Evangelho
de Deus» (Rm 1,1). A tarefa da Igreja consiste, portanto, em realizar a traditio Evangelii,
o anúncio e a transmissão do Evangelho, que é «poder de Deus para a salvação dos que
crêem» e que, em última instância, se identifica com Jesus Cristo (cf. 1Cor 1,24).
Sabemos ainda que, quando se fala em anunciar o Evangelho, devemos pensar numa Palavra
viva e eficaz, que realiza aquilo que diz (cf. Eb 4,12; Is 55,10), é uma pessoa: Jesus
Cristo, Palavra definitiva de Deus, feito homem. Tal como para Jesus,
também para a Igreja esta missão evangelizadora é verdadeiramente obra de Deus e do
Espírito Santo. A experiência do dom do Espírito Santo, o Pentecostes, faz dos Apóstolos
testemunhas e profetas, confirmando-os em tudo quanto tinham partilhado com Jesus
e aprendido e d’Ele (cf. At 1,8; 2,17), infundindo neles uma serena audácia que os
envia a transmitir aos outros a sua experiência de Jesus e a esperança que os anima.
O Espírito dá-lhes a capacidade de testemunhar Jesus com “parresia” (cf. At 2,29),
alargando a sua acção de Jerusalém a toda a Judeia e Samaria e até aos confins da
terra. 27. E aquilo que a Igreja vive desde as origens, continua a vivê-lo hoje.
Relançando esta certeza, o Papa Paulo VI recordava a actualidade: «A ordem dada aos
Apóstolos – “Ide, proclamai a Boa-Nova” – vale também, embora de modo diferente, para
todos os cristãos. […]. A Igreja sabe-o. […] Evangelizar, de facto, é a graça e a
vocação própria da Igreja, a sua identidade mais profunda. Ela existe para evangelizar,
o mesmo é dizer para pregar e ensinar, ser canal do dom da graça, reconciliar os pecadores
com Deus, perpetuar o sacrifício do Cristo na S. Missa que é o memorial da sua morte
e da sua gloriosa ressurreição». A Igreja permanece no mundo para continuar a missão
evangelizadora de Jesus, sabendo bem que, fazendo deste modo, continua a participar
da condição divina porque enviada pelo Espírito Santo a anunciar o Evangelho ao mundo,
revive em si mesma a presença de Cristo ressuscitado que a coloca em comunhão com
Deus-Pai. A vida da Igreja, em qualquer acção que cumpra, nunca está fechada em si
mesma; é sempre acção evangelizadora, e como tal, acção que manifesta o rosto trinitário
do nosso Deus. Como está escrito nos Actos dos Apóstolos, também a vida mais íntima:
a oração, a escuta da Palavra e o ensinamento dos Apóstolos, a caridade fraterna vivida,
o pão partido (cf. At 2,42-46) adquire todo o seu sentido apenas quando se torna testemunho,
provoca a admiração e a conversão, se faz pregação e anúncio do Evangelho, por parte
de toda Igreja e de cada baptizado.
O Evangelho, dom para cada homem 28.
O Evangelho do amor de Deus por nós, o chamamento a tomar parte em Jesus Cristo no
Espírito da vida do Pai, são um dom destinado a todos os homens. É quanto nos anuncia
o próprio Jesus quando apela à conversão de todos em vista do Reino de Deus. Para
sublinhar este aspecto, Jesus aproximou-se sobretudo daqueles que eram os marginalizados
da sociedade, dando-lhes a preferência quando anunciava o Evangelho. No início do
seu ministério, Ele proclama ter sido enviado a anunciar aos pobres a boa nova (cf.
Lc 4,18). A todas as vítimas da recusa e do desprezo declara: «Bem-aventurados, vós,
os pobres» (Lc 6,20); por outro, a estes marginalizados, fá-los viver já uma experiência
de libertação estando com eles (cf. Lc 5,30; 15,2), comendo com eles, tratando-os
como iguais e amigos (cf. Lc 7,34), ajudando-os a sentirem-se amados por Deus e revelando
assim a sua imensa ternura pelos necessitados e pecadores. 29. A libertação e
a salvação transmitidas pelo Reino de Deus alcançam a pessoa humana nas suas dimensões
quer físicas quer espirituais. Dois gestos acompanham a acção evangelizadora de Jesus:
o curar e o perdoar. As muitas curas demonstram a Sua grande compaixão diante das
misérias humanas, e significam também que no Reino não haverá mais doenças nem sofrimentos
e que a sua missão visa desde o início libertar as pessoas desses males (cf. Ap 21,4).
Na perspectiva de Jesus, as curas são também sinal da salvação espiritual, isto é,
da libertação do pecado. Cumprindo gestos de cura, Jesus convida à fé, à conversão,
ao desejo de perdão (cf. Lc 5,24). Recebida a fé, a cura introduz na salvação (cf.
Lc 18,42). Os gestos de libertação da possessão do demónio, mal supremo e símbolo
do pecado e da rebelião contra Deus, são sinais que «chegou até vós o Reino de Deus»
(Mt 12,28), que o Evangelho, dom endereçado a cada homem, dando-nos a salvação, introduz-nos
num processo de transfiguração, de participação na vida de Deus, que nos renova já
a partir de agora. 30. «Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho, isto te dou:
Em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda!» (Act 3,6). Como nos mostra o
apóstolo Pedro, também a Igreja continua fielmente este anúncio do Evangelho que é
um bem para cada homem. Ao coxo que lhe pede qualquer coisa para viver, Pedro responde,
oferecendo como dom, o Evangelho que o cura, abrindo-lhe a via da salvação. Assim,
no decorrer do tempo, graças à sua acção evangelizadora, a Igreja dá corpo e visibilidade
à profecia do Apocalipse: «Eu renovo todas as coisas» (Ap 21,5), transformando por
dentro a humanidade e a história, a fim de que a fé de Cristo e a vida da Igreja não
sejam mais estranhas à sociedade em que vivem, mas possam penetrá-la e transformá-la. 31. A evangelização é precisamente a oferta do Evangelho que transfigura
o homem, o seu mundo, a sua história. A Igreja evangeliza, quando, graças à força
do Evangelho que anuncia (cf. Rm 1,16), faz renascer, através da experiência da morte
e da ressurreição de Jesus, toda experiência humana (cf. Rm 6,4), emergindo-a na novidade
do baptismo e da vida segundo o Evangelho, na relação do Filho com o seu Pai para
sentir a força do Espírito. A transmissão da fé é a finalidade da evangelização no
desígnio de levar o homem por Cristo ao Pai no Espírito (cf. Ef 2,18). Esta é a experiência
da novidade do Evangelho que transforma todo o homem. E hoje podemos afirmar com ainda
maior convicção esta nossa certeza, porque vimos de uma história que nos transmite
acções extraordinárias de coragem, dedicação, audácia, intuição e razão, em viver,
por parte da Igreja, essa tarefa de oferecer o Evangelho a cada homem; gestos de santidade,
visíveis em rostos conhecidos e densos de significado em cada Continente. Cada Igreja
particular pode apresentar figuras luminosas de santidade que, com as suas acções,
mas sobretudo com o seu testemunho, souberam dar impulso e energia à obra da evangelização.
Santos exemplares, mas também proféticos e lúcidos em imaginar novas vias para viver
esta tarefa, deixaram-nos ecos e traços em textos, orações, modelos e métodos pedagógicos,
itinerários espirituais, caminhos de iniciação à fé, obras e instituições educativas. 32.
Embora refiram com convicção a força destes exemplos de santidade, algumas respostas
acentuam também a dificuldade em tornar estas experiências actuais e comunicáveis.
Às vezes tem-se a impressão que estas obras da nossa história não só pertencem ao
passado mas estão praticamente reféns dele, não arriscam mais em comunicar a qualidade
de vida evangélica do seu testemunho no nosso presente. À reflexão sinodal pede-se
então para reflectir em torno desta dificuldade, de se interrogar para descobrir as
razões profundas dos limites de diversas instituições eclesiais em mostrar a credibilidade
das próprias acções e do próprio testemunho, em tomar a palavra e em fazer-se escutar
em quanto portadores do Evangelho de Deus.
O dever de evangelizar 33. Toda
pessoa tem o direito de ouvir o Evangelho de Deus para o homem, que é Jesus Cristo.
Tal como a Samaritana no poço, também a humanidade de hoje tem necessidade de escutar
as palavras de Jesus «Se tu conhecesses o dom de Deus» (Gv 4, 10), para que estas
palavras façam emergir o desejo profundo de salvação que habita em cada homem: «Senhor,
dá-me desta água, para que não tenha mais sede». Este direito de cada homem a escutar
o Evangelho, é muito claro para o apóstolo Paulo. Pregador incansável, precisamente
porque intuiu o significado universal do Evangelho, faz do seu anúncio um dever: «Porque,
se eu anuncio o Evangelho, não é para mim motivo de glória, é antes uma obrigação
que me foi imposta: ai de mim, se eu não evangelizar!» (1Cor 9,16). Cada homem, cada
mulher, devem poder dizer, como ele, que «Cristo nos amou e se entregou a Deus por
nós» (Ef 5,2). Para além disso, cada homem e cada mulher devem ser capazes de se sentirem
atraídos para uma relação íntima e transfiguradora que o anúncio do Evangelho gera
entre nós e Cristo: «Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim. E a vida
que agora tenho na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus que me amou e a si mesmo se
entregou por mim» (Gal 2,20). E para poder aceder a uma semelhante experiência
é preciso que alguém seja enviado a anunciá-la: «Ora, como hão-de invocar aquele em
quem não acreditaram? E como hão-de acreditar naquele de quem não ouviram falar? E
como hão-de ouvir falar, sem alguém que o anuncie?» (Rm 10,14, que remete para Is
52,1). 34. Então compreende-se como toda actividade da Igreja tenha uma marca
evangelizadora essencial e nunca deva ser separada do compromisso de a todos ajudar
a encontrar Cristo na fé, que é o primeiro objectivo da evangelização. Onde, como
Igreja, «levamos aos homens somente conhecimento, habilidade, capacidades técnicas
e instrumentos, levamos muito pouco». O motivo originário da evangelização é o amor
de Cristo para a salvação eterna dos homens. Os evangelizadores autênticos desejam
apenas dar gratuitamente quanto eles mesmos receberam de graça: «Desde os começos
da Igreja, os discípulos de Cristo esforçaram-se por converter os homens a Cristo
Senhor, não com a coacção ou com artifícios indignos do Evangelho, mas primeiro que
tudo com a força da palavra de Deus». 35. A missão dos Apóstolos e a sua continuação
na missão da Igreja antiga permanecem o modelo fundamental da evangelização para todos
os tempos: uma missão geralmente afirmada pelo martírio, como demonstra o início da
história do cristianismo, mas também a história do século passado, a história dos
nossos dias. O martírio dá precisamente credibilidade aos testemunhos, que não procuram
poder ou lucro mas dão a própria vida por Cristo. Eles manifestam ao mundo a força
impotente e repleta de amor aos homens que é dada a quem segue Cristo até ao dom total
da própria existência, como Jesus tinha anunciado: «Se me perseguiram a mim, também
vos hão-de perseguir a vós (Gv 15,20). Todavia, não faltam, infelizmente, falsas
convicções que limitam a obrigação de anunciar a Boa Nova. De facto, verifica-se,
hoje «uma crescente confusão que induz muitos a deixar inaudível e inoperante o mandato
missionário do Senhor (cf. Mt 28, 19). Muitas vezes pensa-se que toda a tentativa
de convencer os outros em questões religiosas seja um limite posto à liberdade. Seria
lícito somente expor as próprias ideias e convidar as pessoas a agir segundo a consciência,
sem favorecer uma conversão a Cristo e à fé católica. Diz-se que basta ajudar os homens
a serem mais homens ou mais fiéis à própria religião, que basta construir comunidades
capazes de trabalhar pela justiça, a liberdade, a paz, a solidariedade. Além disso,
alguns defendem que não se deveria anunciar Cristo a quem não O conhece, nem favorecer
a adesão à Igreja, pois seria possível ser salvos mesmo sem um conhecimento explícito
de Cristo e sem uma incorporação formal na Igreja». 36. Embora os não cristãos
possam salvar-se mediante a graça que Deus dá através de caminhos por ele conhecidos,
a Igreja não pode ignorar que todo homem espera conhecer o verdadeiro rosto de Deus
e viver já hoje a amizade com Jesus Cristo, o Deus connosco. A plena adesão a Cristo,
que é a verdade, e a entrada na sua Igreja, não diminuem mas exaltam a liberdade humana
e conduzem-na para o seu cumprimento, num amor gratuito e atencioso para o bem de
todos os homens. É um dom inestimável viver no abraço universal dos amigos de Deus,
que vem da comunhão com a carne e o sangue vivificante do seu Filho, receber D’Ele
a certeza do perdão dos pecados e viver na caridade que nasce da fé. A Igreja quer
que todos participem destes bens para que tenham assim a plenitude da verdade e dos
meios de salvação, «para entrar na liberdade da glória dos filhos de Deus» (Rm 8,21).
A Igreja que anuncia e transmite a fé imita o próprio agir de Deus que se comunica
à humanidade dando o Filho, que infunde o Espírito Santo sobre os homens para os regenerar
como filhos de Deus.
Evangelização e renovação da Igreja 37. A Igreja como
evangelizadora vive esta sua missão recomeçando sempre por se evangelizar a si mesma.
«Comunidade de crentes, comunidade de esperança vivida e comunicada, comunidade de
amor fraterno, ela tem necessidade de ouvir sem cessar aquilo que ela deve acreditar,
as razões da sua esperança e o mandamento novo do amor. Povo de Deus imerso no mundo,
e não raro tentado pelos ídolos, ela precisa de ouvir, incessantemente, proclamar
as grandes obras de Deus, que a converteram para o Senhor; precisa sempre ser convocada
e reunida de novo por ele. Numa palavra, é o mesmo que dizer que ela tem sempre necessidade
de ser evangelizada, se quiser conservar frescor, alento e força para anunciar o Evangelho».
O Concílio Vaticano II retomou vigorosamente este tema da Igreja que se evangeliza
mediante uma conversão e um renovamento constante para evangelizar o mundo com credibilidade.
Ecoam ainda as actuais palavras do Papa Paulo VI que, reafirmando a prioridade da
evangelização, recordava a todos os fiéis: «não deixaria de ter a sua utilidade que
cada cristão e cada evangelizador aprofundasse na oração este pensamento: os homens
poderão salvar-se por outras vias, graças à misericórdia de Deus, se nós não lhes
anunciarmos o Evangelho; mas nós, poder-nos-emos salvar se, por negligência, por medo
ou por vergonha, aquilo que São Paulo chamava exactamente “envergonhar-se do Evangelho”,
ou por se seguirem ideias falsas, nos omitirmos de o anunciar?». Várias
respostas sugeriram a ideia de que esta pergunta se deveria tornar objecto explícito
da reflexão sinodal. 38. Desde a sua origem que a Igreja se confronta com semelhantes
dificuldades, com a experiência de pecado dos seus membros. A história dos discípulos
de Emaús é exemplo da possibilidade de um conhecimento destorcido de Cristo. Os dois
discípulos de Emaús falam de um morto, narram as suas frustrações e a sua perda de
esperança. Eles dizem a possibilidade, para a Igreja de todos os tempos, de um anúncio
que não dá vida, que mantém encerrado na morte o Cristo anunciado, os anunciadores
e os destinatários do anúncio. De igual modo, o episódio dos discípulos que estavam
pescar, referido pelo evangelista João, descreve uma experiência semelhante: separados
de Cristo, os discípulos vivem as suas acções de modo infrutífero. E, como os discípulos
de Emaús, é somente com a manifestação do Ressuscitado que regressa a confiança, a
alegria do anúncio, o fruto da própria obra de evangelização. Somente relacionando-se
intensamente com Cristo, ele que foi apelidado de «pescador de homens» (Lc 5,10),
Pedro, confiando na Palavra do Senhor, pôde voltar a lançar fecundamente as próprias
redes. 39. Aquilo que é narrado com tão grande cuidado nas origens, a Igreja o
revive constantemente na sua história. Tantas vezes acontece que, após um arrefecimento
da relação com o próprio Cristo, se deteriora a qualidade da fé vivida, e se sente
com menor força a experiência de participação na vida trinitária que esta relação
contém em si. Eis porque não se pode esquecer que o anúncio do Evangelho é uma questão
antes de tudo espiritual. A exigência de transmitir a fé, a qual não é um acto individualista
e solitário, mas um evento comunitário, eclesial, não deve provocar a procura de estratégias
comunicativas eficazes nem uma selecção dos destinatários – por exemplo os jovens
– mas deve ter em atenção o sujeito responsável por esta acção espiritual. Deve tornar-se
uma reflexão da Igreja sobre si mesma. Isto permite colocar o problema de modo não
extrínseco, mas põe em causa toda a Igreja, no seu ser e no seu viver. Mais de uma
Igreja particular pede ao Sínodo para verificar se hoje a infecundidade da evangelização,
da catequese nos tempos modernos, não será acima de tudo um problema eclesiológico
e espiritual. Reflecte-se sobre a capacidade da Igreja de se configurar como real
comunidade, como verdadeira fraternidade, como corpo e não como empresa. 40. Precisamente
para que a evangelização saiba conservar intacta a sua originária qualidade espiritual,
a Igreja deve deixar-se plasmar pela acção do Espírito e fazer-se conforme a Cristo
crucificado, o qual revela ao mondo o rosto do amor e da comunhão de Deus. Deste modo,
redescobre a sua vocação de Ecclesia mater que gera filhos para o Senhor, transmitindo
a fé, ensinando o amor que alimenta os filhos. Neste modo de viver a sua tarefa de
anunciar e de testemunhar esta Revelação de Deus, reunindo o seu povo da dispersão,
de tal modo que possa cumprir aquela profecia de Isaías que os Padres da Igreja interpretaram
como dirigida a ela: «Alarga o espaço da tua tenda, estende sem medo as lonas que
te abrigam, e estica as tuas cordas, fixa bem as tuas estacas, porque vais aumentar
por todos os lados. Os teus descendentes possuirão as nações, e povoarão cidades desertas»
(Is 54,2-3).
Segundo capítulo Tempo de nova evangelização
«Ide
pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura» (Mc 16,15)
41.
O mandato missionário que a Igreja recebeu do Senhor ressuscitado (Cf. Mc 16,15)
assumiu ao longo dos tempos formas e modalidades sempre novas, segundo os lugares,
as situações e os momentos históricos. Nos nossos dias, o anúncio do Evangelho aparece
muito mais complexo do que no passado, mas a tarefa confiada à Igreja permanece igual
à dos primeiros tempos. Não se tendo alterada a missão, é justo considerar que também
hoje podemos fazer nosso o entusiasmo e a coragem que moveu os Apóstolos e os primeiros
discípulos: o Espírito Santo que os impeliu a abrir as portas do cenáculo, constituindo-os
evangelizadores (Cf. Act 2,1-4), é o mesmo Espírito que hoje guia a Igreja e a impulsiona
a um renovado anúncio de esperança aos homens do nosso tempo. 42. O Concílio Vaticano
II recorda que «as comunidades em que a Igreja vive, não raras vezes e por variadas
causas mudam radicalmente, de maneira a poderem daí advir condições de todo novas».
Com olhar clarividente, os Padres conciliares viram no horizonte a mudança cultural
que hoje facilmente se constata. Precisamente esta mudança de situação, que criou
uma condição inesperada para os crentes, exige uma particular atenção ao anúncio do
Evangelho, para dar razão da nossa fé numa situação que, relativamente ao passado,
apresenta muitos traços de novidade e de problematicidade. 43. As transformações
sociais a que temos assistido nos últimos decénios têm causas complexas, com raízes
profundas desde há muito tempo e que modificaram profundamente a percepção do nosso
mundo. O lado positivo destas transformações está à vista de todos, valorizado como
um bem inestimável, que permitiu o desenvolvimento da cultura e o crescimento do homem
em muitos campos do saber. Todavia, estas transformações desencadearam processos de
revisão e de crítica dos valores e de alguns fundamentos do viver comum que têm afectado
profundamente a fé das pessoas. Como recorda o Papa Bento XVI, «se por um lado a humanidade
conheceu inegáveis benefícios por estas transformações e a Igreja recebeu ulteriores
estímulos para dizer a razão da sua esperança (cf. 1 Pe 3,15), por outro verificou-se
uma preocupante perda do sentido do sagrado, chegando até a pôr em questão aqueles
fundamentos que pareciam indiscutíveis, como a fé num Deus criador e providente, a
revelação de Jesus Cristo único salvador, e a comum compreensão das experiências fundamentais
do homem como nascer, morrer, viver numa família, a referência a uma lei moral natural.
Se tudo isto foi elogiado por alguns como uma libertação, depressa demo-nos conta
do deserto interior que nasce onde o homem, desejando ser o único artífice da sua
natureza e do seu destino, se encontra desprovido daquilo que constitui o fundamento
de tudo». 44. É necessário oferecer uma resposta a este momento particular de
crise, também da vida cristã; é preciso que a Igreja saiba encontrar neste peculiar
momento histórico um estímulo acrescido para dar razão da esperança que anuncia (cf.
1Pe 3,15). A expressão “nova evangelização” reclama a exigência de uma renovada modalidade
de anúncio, sobretudo para aqueles que vivem num contexto, como o actual, em que os
desenvolvimentos da secularização deixaram também traços substanciais em Países de
tradição cristã. Assim entendida, a ideia de nova evangelização, na procura até agora
em curso do seu significado, tem sido amadurecida dentro do contexto eclesial e implementada
em formas também muito diferenciadas. Ela tem sido considerada acima de tudo como
uma exigência, também como uma operação de discernimento e como um estímulo à Igreja
de hoje.
A pergunta sobre a “nova evangelização” 45. O que é a “nova evangelização”?
O Beato Papa João Paulo II, no primeiro discurso que terá dado notoriedade e ressonância
a esta expressão, dirigindo-se aos Bispos do continente latino-americano, define-a
assim: «A comemoração de meio milénio de evangelização terá o seu pleno significado
se for um empenho vosso como Bispos, em conjunto com o vosso Presbitério e aos vossos
fiéis; um empenho, não certamente de reevangelização, mas de uma nova evangelização.
Nova no seu ardor, nos seus métodos, nas suas expressões». Os interlocutores mudam
e o tempo também, e o Papa dirige-se à Igreja na Europa lançando-lhe um apelo muito
semelhante: «chegou a urgência e a necessidade da “nova evangelização”, cientes de
que a Europa, hoje, não deve simplesmente fazer apelo à sua precedente herança cristã:
é preciso, de facto, que seja posta em condições de decidir novamente do seu futuro
no encontro com a pessoa e a mensagem de Jesus Cristo». 46. Num primeiro momento,
a nova evangelização responde a um pergunta que a Igreja deve ter a coragem de se
colocar, para ousar um recomeço da sua vocação espiritual e missionária. É necessário
que as comunidades cristãs, marcadas pelos influxos que as actuais fortes mudanças
sociais e culturais estão a exercer nelas, encontrem as energias e os caminhos para
se voltarem a ancorar de modo sólido na presença do Ressuscitado que as anima a partir
de dentro. É preciso que se deixem guiar pelo seu Espírito, que voltem a experimentar
de modo renovado o dom da comunhão com o Pai que vivem em Jesus, e voltem a oferecer
aos homens esta sua experiência como o dom mais precioso que possuem. 47. As respostas
que chegaram ao texto dos Lineamenta correspondem a este diagnóstico do Papa João
Paulo II. Respondendo à pergunta específica – o que é a nova evangelização? – muitas
reflexões que nos chegaram recebidas concordam ao indicar que a nova evangelização
é a capacidade da Igreja em viver de modo renovado a própria experiência comunitária
de fé e de anúncio num contexto de novas situações culturais que despontaram nestes
últimos decénios. O fenómeno descrito é o mesmo no Norte e no Sul do mundo, no Ocidente
e no Oriente, nos Países em que a experiência cristã tem raízes milenares e nos Países
evangelizados há poucos séculos. Após o confluir de factores sociais e culturais –
que convencionalmente se designam com o termo “globalização” –, tiveram início processos
de enfraquecimento das tradições e das instituições. Eles eliminaram rapidamente os
laços sociais e culturais, a sua capacidade de comunicar valores e de dar respostas
às perguntas do sentido e da verdade. O resultado é uma notável perda de unidade da
cultura e da sua capacidade de aderir à fé e de viver com os valores por ela inspirados. 48.
Os sinais deste contexto sobre a experiência de fé e sobre as formas de vida eclesial
foram descritos em modo muito semelhante em todas as respostas: debilidade da vida
de fé das comunidades cristãs, redução do reconhecimento da autoridade do magistério,
privatização da pertença à Igreja, diminuição da prática religiosa, desempenho na
transmissão da própria fé às novas gerações. Estes sinais, redigidos em modo quase
unânime pelos vários episcopados, mostram que é toda a Igreja que se deve avaliar
neste ambiente cultural. 49. Neste quadro, a nova evangelização quer ressoar como
um apelo, como uma pergunta da Igreja a si mesma, para que concentre as próprias energias
espirituais e se empenhe neste novo ambiente cultural para ser propositiva: reconhecendo
também o bem que existe dentro destes novos cenários, dando nova vitalidade à própria
fé e ao seu empenho evangelizador. O adjectivo “nova” refere-se à transformação do
contexto cultural e remete para a necessidade da Igreja recuperar as energias, a vontade,
a frescura e o engenho no seu modo de viver a fé e de a transmitir. As respostas recebidas
mostraram que este apelo foi recebido de diferentes modos nas várias realidades eclesiais,
mas o sentimento geral é de preocupação. Elas dão a impressão que muitas comunidades
cristãs ainda não perceberam plenamente o alcance do desafio e a natureza da crise
gerado por este ambiente cultural também no interior da Igreja. A este respeito, espera-se
que o debate sinodal ajude a tomar consciência de modo maduro e aprofundado da seriedade
deste desafio com que nos estamos a avaliar. Mais profundamente se espera que continue
a reflexão sinodal sobre o fenómeno da secularização, sobre os influxos positivos
e negativos exercidos sobre o cristianismo, sobre os desafios que coloca à fé cristã.
50. De facto, nem todos os sinais são negativos. Sinal de esperança e dom do
Espírito Santo é para muitas Igrejas a presença de forças de renovamento. Trata-se
de comunidades cristãs, mais especificamente de grupos religiosos e de movimentos,
em muitos casos de instituições teológicas e culturais, que mostram com a sua acção
a possibilidade real de viver a fé cristã com o seu anúncio também no interior desta
cultura. Para estas experiências, aos tantos jovens que as animam com a sua frescura
e o seu entusiasmo, as Igrejas particulares olham com reconhecimento e com atenção.
Elas estão prontas a reconhecer o seu dom, incentivando para que este se torne também
património do restante povo cristão. Elas estão interessadas em acompanhar o crescimento
de experiências que têm como ponto forte a sua novidade mas também alguns dos seus
limites.
Os cenários da nova evangelização 51. Assumida como exigência,
a nova evangelização levou a Igreja a examinar o modo com o qual as comunidades cristãs
actualmente vivem e testemunham a sua fé. A nova evangelização fez-se assim discernimento,
ou capacidade de ler e de decifrar os novos cenários que, nestes últimos decénios,
se têm vindo a gerar na história dos homens, para transformá-los em lugares de anúncio
do Evangelho e de experiência eclesial. Uma vez mais, o magistério de João Paulo II
serviu de linha orientadora para uma primeira descrição destes cenários, aos quais
o texto dos Lineamenta se refere, e que viu partilhada e confirmada nas respostas
recebidas. Trata-se de cenários culturais, sociais, económicos, políticos, religiosos. 52.
Em primeiro lugar, antes de mais, deve ser indicado o cenário de fundo cultural.
Apresentado já nas grandes linhas no parágrafo precedente, deste cenário as várias
respostas sublinharam com enfâse a dinâmica secularizadora que o anima. Radicada de
modo particular no mundo ocidental, a secularização é fruto de episódios e movimentos
sociais e de pensamento que marcaram em profundidade a história e a identidade. Ela
apresenta-se hoje nas nossas culturas através da imagem positiva da libertação, da
possibilidade de imaginar a vida do mundo e da humanidade sem referência à transcendência.
Nos últimos anos não se verifica tanto a forma pública dos discursos directos e agressivos
contra Deus, a religião e o cristianismo, embora, em alguns momentos, esta tonalidade
anticristã, anti-religiosa e anticlerical também se tenha feito sentir recentemente.
Como testemunham muitas respostas, ela assumiu um tom bem mais débil que permitiu
a esta forma cultural de invadir a vida quotidiana das pessoas e de desenvolver uma
mentalidade em que Deus está verdadeiramente ausente, em tudo ou em parte, e a sua
própria existência depende da consciência humana. 53. Este tom de demissão, e
por isso mais atractivo e sedutor, permitiu à secularização entrar também nada vida
dos cristãos e das comunidades eclesiais, tornando-se não apenas um perigo externo
para os crentes mas um terreno de confronto quotidiano. As características do modo
secularizado de entender a vida confirmam o comportamento habitual de muitos cristãos.
A “morte de Deus” anunciada nos decénios passados por tantos intelectuais deu lugar
a uma estéril mentalidade hedonista e consumista, que conduz a formas muito superficiais
de afrontar a vida e as responsabilidades. O risco de perder também os elementos fundamentais
da fé é real. O influxo deste clima secularizado no quotidiano torna sempre mais difícil
a afirmação da existência de uma verdade. Assiste-se a uma recusa prática da questão
de Deus nas perguntas que o ser humano se coloca. As respostas à necessidade religiosa
assumem formas de espiritualidade individualista ou formas de neopaganismo, ao ponto
de se impor um ambiente geral de relativismo. 54. Este risco não deve, porém,
fazer perder de vista aquilo que de positivo o cristianismo aprendeu do confronto
com a secularização. O seculum em que convivem crentes e não crentes apresenta qualquer
coisa que os une: o humano. Precisamente este elemento do humano, que é a referência
natural da fé, pode tornar-se o lugar privilegiado da evangelização. É na humanidade
plena de Jesus de Nazaret que habita a plenitude da divindade (Cf. Col 2,9). Purificando
o humano a partir da humanidade de Jesus de Nazaret os cristãos podem encontrar-se
com os homens secularizados mas que, todavia, continuam a interrogar-se sobre aquilo
que é humanamente sério e verdadeiro. O confronto com estes que procuram a verdade
ajuda os cristãos a purificar e a maturar a sua fé. A luta interior destas pessoas
que procuram a verdade, embora não tendo ainda o dom de acreditar, é seguramente um
estímulo para que nos empenhemos no testemunho e na vida de fé, a fim de que a verdadeira
imagem de Deus se torne acessível a todo o homem. A este respeito emerge das respostas
o grande interesse suscitado pelo “Átrio dos gentios”. 55. A par deste primeiro
cenário cultural, foi indicado um segundo, mais social: o grande fenómeno migratório
que leva cada vez mais as pessoas a deixar os seus países de origem e a viver em contextos
urbanizados. Daí deriva um encontro e uma mistura de culturas. Estão a surgir formas
de erosão das referências fundamentais da vida, dos valores e das próprias relações
através dos quais os indivíduos estruturam as suas identidades e acedem ao sentido
da vida. Ligada à difusão da secularização, o êxito cultural destes processos é um
clima de estrema mobilidade, dentro do qual diminui o espaço para as grandes tradições,
inclusive religiosas. A este cenário social está ligado o chamado fenómeno da globalização,
realidade de não fácil explicação, que exige aos cristãos um enorme trabalho de discernimento.
Pode ser lida como um fenómeno negativo, se desta realidade prevalece uma interpretação
determinística, ligada somente à dimensão económica e produtiva. Pode, porém, ser
lida como um momento de crescimento, em que a humanidade aprende a desenvolver novas
formas solidárias e novas vias para partilhar o crescimento de todos no bem. 56.
Ao cenário migratório, as respostas aos Lineamenta associaram em modo estreito um
terceiro cenário, que está a marcar de modo cada vez mais determinante as nossas sociedades:
o cenário económico. Em grande parte por causa do fenómeno das migrações, o cenário
económico foi destacado pelas tensões e as formas de violência que a ele estão associadas,
seguido das desigualdades que provoca no interior das nações e também entre elas.
Em muitas respostas, provenientes não apenas dos Países em vias de desenvolvimento,
foi denunciado um claro e decisivo aumento do desfasamento entre ricos e obres. Inumeráveis
vezes, o Magistério dos Sumos Pontífices denunciou os crescentes desequilíbrios entre
Norte e Sul do mundo, no acesso e na distribuição dos recursos, como também na danificação
da criação. A permanência da crise económica, na qual nos encontrámos, assinala o
problema da utilização dos meios, tanto naturais como humanos. Das Igrejas, convidadas
a viver o ideal evangélico da pobreza, espera-se ainda muito em termos de sensibilização
e de acção concreta, mesmo se elas não encontram espaço suficiente nos media. 57.
Um quarto cenário é o da política. Desde o Concílio Vaticano II até hoje as mudanças
neste cenário podem ser propriamente definidas como epocais. Com a crise da ideologia
comunista, chegou ao fim a divisão do mundo ocidental em dois blocos. Isto favoreceu
a liberdade religiosa e a possibilidade de reorganização das Igrejas históricas. O
emergir na cena mundial de novos actores económicos, políticos e religiosos, como
o mundo islâmico, o mundo asiático, criou uma situação de domínio e de poder. Neste
cenário, as várias propostas sublinharam diversas prioridades: o empenho pela paz,
o desenvolvimento e a libertação dos povos; uma melhor regulamentação internacional
e interacção dos governos nacionais; a procura de formas possíveis de escuta, convivência,
diálogo e colaboração entre as diversas culturas e religiões; a defesa dos direitos
do homem e dos povos, sobretudo das minorias; a promoção dos mais débeis; a salvaguarda
da criação e o empenho pelo futuro do nosso planeta. Estes são temas que as diversas
Igrejas particulares aprenderam a sentir como seus, e como tais são salvaguardados
e promovidos na vida quotidiana das nossas comunidades. 58. Um quinto cenário
é o da investigação científica e tecnológica. Vivemos numa época que ainda não recuperou
da estupefacção suscitada pelos constantes alvos que a investigação nestes tempos
tem sido capaz de superar. Todos podemos experimentar no quotidiano os benefícios
causados por estes progressos. Todos estamos cada vez mais dependentes deles. Diante
de tantos aspectos positivos, existem igualmente perigos de excessivas esperanças
e manipulações. A ciência e a tecnologia correm assim o risco de se tornarem os novos
ídolos do presente. É fácil num contexto digital e globalizado fazer da ciência “a
nossa nova religião”. Estamos o perante o emergir de novas formas de gnose, que assumem
a técnica como forma de sabedoria, em vista de uma orientação mágica da vida que funcione
como saber e como sentido. Assistimos à afirmação dos novos cultos. Eles instrumentalizam
de modo terapêutico as práticas religiosas que os homens estão dispostos a viver,
estruturando-se como religiões da prosperidade e da gratificação instantânea.
As
novas fronteiras do cenário comunicativo 59. Unanimemente as respostas ao Lineamenta
analisaram um outro cenário, o sexto, o comunicativo, que hoje oferece enormes possibilidades
e representa um dos grandes desafios para a Igreja. Nos inícios era típico apenas
do mundo industrializado, hoje o cenário de um mundo globalizado é capaz de influenciar
também grandes sectores dos países em vias de desenvolvimento. Não há lugar no mundo
de hoje que não possa ser alcançado e, por isso, não estar sujeito à influência da
cultura mediática e digital, que progressivamente se estrutura como o “lugar” da vida
pública e da experiência social. Basta pensar no uso cada vez mais difundido da rede
informática. 60. As respostas referem a convicção generalizada que as novas tecnologias
digitais deram origem a um verdadeiro e próprio espaço social, cujos laços são capazes
de influir sobre a sociedade e sobre a cultura. Actuando na vida das pessoas, os processos
mediáticos tornados possíveis por estas tecnologias chegam a transformar a própria
realidade. Intervêm de modo incisivo na experiência das pessoas e permitem um alargamento
das potencialidades humanas. Da influência que eles exercem depende a percepção de
nós mesmos, dos outros e do mundo. Estas tecnologias e o espaço comunicativo por elas
desenvolvido são, por isso, valorizados positivamente, sem preconceitos, como meios,
embora com um olhar crítico e um uso sábio e responsável. 61. A Igreja soube entrar
nestes espaços e assumir estes meios desde o início como instrumentos úteis para o
anúncio do Evangelho. Hoje, a par dos meios de comunicação mais tradicionais, especialmente
como a imprensa e a rádio, que – de acordo com as respostas – conheceram nestes últimos
anos um discreto incremento, os novos media estão a servir cada vez mais à pastoral
evangelizadora da Igreja, tornando possíveis interacções a vários níveis, local, nacional,
continental, mundial. Percebem-se as potencialidades destes meios de comunicação antigos
e novos, verifica-se a necessidade de se usar o novo espaço social que se criou com
as linguagens e as formas da tradição cristã. Reclama-se a urgência de um discernimento
atento e partilhado para intuir melhor as potencialidades que isso oferece em vista
do anúncio do Evangelho, mas também para acolher de modo correcto os riscos e os perigos. 62.
A difusão desta cultura acarreta, de facto, consigo indubitáveis benefícios: maior
acesso às informações, maior possibilidade de conhecimento, de troca, de novas formas
de solidariedade, de capacidade promover uma cultura cada vez mais à escala mundial,
tornando os valores e os melhores desenvolvimentos do pensamento e da actividade humana
um património de todos. Estas potencialidades não eliminam, porém, os riscos que a
difusão excessiva de uma semelhante cultura já está a gerar. Manifesta-se uma profunda
atenção egocêntrica às necessidades individuais. Afirma-se uma exaltação emotiva das
relações e dos laços sociais. Assiste-se ao debilitamento e à perda do valor objectivo
das experiências profundamente humanas, tais como a reflexão e o silêncio; observa-se
uma excessiva afirmação do pensamento individual. Reduz-se progressivamente a ética
e a política a instrumentos de espectáculo. A situação extrema a que podem conduzir
estes riscos é à chamada cultura do efémero, do imediato, da aparência, ou uma sociedade
privada de memória e de futuro. Num semelhante contexto, é pedido aos cristãos a audácia
de frequentar estes “novos areópagos”, aprendendo a dar uma valorização evangélica,
encontrando os instrumentos e os métodos para tornar audível também nestes lugares
hodiernos o património educativo e de sapiência conservado pela tradição cristã.
As
mudanças do cenário religioso 63. As mudanças de cenário que analisámos até este
momento deveriam influenciar no modo como os homens exprimem o próprio sentido religioso.
As repostas aos Lineamenta sugerem que se acrescente como sétimo cenário o religioso.
Este permite também compreender de modo mais profundo o retorno do sentido religioso
e a exigência multiforme de espiritualidade que marca muitas culturas e em particular
as gerações mais jovens. De facto, se é verdade que o presente processo secularizador
gera consequentemente em muitas pessoas uma atrofia espiritual e um vazio do coração,
também é possível observar em muitas regiões do mundo os sinais de um consistente
renascimento religioso. A própria Igreja católica é afectada por este fenómeno, que
oferece recursos e ocasiões de evangelização inesperadas desde há alguns decénios. 64.
As respostas aos Lineamenta estão interessadas em afrontar o fenómeno e a lê-lo em
toda a sua complexidade. Elas reconhecem indubitáveis elementos positivos. Isso permite,
de facto, recuperar um elemento constitutivo da identidade humana, o religioso, superando
assim todos aqueles limites e aqueles empobrecimentos da concepção do homem reduzida
apenas ao plano horizontal. Este fenómeno favorece a experiência religiosa, devolvendo-lhe
aquela centralidade no modo de pensar os homens, a história, o sentido da própria
vida, a procura da verdade. 65. Em muitas respostas não se esconde, porém, a preocupação
ligada ao carácter em parte ingénuo e emotivo deste retorno do sentido religioso.
Mais do que à lenta e complexa maturação das pessoas na procura da verdade, este retorno
do sentido religioso conheceu, em mais do que um caso, os traços de uma experiência
religiosa pouco libertadora. Os aspectos positivos da redescoberta de Deus e do sacro
viram-se assim empobrecidos e obscurecidos por fenómenos do fundamentalismo que frequentemente
manipula a religião para justificar a violência e, em casos extremos e circunscritos,
até mesmo o terrorismo. 66. É este o quadro em que foi colocado por muitas respostas
o problema premente da proliferação daqueles novos grupos religiosos que assumem a
forma de seita. Aquilo que é declarado nos Lineamenta (a sua dominante emotiva e psicológica,
a promoção de uma religião do sucesso e da prosperidade) é confirmado e reproposto.
Além disso, algumas respostas, pedem que se vigie para que as comunidades cristãs
não se deixem influenciar por estas novas formas de experiência religiosa, confundindo
o estilo cristão do anúncio com a tentação de imitar os tons agressivos e proselitistas
destes grupos. É necessário, por outro lado, afirmam sempre as respostas, que as comunidades
cristãs se encarreguem do anúncio e do cuidado da própria fé, que a presença destes
grupos religiosos pode contribuir para tornar menos tépida e mais pronta para dar
sentido à vida dos indivíduos. 67. Neste contexto ganha ainda mais sentido o encontro
e o diálogo com as grandes tradições religiosas que a Igreja cultivou nos últimos
decénios, e continua a intensificar. Este encontro apresenta-se como uma ocasião promissora
para aprofundar o conhecimento da complexidade das formas e das linguagens da religiosidade
humana tal como se apresenta noutras experiencias religiosas. Um semelhante encontro
e diálogo permite ao catolicismo compreender com maior profundidade os modos com que
a fé cristã exprime a religiosidade do espírito humano. Ao mesmo tempo enriquece o
património religioso da humanidade com a singularidade da fé cristã.
Viver
como cristãos nestes cenários 68. Os cenários foram lidos por aquilo que são:
sinais de um mutamento presente que é reconhecido como o contexto no qual se desenvolvem
as nossas experiências eclesiais. Precisamente por isto, ele deve ser assumido e purificado,
num processo de discernimento, pelo encontro e confronto com a fé cristã. A avaliação
destes cenários permite fazer uma leitura crítica dos estilos de vida, do pensamento,
das linguagens propostas através deles. Esta leitura serve também como autocritica
que o cristianismo é chamado a fazer sobre si, para verificar como o seu estilo de
vida e a acção pastoral das comunidades cristãs têm estado realmente à altura da sua
missão, evitando o imobilismo mediante uma visão atenta. A reflexão sinodal poderá
prosseguir frutuosamente estes exercícios de discernimento, tal como dizem esperar
muitas Igrejas particulares. 69. Várias respostas aos Lineamenta procuram individuar
as razões do afastamento de numerosos fiéis da praxis cristã, uma verdadeira “apostasia
silenciosa”, pelo facto que a Igreja não teria respondido de modo adequado e convincente
aos desafios dos cenários descritos. Constatou-se, pois, o enfraquecimento da fé dos
crentes, a falta da participação pessoal e experiencial na transmissão da fé, o insuficiente
acompanhamento espiritual dos fiéis no seu itinerário formativo, intelectual e profissional.
Lamentou-se uma excessiva burocratização das estruturas eclesiásticas, que se mostram
distantes do homem comum e das suas preocupações existenciais. Tudo isto causou um
reduzido dinamismo das comunidades eclesiais, a perda do entusiasmo das origens, a
diminuição do movimento missionário. Não faltam aqueles que lamentam celebrações litúrgicas
formais e ritos repetidos quase por hábito, privados da profunda experiência espiritual,
que, invés de atrair, afastam as pessoas. Para além do contratestemunho de alguns
dos seus membros (infidelidade à vocação, escândalos, pouca sensibilidade pelos problemas
do homem contemporâneo e do mundo actual), não é de transcurar, todavia, o «mysterium
iniquitatis» (2 Ts 2,7), a luta do Dragão contra o resto da descendência da Mulher,
«contra o resto da sua descendência, isto é, os que observam os mandamentos de Deus
e guardam o testemunho de Jesus» (Ap 12,7). Para uma valorização objectiva é necessário
ter sempre presente o mistério da liberdade humana, dom de Deus que o homem pode adoptar
também de modo errado, rebelando-se contra Deus e voltando-se contra a sua Igreja. A
nova evangelização deveria procurar orientar a liberdade das pessoas, homens e mulheres,
para Deus, fonte da bondade, da verdade e da beleza. O renovamento da fé deveria fazer
superar os obstáculos mencionados que se opõem a uma vida cristã autêntica, segundo
a vontade de Deus, expressa no mandamento do amor a Deus e ao próximo (cf. Mc 12,33). 70.
Para além destas denúncias, as respostas aos Lineamenta também souberam evidenciar
bem os indubitáveis sucessos que derivaram da experiência cristã com o advento destes
cenários. Por exemplo, mais de uma resposta assinalou como efeito positivo do processo
migratório actual o encontro e a troca de dons entre as Igrejas particulares, com
a possibilidade de receber energia e vitalidade da fé das comunidades cristãs imigradas.
No contacto com os não-cristãos, as comunidades cristãs puderam, pois, aprender que
hoje a missão não é mais um movimento Norte-Sul ou Oeste-Este, porque é preciso desvincular-se
dos limites geográficos. Hoje a missão está presente nos cinco continentes. É preciso
reconhecer que também nos países de antiga evangelização existem sectores e ambientes
estranhos à fé porque neles os homens nunca a encontraram, e não apenas porque se
afastaram. Desvincular-se dos limites geográficos significa ter a capacidade para
colocar a questão de Deus em todos aqueles processos de encontro, mistura, reconstrução
das relações sociais que estão em curso por toda a parte. A Assembleia sinodal poderia
ser o lugar para uma troca profícua sobre estas experiências. 71. Também o cenário
económico, com as suas mudanças, foi reconhecido como um lugar propício para testemunhar
a nossa fé. Muitas respostas descreveram as acções das comunidades cristãs em favor
dos pobres, acções que têm raízes antiquíssimas e conhece frutos também prometedores.
Neste momento de crise económica grave e difusa, foi assinalado por muitos o incremento
desta acção por parte das comunidades cristãs, com o nascimento de novas instituições
dedicadas ao sustento dos pobres, e sobre o desenvolvimento de uma sensibilidade maior
no interior da Igreja particular. Algumas respostas pediram para realçar a caridade
como instrumento de nova evangelização: a dedicação e a solidariedade para com os
mais pobres vividas por muitas comunidades, a sua caridade, o seu estilo de vida sóbrio
num mundo que, contrariamente, exalta o consumo e o ter, são verdadeiramente um válido
instrumento para a anunciar o Evangelho e testemunhar a nossa fé. 72. Particular
ressonância teve o cenário religioso. Em primeiro lugar ele diz respeito ao diálogo
ecuménico. As respostas aos Lineamenta sublinham diversas vezes como os diversos contextos
de mudança favoreceram o desenvolvimento de maior confronto ecuménico. Também com
muito realismo, reportando a momentos de dificuldade e situações de tensão que se
procura com paciência e determinação escolher, a novidade dos cenários dentro dos
quais somos chamados a viver como cristãos a nossa fé e a anunciar o Evangelho colocou
ainda em evidência a necessidade de uma unidade efectiva entre os cristãos. Esta não
deve ser confundida com a simples cordialidade das relações ou com a cooperação em
algum projecto comum, mas muito mais como um anelo a deixar-se transformar pelo Espírito
para que possamos sempre cada vez mais conformarmo-nos à imagem de Cristo. Esta unidade
espiritual é acima de tudo suplicada na oração antes de a realizar nas obras. A conversão
e o renovamento da Igreja, à qual a crise hodierna nos chama, não pode deixar de ter
esta temática ecuménica: significa que precisa de sustentar convictamente o esforço
de ver todos os cristãos unidos para mostrar ao mundo a força profética e transformadora
da mensagem evangélica. O trabalho é ingente e só poderemos responder com os esforços
partilhados, guiados pelo Espírito Santo de Jesus Cristo ressuscitado. Acima de tudo,
o Senhor deixou-nos como mandamento a sua oração: «Para que todos sejam um só» (Gv
17,21). 73. O cenário religioso, em segundo lugar, diz respeito ao diálogo interreligioso
que hoje se impõe, ainda que de diversos modos, em todo o mundo. Isso favoreceu estímulos
muito positivos: os Países de antiga tradição cristã lêem a expansão da presença de
grandes religiões, em particular do Islão, como estimulo dado a desenvolver novas
formas de presença, de visibilidade e de proposta da fé cristã; de modo mais geral
o contexto inter-religioso e o confronto com as grandes religiões do oriente é saudado
como uma ocasião oferecida às nossas comunidades cristãs para aprofundar a compreensão
da nossa fé, graças às questões que um tal confronto suscita em nós, às interrogações
sobre o caminho da história humana e à presença de Deus neste caminho. É uma ocasião
para afinar os instrumentos do diálogo e os espaços dentro dos quais se colabora para
o desenvolvimento de experiências de paz para uma sociedade cada mais humana. 74.
Bem diferente é a situação daquelas Igrejas que se encontram em minoria: aonde há
a liberdade de professar a própria fé e de viver a própria religião, o estado de minoria
é considerado uma forma interessante que permite ao cristianismo de conhecer outras
modalidades e outros modos de presença no mundo e de realizar a sua transformação.
Onde, por sua vez, à experiência de menoridade se acrescenta um contexto de perseguição,
a experiência de evangelização está associada à experiência de Jesus, à sua fidelidade
até à cruz. E na situação vivida reconhece-se o dom de recordar a toda Igreja a relação
entre evangelização e cruz que, aos olhos destas Igrejas, não deve correr o risco
de não ser tomada em consideração. Precisamente estas Igrejas recordam-nos que não
é exaustivo avaliar a evangelização segundo os parâmetros quantitativos do sucesso. 75.
Nesta tarefa de renovação a que somos chamados são de grande ajuda as Igrejas Católicas
Orientais e todas as comunidades cristãs que no seu passado viveram ou estão ainda
a viver a experiência de clandestinidade, da marginalização, da perseguição, da intolerância
de natureza ética, ideológica e religiosa. O seu testemunho de fé, a sua tenacidade,
a sua capacidade de resistência, a solidez da sua esperança, a intuição de algumas
práticas pastorais são um dom para partilhar com aquelas comunidades cristãs que,
embora tendo na sua história momentos gloriosos, vivem um presente de cansaço e de
dispersão. Para Igrejas pouco habituadas a viver a sua fé em situação de menoridade
é certamente um dom poder escutar experiências que infundem nelas aquela confiança
indispensável ao impulso que exige a nova evangelização. Mais ainda, é um dom iminentemente
espiritual acolher todos aqueles que tiveram de deixar a própria terra por motivos
de perseguição, e, portanto, levam no seu espírito a riqueza incalculável dos sinais
do martírio vivido em primeira pessoa.
Missio ad gentes, cuidado pastoral,
nova evangelização 76. O discernimento que a nova evangelização inspirou mostra-nos
que a missão evangelizadora da Igreja está em profunda transformação. As figuras tradicionais
e consolidadas – que convencionalmente são indicadas com os termos “Países de antiga
tradição cristã” e “terras de missão” – mostram agora os seus limites. São demasiado
simples e fazem referência a um contexto já superado para poder oferecer modelos úteis
para as comunidades cristãs de hoje. Como afirmava já com lucidez o Papa João Paulo
II, «os confins entre o cuidado pastoral dos fieis, a nova evangelização e a actividade
missionária específica não são facilmente identificáveis, e não se deve pensar em
criar entre esses âmbitos barreiras ou compartimentos estanques. […] As Igrejas de
antiga tradição cristã, por exemplo, preocupadas com a dramática tarefa da nova evangelização,
estão mais conscientes de que não podem ser missionárias dos não cristãos de outros
países e continentes, se não se preocuparem seriamente com os não cristãos da própria
casa: a actividade missionária ad intra é sinal de autenticidade e de estímulo para
realizar a outra ad extra, e vice-versa». 77. Embora com acentuações e diferenças
relacionadas com a diversidade de cultura e de história, as respostas aos Lineamenta
mostram que foi bem assimilado este carácter peculiar da nova evangelização: não se
trata de um novo modelo de acção pastoral, que substitui simplesmente outras formas
de acção (a primeira evangelização, o cuidado pastoral), mas antes um processo de
relançamento da missão fundamental da Igreja. Ela, interrogando-se sob o modo de viver
a evangelização hoje, não se dispensa de se avaliar a si mesma e a qualidade da evangelização
das suas comunidades. A nova evangelização compromete todos os sujeitos eclesiais
(indivíduos, comunidade, paróquias, dioceses, Conferências Episcopais, movimentos,
grupos e outras realidades eclesiais, religiosos e pessoas consagradas) a uma verificação
da vida eclesial e da acção pastoral, assumindo como ponto de análise a qualidade
da própria vida de fé, e a sua capacidade de ser instrumento de anúncio, segundo o
Evangelho. 78. Integrando as várias respostas, poderemos dizer que esta verificação
se concretizou em três exigências: a capacidade de discernir, isto é a capacidade
de se centrar no presente, convicta que também neste tempo é possível anunciar o Evangelho
e viver a fé cristã; a capacidade de viver formas de adesão radical e genuína à fé
cristã, capazes de testemunhar, já com a sua simples existência, a força transformadora
de Deus na nossa história; uma clara e explícita relação com a Igreja, capaz de tornar
visível o carácter missionário e apostólico. Estas perguntas são apresentadas à Assembleia
sinodal, para que, trabalhando sobre elas, ajude a Igreja a viver aquele caminho de
conversão a que a nova evangelização a está chamar. 79. Muitas Igrejas particulares,
no momento de receber o texto dos Lineamenta, encontram-se já empenhadas numa acção
de verificação e de relançamento da sua pastoral a partir destas exigências. Algumas
projectaram esta acção com a finalidade da renovação missionária, outras com a da
conversão pastoral. É convicção unânime que aqui reside o coração da nova evangelização,
vista como um acto de renovada assunção, por parte da Igreja, do mandado missionário
do Senhor Jesus Cristo, que a quis e a enviou para o mundo para que se deixe guiar
pelo Espírito Santo para testemunhar a salvação recebida e para anunciar o rosto de
Deus Pai, primeiro artífice desta obra de salvação.
Transformações da paróquia
e nova evangelização 80. Muitas respostas recebidas descrevem uma Igreja empenhada
num intenso trabalho de transformação da sua presença entre as pessoas e no seio da
sociedade. As Igrejas mais jovens trabalham para dar vida a paróquias muito extensas,
animando-as internamente com o instrumento que, segundo os contextos geográficos e
eclesiais, assume o nome de “comunidades eclesiais de base” ou de “pequenas comunidades
cristãs”. Elas afirmam o propósito de favorecer lugares de vida cristã, sobretudo
na dispersão das grandes metrópoles, capazes de animar melhor a fé de quem pertence
a elas e de irradiar com o seu testemunho o espaço social. As Igrejas com raízes mais
antigas trabalham na revisão dos seus programas paroquiais, geridos sempre com maior
dificuldade, em consequência da diminuição do clero e da prática cristã. A intenção
declarada é para evitar que semelhantes operações se transformem em procedimentos
administrativos e burocráticos e tenham um efeito não desejado: que as Igrejas particulares,
já demasiado ocupadas por estes problemas de carácter de gestão, acabem por se fechar
em si mesmas. A este respeito mais de uma experiência refere a figura das “unidades
pastorais”, como um meio para conjugar a revisão do programa paroquial e o estabelecimento
de uma cooperação para uma Igreja particular mais comunitária. 81. A nova evangelização
é o chamamento da Igreja à sua originária finalidade missionária. Semelhantes acções
podem, por isso, como afirmam muitas respostas, adoptar a nova evangelização para
dar às reformas em curso um sentido menos voltado para o interior das comunidades
cristãs e mais empenhada no anúncio da fé a todos. Neste sentido, espera-se muito
das paróquias, tidas como a mais capilar porta de acesso à fé cristã e às experiências
eclesiais. Para além de serem o lugar da pastoral ordinária, das celebrações litúrgicas,
da administração dos sacramentos, da catequese e do catecumenato, elas têm a missão
de se tornarem verdadeiros centros de irradiação e de testemunho da experiência cristã,
sentinelas capazes de escutar as pessoas e as suas necessidades. Elas são lugares
em que se educa para a procura da verdade, se nutre e reforça a própria fé, pontos
de comunicação da mensagem cristã, do projecto de Deus sobre o homem e sobre o mundo,
primeiras comunidades em que se experimenta a alegria de sermos reunidos pelo Espírito
e preparados para viver o mandato missionário. 82. As energias a serem empregues
nesta operação não faltam: todas as respostas indicam como primeiro grande recurso
o número de leigos baptizados, que estão empenhados e prosseguem firmemente o seu
serviço voluntário nesta tarefa de animação das comunidades paroquiais. Muitos reconhecem,
no florir desta vocação laical, um dos frutos do Concílio Vaticano II, a par de outros
recursos: as comunidades de vida consagrada; a presença de grupos e movimentos que
com o seu fervor, as suas energias e, sobretudo, com a sua fé dão um forte impulso
à vida nova nos espaços eclesiais; os santuários que, com a devoção, são pontos de
referência para a fé nas Igrejas particulares. 83. Com estas indicações precisas
e ricas de esperança, as respostas aos Lineamenta mostram que a perspectiva assumida
é a de um lento mas eficaz trabalho de revisão do modo de ser Igreja no meio das pessoas,
que evite os obstáculos do sectarismo e da “religião civil”, e permita manter a forma
de uma Igreja missionária. Por outras palavras, a Igreja precisa de não perder o rosto
de Igreja “doméstica, popular”. Mesmo em contextos de minoria ou de discriminação,
a Igreja não deve perder a sua prerrogativa de manter-se próxima da vida quotidiana
das pessoas, de modo a anunciar, a partir daquele lugar, a mensagem vivificante do
Evangelho. Como afirmava João Paulo II, a nova evangelização significa refazer o tecido
cristão da sociedade humana, reconstruindo o tecido das mesmas comunidades cristãs;
implica ajudar a Igreja a continuar a estar presente “no meio das casas dos seus filhos
e das suas filhas”, para animar a sua vida e encaminhá-la para o Reino que vem. 84.
Uma outra reflexão deve ser feita sobre a questão da falta de clero: todos os textos
lamentam a insuficiência numérica do clero, que consequentemente não consegue assumir
de modo sereno e eficaz a gestão desta transformação do modo de ser Igreja. Algumas
respostas desenvolvem uma análise detalhada do problema, lendo esta crise em paralelo
à análoga crise do matrimónio e das famílias cristãs. Em muitas respostas afirma-se
a necessidade de pensar uma organização local da Igreja que integre sempre mais, a
par da figura dos presbíteros, figuras laicais na animação das comunidades. Várias
respostas, sobre problemáticas semelhantes, esperam do debate sinodal palavras clarificadoras
e perspectivas para o futuro. Quase todas as respostas contêm, por fim, um convite
a activar em toda a Igreja uma forte pastoral vocacional, que parta da oração, responsabilize
todos os sacerdotes e consagrados, solicitando-lhes um estilo que saiba testemunhar
o fascínio do chamamento recebido, saiba individuar modos de falar aos jovens. Isto
refere-se também às vocações à vida consagrada, especialmente as femininas. Algumas
respostas também sublinharam a importância de uma formação adequada nos seminários
e noviciados, bem como nos centros académicos, tendo em vista a nova evangelização.
Uma
definição e o seu significado 85. A convocação da Assembleia sinodal e, imediatamente
depois, a criação do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização constituem
uma etapa ulterior no processo de aperfeiçoamento do significado atribuído a este
termo. Dirigindo-se a este Pontifício Conselho, o Papa Bento XVI precisa assim o conteúdo
do termo “nova evangelização”: “assumindo a preocupação dos meus venerados Predecessores,
considero oportuno oferecer respostas adequadas a fim de que a Igreja inteira, deixando-se
regenerar pela força do Espírito Santo, se apresente ao mundo contemporâneo com um
impulso missionário capaz de promover uma nova evangelização. Ela refere-se principalmente
às Igrejas de antiga fundação [...]: não é difícil compreender que aquilo de que têm
necessidade todas as Igrejas que vivem em territórios tradicionalmente cristãos é
um renovado impulso missionário, expressão de uma nova e generosa abertura ao dom
da graça”. Entretanto, na esteira da Redemptoris missio, também a Congregação para
a Doutrina da Fé interveio para determinar o sentido do conceito de nova evangelização,
com a definição – “num sentido próprio é a missio ad gentes dirigida àqueles que não
conhecem Cristo. Num sentido mais lato fala-se de «evangelização», relativo ao aspecto
ordinário da pastoral, e de «nova evangelização», relativo àqueles que deixaram a
praxis cristã” – recuperada depois pela Exortação Apostólica Pós-Sinodal Africae munus. 86.
A partir destes textos, vemos que o espaço geográfico onde se desenvolve a nova evangelização
refere-se primariamente, sem ser exclusivo, ao Ocidente cristão. Do mesmo modo, os
destinatários da nova evangelização estão suficientemente identificados: trata-se
daqueles baptizados das nossas comunidades que vivem uma nova situação existencial
e cultural, na qual a sua fé e o seu testemunho estão comprometidos. A nova evangelização
consiste em imaginar situações, espaços de vida, acções pastorais que permitam a estas
pessoas saírem do “deserto interior”, imagem utilizada pelo Papa Bento XVI para representar
a actual condição humana, refém de um mundo que praticamente eliminou a questão de
Deus do próprio horizonte. Ter a coragem de trazer a questão de Deus para este mundo;
ter a coragem de dar novamente qualidade e motivos à fé de muitas das nossas Igrejas
de antiga fundação, é esta a tarefa específica da nova evangelização. 87. Todavia,
uma tal definição tem valor de exemplaridade mais do que exaustividade. Assume o Ocidente
como lugar exemplar, e não como o único objectivo da inteira actividade da nova evangelização.
Serve para nos ajudar a compreender a profunda tarefa da nova evangelização, que não
pode ser reduzida a um simples exercício de actualização de algumas práticas pastorais,
mas, pelo contrário, reclama o desenvolvimento de uma compreensão muito séria e profunda
das causas que levaram o Ocidente cristão a encontrar-se numa semelhante situação. Mas,
a urgência da nova evangelização não pode ser reduzida a estas situações. Como afirma
o Papa Bento XVI, dirigindo-se à Igreja africana, “não são raras, mesmo na África,
as situações que requerem uma nova apresentação do Evangelho, «nova no seu entusiasmo,
nos seus métodos e nas suas expressões». [...] A nova evangelização é uma tarefa urgente
para os cristãos na África, porque também eles devem reavivar o seu entusiasmo de
pertencer à Igreja. Sob a inspiração do Espírito do Senhor ressuscitado, são chamados
a viver, a nível pessoal, familiar e social, a Boa Nova e a anunciá-la, com renovado
zelo, às pessoas vizinhas e distantes, empregando para a sua difusão os novos métodos
que Providência divina põe à nossa disposição”. Afirmações semelhantes, naturalmente
aplicadas de acordo com as situações particulares, valem para os cristãos na América,
na Ásia, na Europa e na Oceânia, continentes onde a Igreja, desde há muito tempo,
está empenhada na promoção da nova evangelização. 88. A nova evangelização é o
nome que se dá a esta renovação espiritual, a este início de um movimento de conversão
que a Igreja pede a si mesma, a todas as suas comunidades, a todos os seus baptizados.
Assim, é uma realidade que não diz respeito apenas a determinadas regiões bem definidas,
mas é a estrada que permite explicar e colocar em prática a herança apostólica para
o nosso tempo. Com a nova evangelização, a Igreja deseja introduzir no mundo de hoje,
e na hodierna discussão, a sua temática mais originária e específica: ser o lugar
onde já se faz a experiência de Deus, onde, sob a orientação do Espírito do Ressuscitado,
deixamo-nos transfigurar pelo dom da fé. O Evangelho é sempre o novo anúncio da salvação
operada por Cristo, para tornar a humanidade participante do mistério de Deus e da
sua vida de amor e abri-la a um futuro de esperança confiável e forte. Sublinhar que,
neste momento da História, a Igreja é chamada a realizar uma nova evangelização significa
intensificar a acção missionária para corresponder plenamente ao mandato do Senhor. 89.
Não existe nenhuma situação eclesial que se possa sentir-se excluída de um semelhante
programa: as antigas Igrejas cristãs, antes de mais, com o problema do abandono da
fé por parte de muitos. Tal fenómeno, embora em menor escala, regista-se também nas
novas Igrejas, sobretudo nas grandes cidades e em alguns sectores que têm um influxo
cultural e social determinantes. As novas metrópoles que estão a surgir e a crescer
rapidamente, sobretudo nos países em vias de desenvolvimento, são um grande desafio
social e cultural e, seguramente, um terreno propício para a nova evangelização. A
nova evangelização, portanto, diz respeito também às jovens Igrejas, empenhadas em
experiências de inculturação e que necessitam de contínuas verificações para conseguirem
introduzir o Evangelho, o qual purifica e eleva aquelas culturas e, sobretudo, abre-as
à sua novidade. De um modo mais abrangente, todas as comunidades cristãs têm necessidade
de uma nova evangelização, porque estão empenhadas no exercício de uma cura pastoral
que parece cada vez mais difícil de gerir e que corre o risco de transformar-se numa
actividade repetitiva, pouco capaz de comunicar as razões pelas quais nasceu.
Terceiro
capítulo Transmitir a fé
“Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união
fraterna, à fracção do pão e às orações. [...]Como se tivessem uma só alma, frequentavam
diariamente o templo, partiam o pão em suas casas e tomavam o alimento com alegria
e simplicidade de coração. 47Louvavam a Deus e tinham a simpatia de todo
o povo. E o Senhor aumentava, todos os dias, o número dos que tinham entrado no caminho
da salvação” (Act 2, 42. 46-47).
90. O objectivo da nova evangelização é a
transmissão da fé, como indica o tema da Assembleia sinodal. As palavras do concílio
Vaticano II recordam-nos que se trata de uma dinâmica muito complexa, que envolve
totalmente a fé dos cristãos e a vida da Igreja na experiência da revelação de Deus:
“Deus dispôs amorosamente que permanecesse integro e fosse transmitido a todas as
gerações tudo quanto tinha revelado para salvação de todos os povos”; “A sagrada Tradição
e a Sagrada Escritura constituem um só depósito sagrado da palavra de Deus, confiado
à Igreja; aderindo a este, todo o Povo santo persevera unido aos seus pastores na
doutrina dos Apóstolos e na comunhão, na fracção do pão e na oração (cf. Act 2, 42
gr.), de tal modo que, na conservação, actuação e profissão da fé transmitida, haja
uma especial concordância dos pastores e dos fiéis”. 91. Como lemos nos Actos
dos Apóstolos, não se pode transmitir aquilo em que não se crê e não se vive. Não
se pode transmitir o Evangelho sem ter como substracto uma vida modelada pelo Evangelho
e que encontra no Evangelho o seu sentido, a sua verdade e o seu futuro. Tal como
para os Apóstolos, também para nós é a comunhão vivida com o Pai, em Jesus Cristo,
graças ao seu Espírito, que hoje nos transfigura e nos torna capazes de irradiar a
fé que vivemos e suscitar a resposta naqueles a quem o Espírito já preparou com a
sua visita e a sua acção (cf. Act 16, 14). Para proclamar fecundamente a Palavra do
Evangelho, é requerida a profunda comunhão entre os filhos de Deus, sinal distintivo
e anunciador, como nos recorda o apóstolo João: “Dou-vos um novo mandamento: que vos
ameis uns aos outros; que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei. Por isto
é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (Jo
13, 34-35). 92. Uma semelhante tarefa de anúncio e de proclamação não está reservada
apenas a alguns, a poucos eleitos. É um dom oferecido a todo o homem que responde
ao chamamento da fé. A transmissão da fé não é uma acção reservada a um indivíduo
singular deputado propositadamente para o efeito. É tarefa de todo o cristão e de
toda a Igreja, que nesta acção redescobre continuamente a sua própria identidade de
povo reunido pelo chamamento do Espírito, para viver a presença de Cristo entre nós,
e descobrir, deste modo, o verdadeiro rosto de Deus, que é nosso Pai. A transmissão
da fé, que é acção fundamental da Igreja, leva as comunidades cristãs a articularem
com precisão as obras fundamentais da vida de fé: caridade, testemunho, anúncio, celebração,
escuta, partilha. É preciso conceber a evangelização como o processo, através do qual,
a Igreja, animada pelo Espírito, anuncia e difunde o Evangelho em todo o mundo; animada
pela caridade, permeia e transforma toda a ordem temporal, assumindo e renovando as
culturas. Proclama explicitamente o Evangelho, chamando à conversão. Mediante a catequese
e os sacramentos da iniciação, acompanha aqueles que se convertem a Jesus Cristo,
ou então aqueles que retomam o caminho do Seu seguimento, incorporando-os e reconduzindo-os
à comunidade cristã. Alimenta constantemente o dom da comunhão entre os fiéis mediante
a doutrina da fé, os sacramentos e o exercício da caridade. Suscita continuamente
a missão, enviando todos os discípulos de Cristo a anunciar o Evangelho, com palavras
e obras, em todo o mundo. A Igreja, na sua tarefa de discernimento necessário à nova
evangelização, descobre que, em muitas comunidades, a transmissão da fé necessita
de um novo vigor.
O primado da fé 93. A proclamação do Ano da Fé, realizada
por Papa Bento XVI, recorda a análoga decisão de Paulo VI, em 1967, fazendo das suas
motivações as mesmas de então. O objectivo daquela iniciativa era encorajar em toda
a Igreja um autêntico entusiasmo em professar o Credo. Uma profissão que fosse “individual
e colectiva, livre e consciente, interior e exterior, humilde e franca”. Bem consciente
das graves dificuldades do seu tempo, sobretudo referente à profissão da verdadeira
fé e à sua recta interpretação, o Papa Paulo VI pensava que, desse modo, a Igreja
pudesse acolher um forte impulso a uma renovação profunda, interior e missionária. 94.
O Papa Bento XVI caminha na mesma perspectiva, ao pedir que o Ano da Fé sirva para
confirmar que os conteúdos essenciais, que desde há séculos constituem o património
de todos os crentes, têm necessidade de serem confirmados e aprofundados de um modo
sempre renovado, com o intuito de dar-nos testemunhos coerentes em condições históricas
diferentes daquelas do passado. Existe o risco que a fé, a qual introduz à vida de
comunhão com Deus e permite o ingresso na Sua Igreja, não mais seja entendida no seu
sentido profundo, não seja assumida e vivida pelos cristãos como o instrumento que
transforma a vida, com o grande dom da filiação de Deus na comunhão eclesial. 95.
As respostas aos Lineamenta confirmam a seriedade de tal risco e lamentam as dificuldades
de tantas comunidades na educação a uma fé adulta. Não obstante os esforços realizados
nestes decénios, mais do que uma resposta dá a impressão que esta tarefa de educar
a uma fé adulta está ainda no início. Os principais obstáculos à transmissão da fé
são semelhantes um pouco por todo o lado. Trata-se de obstáculos internos à Igreja,
à vida cristã: uma fé vivida em modo privado e passivo; o não sentir a necessidade
de uma educação da própria fé; uma separação entre a fé e a vida. Das respostas recebidas,
é possível redigir também um elenco dos obstáculos que, vindos de fora da vida cristã,
em particular na cultura, tornam a vida de fé, e a sua transmissão, precária e difícil:
o consumismo e o hedonismo; o niilismo cultural; o fechamento à transcendência que
elimina qualquer necessidade de salvação. A reflexão sinodal poderá regressar a estes
diagnósticos para ajudar as comunidades cristãs a encontrarem os remédios adequados
para estes males. 96. Todavia, notam-se também sinais de um futuro melhor, que
possibilitam entrever um renascer da fé. A existência de iniciativas de sensibilização
e de formação nas Igrejas particulares, como também o exemplo de comunidades de vida
consagrada e de grupos e movimentos, são descritos nas respostas como o caminho que
permite devolver à fé aquele primado que as espera. Esta transformação tem como
primeiro efeito benéfico um aumento da qualidade da vida cristã da própria comunidade
e uma maturação dos indivíduos que dela fazem parte. Considerar a própria fé como
experiência de Deus e centro da nossa vida, é o objectivo que muitas Igrejas particulares
ligam à celebração do Sínodo sobre a nova evangelização para a transformação da vida
quotidiana.
A Igreja transmite a fé que ela mesma vive 97. O melhor lugar
para a transmissão da fé é uma comunidade nutrida e transformada pela vida litúrgica
e pela oração. Existe uma relação intrínseca entre a fé e a liturgia: “lex orandi
lex credendi”. “Sem a liturgia e os sacramentos, a profissão de fé não seria eficaz,
porque faltaria a graça que sustenta o testemunho dos cristãos”. “A Liturgia, pela
qual, especialmente no sacrifício eucarístico, se opera o fruto da nossa Redenção,
contribui em sumo grau para que os fiéis exprimam na vida e manifestem aos outros
o mistério de Cristo e a autêntica natureza da verdadeira Igreja. [...] Por isso,
assim como Cristo foi enviado pelo Pai, assim também Ele enviou os Apóstolos, cheios
do Espírito Santo, não só para que, pregando o Evangelho a toda a criatura, anunciassem
que o Filho de Deus, pela sua morte e ressurreição, nos libertara do poder de Satanás
e da morte e nos introduzira no Reino do Pai, mas também para que realizassem a obra
de salvação que anunciavam, mediante o sacrifício e os sacramentos, à volta dos quais
gira toda a vida litúrgica”. A este respeito, as respostas aos Lineamenta mostraram
todos os esforços realizados para ajudar as comunidades cristãs a viverem a natureza
profunda da liturgia. Nas comunidades cristãs, a liturgia e a vida de oração transformam
um simples grupo humano numa comunidade que celebra e transmite a fé trinitária em
Deus Pai e Filho e Espírito Santo. As duas anteriores Assembleias Gerais Ordinárias,
que tinham como tema a Eucaristia e a Palavra de Deus na vida da Igreja, foram vividas
como uma preciosa ajuda para continuar frutuosamente a recepção e o desenvolvimento
profícuo da reforma litúrgica iniciada com o concílio Vaticano II. Elas lembraram
a centralidade do mistério eucarístico e a Palavra de Deus para a vida da Igreja. Neste
contexto, várias respostas centram-se na importância da lectio divina. A lectio divina
(pessoal e comunitária) apresenta-se naturalmente como espaço de evangelização: é
oração que oferece um amplo espaço para a escuta da Palavra de Deus, reconduzindo
deste modo a vida de fé e de oração à sua fonte inesgotável, Deus que fala, chama,
interpela, orienta, ilumina, julga. Se “a fé surge da pregação” (Rm 10, 17), a escuta
da Palavra de Deus é, para o crente, e para a Igreja no seu todo, um instrumento,
tão poderoso quanto simples, de evangelização e de renovação na graça de Deus. 98.
As respostas, contudo, revelam a existência de comunidades cristãs que conseguiram
redescobrir o profundo valor da acção litúrgica, que é ao mesmo tempo culto divino,
anúncio do Evangelho e caridade em acção. A atenção de muitas respostas focalizou-se
sobretudo no sacramento da reconciliação, que quase desapareceu da vida de tantos
cristãos. Foi apreciada muito positivamente, por várias respostas, a celebração deste
sacramento em momentos extraordinários: nas Jornadas Mundiais da Juventude, nas peregrinações
aos santuários, embora nem mesmo estes gestos consigam influir positivamente na prática
da reconciliação sacramental. 99. Também o tema da oração foi objecto de reflexão
nas respostas aos Lineamenta, sublinhando por um lado os elementos positivos verificados:
discreta difusão da celebração da liturgia das horas (nas comunidades cristãs, mas
também rezada pessoalmente); redescoberta da adoração eucarística como fonte de oração
pessoal; difusão dos grupos de escuta e de oração com a Palavra de Deus; difusão espontânea
de grupos de oração mariana, carismática ou devocional. Mais complexo é, todavia,
o juízo que as respostas aos Lineamenta expressaram sobre a relação entre a celebração
da fé cristã e as formas de piedade popular: reconhece-se alguns benefícios derivados
desta ligação, denuncia-se o perigo do sincretismo e de uma depreciação da fé.
A
pedagogia da fé 100. Fiel ao Senhor, desde os inícios da sua história, a Igreja
assumiu a veracidade dos textos bíblicos e experimentou-a nos ritos, reunida na síntese
e na regra de fé que é o Símbolo, traduzida nas orientações de vida, vivida numa relação
filial com Deus. Tudo isto recordou o Papa Bento XVI na carta com que proclamou o
Ano da Fé, quando, ao citar a Constituição Apostólica com a qual é promulgado o Catecismo
da Igreja Católica, afirma que, para poder ser transmitida, a fé deve ser “professada,
celebrada, vivida e pregada”. Assim, partindo do fundamento das Escrituras, a
tradição eclesial criou uma pedagogia da transmissão da fé, que desenvolveu nos quatro
grandes temas do Catecismo Romano: o Credo, os sacramentos, os mandamentos e a oração
do Pai Nosso. Por um lado, os mistérios da fé em Deus Uno e Trino, tal como são confessados
(Símbolo) e celebrados (sacramentos); por outro lado, a vida humana, em conformidade
com essa fé (uma fé operante por meio do amor), que se concretiza no modo cristão
de viver (Decálogo) e na oração filial (o Pai Nosso). Estes mesmos títulos constituem,
hoje, o esquema geral do Catecismo da Igreja Católica. 101. O Catecismo da Igreja
Católica é-nos entregue como instrumento de uma dupla acção: encerra os conteúdos
fundamentais da fé e, ao mesmo tempo, indica a pedagogia da sua transmissão. A sua
finalidade é levar todo o crente a viver a fé na sua totalidade, que é contemporaneamente
oferta de verdade e de adesão à mesma. A fé é essencialmente um dom de Deus que provoca
o abandono de si ao Senhor Jesus. Assim, a adesão ao conteúdo da fé torna-se um horizonte,
a decisão de seguir Jesus e de conformar a própria vida à Sua, como explica bem o
apóstolo Paulo. Ele permite-nos entrar nesta profunda estrutura pedagógica da fé:
“Acreditar de coração leva a obter a justiça, e confessar com a boca leva a obter
a salvação” (Rm 10, 10). “Existe uma unidade profunda entre o acto com que se crê
e os conteúdos a que damos o nosso assentimento. [...] O conhecimento dos conteúdos
que se deve acreditar não é suficiente, se depois o coração [...] não for aberto pela
graça, que consente ter olhos para ver em profundidade e compreender que o que foi
anunciado é a Palavra de Deus”. Este apelo atento à estrutura e ao significado
profundo do Catecismo da Igreja Católica, do qual decorre o vigésimo aniversário da
sua publicação, serve para dotar a reflexão sinodal de instrumentos adequados à realização
de um discernimento sobre o enorme esforço que a Igreja empenhou, nestes decénios,
na renovação da sua catequese. A um nível descritivo, as respostas aos Lineamenta
evidenciam os avanços que se fizeram para rever e estruturar, cada vez melhor, a catequese
e os percursos de educação à fé. Mencionam-se os projectos elaborados, os textos editados,
as iniciativas realizadas para formar os catequistas, não apenas na utilização de
novos instrumentos mas também à maturação de uma compreensão mais abrangente da sua
missão. 102. As avaliações fornecidas são genericamente positivas: trata-se de
um esforço ingente, operado a muitos níveis pela Igreja (Sínodos dos Bispos das Igrejas
Orientais Católicas sui iuris, Conferências Episcopais, centros diocesanos ou eparquias,
comunidades paroquiais, catequistas, institutos de teologia e de pastoral), cujo êxito
resulta da maturação de todo o seu corpo numa fé mais consciente e participada. As
respostas revelam que a Igreja dispõe de meios necessários para transmitir a fé, cujo
uso activo e também criticamente vigiado é agilizado pela publicação do Catecismo
da Igreja Católica. A sua publicação possibilitou às Igrejas Orientais Católicas e
às Conferências Episcopais terem um ponto de referência que permitisse dar unidade
e clareza de direcção à acção catequética da Igreja. 103. As respostas contêm
ainda uma avaliação de todo este esforço realizado para dar, hoje, razões da nossa
fé. É perceptível que a transmissão da fé, não obstante os copiosos esforços, depara-se
com vários obstáculos, sobretudo nas transformações céleres por parte da cultura,
a qual se tornou mais agressiva em relação à fé cristã. Depois, alude-se também a
tantas frentes abertas do desenvolvimento do saber e da tecnologia. Insiste-se, por
fim, no facto que a catequese é agora vista como preparação às várias etapas sacramentais,
mais do que educação permanente da fé dos cristãos. 104. O processo de secularização
da cultura também evidenciou que os vários métodos de catequese são um sinal de vitalidade,
mas nem sempre permitiram uma plena maturação para transmitir a fé. A reflexão sinodal
deverá, portanto, continuar a missão do anterior Sínodo sobre a catequese: realizar,
hoje, uma transmissão da fé que incarne a lei fundamental da catequese, a da dupla
fidelidade a Deus e ao Homem, numa idêntica atitude de amor. O Sínodo interrogar-se-á
sobre o modo de realizar uma catequese que seja integral, orgânica, que transmita
fielmente o núcleo da fé e, ao mesmo tempo, saiba falar aos homens de hoje, nas suas
culturas, escutando as suas questões, animando a sua procura da verdade, do bem e
da beleza.
Os sujeitos da transmissão da fé 105. O sujeito da transmissão
da fé é toda a Igreja, que se manifesta nas Igrejas particulares, Eparquias e Dioceses.
O anúncio, a transmissão e a experiência vivida do Evangelho realizam-se nelas. Para
além disso, as mesmas Igrejas particulares, além de sujeito, são também o fruto desta
acção de anúncio do Evangelho e de transmissão da fé, como nos recorda a experiência
das primeiras comunidades (cf. Act 2, 42-47): o Espírito congrega os crentes em torno
das comunidades que vivem intensamente a sua fé, nutrindo-se da escuta da Palavra
dos Apóstolos e da Eucaristia, e gastam as suas vidas no anúncio do Reino de Deus.
O concílio Vaticano II acolhe esta descrição como fundamento da identidade de toda
a comunidade cristã, ao afirmar que “a Igreja de Cristo está verdadeiramente presente
em todas as legítimas comunidades locais de fiéis, as quais aderindo aos seus pastores,
são elas mesmas chamadas igrejas no Novo Testamento. Pois elas são, no local em que
se encontram, o novo Povo chamado por Deus, no Espírito Santo e com plena segurança
(cfr. 1 Tess 1, 5). Nelas se congregam os fiéis pela pregação do Evangelho de Cristo
e se celebra o mistério da Ceia do Senhor para que o corpo da inteira fraternidade
seja unido por meio da carne e sangue do Senhor”. 106. A vida concreta das nossas
Igrejas pôde assistir, no âmbito da transmissão da fé, e mais genericamente no anúncio
do Evangelho, uma realização concreta, e muitas vezes exemplar, desta afirmação conciliar.
As respostas destacaram muito o facto de o número de cristãos que nos últimos decénios
se empenhou espontaneamente e gratuitamente nesta missão ter sido, na verdade, notável
e cunhado a vida das comunidades como um verdadeiro dom do Espírito. As acções pastorais
ligadas à transmissão da fé permitiram à Igreja estruturar-se em vários contextos
sociais locais, mostrando a riqueza e a variedade dos ministérios que a compõem e
animam a sua vida quotidiana. Pôde-se, assim, compreender de um modo renovado a participação,
junto do bispo, das comunidades cristãs e dos diferentes sujeitos envolvidos (presbíteros,
pais, religiosos, catequistas), cada um com a sua tarefa e competência específica. 107.
Como já pudemos sublinhar, o anúncio do Evangelho e a transmissão da fé podem tornar-se
num estímulo positivo para as transformações mais relevantes das comunidades paroquiais.
As respostas pedem que a paróquia seja o elemento central da nova evangelização. Ela
é comunidade de comunidades, e não apenas administradora de serviços religiosos, mas
espaço de encontro para as famílias, promotora de grupos de leitura da Palavra e de
renovado empenho laical, lugar onde se faz uma verdadeira experiência de Igreja, graças
a uma acção sacramental vivida no seu significado mais genuíno. Os padres sinodais
deveriam aprofundar esta vocação da paróquia, que é ponto de referência e de coordenação
de um amplo espectro de realidades e iniciativas pastorais. 108. A tarefa de transmitir
a fé e de educar à vida cristã, para além do papel insubstituível da comunidade cristã
no seu todo, diz respeito a muitos cristãos. As respostas apelam, antes de mais, aos
catequistas. Assume-se o dom recebido por tantos cristãos que gratuitamente, e a partir
da sua fé, dão um contributo singular e insubstituível para o anúncio do Evangelho
e da transmissão da fé, sobretudo nas Igrejas evangelizadas há pouco séculos. A nova
evangelização requer um maior compromisso da parte deles e da parte da Igreja nas
mais diversas ocasiões, tal como sublinham algumas respostas. Os catequistas são testemunhas
directas e evangelizadores insubstituíveis, que representam a força basilar das comunidades
cristãs. Têm necessidade que a Igreja reflicta com maior profundidade sobre a sua
missão, dando-lhes maior estabilidade, visibilidade ministerial e formação. Partindo
destas premissas, solicita-se à Assembleia sinodal que, assumindo a reflexão já iniciada
nestes decénios, se interrogue sobre a possibilidade de configurar, para o catequista,
um ministério estável e instituído dentro da Igreja. Neste momento de forte revitalização
do anúncio e da transmissão da fé, uma decisão deste tipo seria entendida como um
recurso e um apoio muito forte para a nova evangelização à qual toda a Igreja é chamada. 109.
Várias respostas destacam o importante papel dos diáconos e de tantas mulheres que
se dedicam à catequese. Estas constatações positivas são acompanhadas, em diversas
respostas, por observações que também exprimem preocupações. Regista-se nos últimos
anos, em consequência da diminuição numérica dos padres e da necessidade de acompanharem
um maior número de comunidades cristãs, a delegação cada vez mais generalizada da
catequese aos leigos. As respostas auspiciam que a reflexão sinodal possa ajudar a
compreender as mudanças que estão a acontecer no modo de viver, hoje, a identidade
presbiteral. Assim, será possível orientar estas mutações, salvaguardando a identidade
específica e insubstituível do ministério sacerdotal no campo da evangelização e da
transmissão da fé. De um modo mais amplo, será útil que a reflexão sinodal ajude as
comunidades cristãs a darem um novo sentido missionário ao ministério dos presbíteros,
dos diáconos e dos catequistas que estão presentes e colaboram nas comunidades.
A
família, lugar exemplar de evangelização 110. De entre os agentes da transmissão
da fé, as respostas dão amplo destaque à figura da família. Por um lado, a mensagem
cristã sobre o matrimónio e a família é um grande dom que faz da família um lugar
exemplar de testemunho da fé, dada a sua capacidade profética de viver os valores
fundamentais da experiência cristã: dignidade e complementaridade do homem e da mulher,
criados à imagem de Deus (cf. Gn 1, 27), abertura à vida, partilha e comunhão, dedicação
aos mais frágeis, atenção à educação, confiança em Deus como fonte do amor que une.
Muitas Igrejas particulares insistem e investem energias na pastoral familiar, precisamente
nesta perspectiva missionaria e testemunhal. 111. Por outro lado, a família,
para a Igreja, tem a responsabilidade de educar e transmitir a fé cristã desde o início
da vida humana. Daqui nasce a profunda ligação entre a Igreja e a família, com a ajuda
que a Igreja deseja dar à família e a ajuda que se espera da família. Muitas vezes,
as famílias estão imersas em fortes tensões por causa dos ritmos de vida, do trabalho
cada vez mais incerto, da precariedade galopante, da fadiga da responsabilidade educativa
que cada vez é mais árdua. As próprias famílias que tomaram consciência das suas dificuldades
sentem a necessidade da ajuda da comunidade, do acolhimento, da escuta e do anúncio
do Evangelho, do acompanhamento na sua missão educativa. O objectivo comum é que a
família tenha um papel cada vez mais activo no processo de transmissão da fé. 112.
As respostas dão conta das dificuldades e necessidades que emergem de várias famílias
hodiernas, incluindo as cristãs: a necessidade de apoio expresso, de modo cada vez
mais evidente, em várias situações de dor e de fracasso no educar à fé, sobretudo
as crianças. Várias respostas abordam a constituição de grupos de famílias (locais
ou ligados a experiências e movimentos eclesiais) animados pela fé cristã. Ela permitiu
a tantos casais enfrentarem melhor as dificuldades que vieram ao seu encontro, dando
assim um testemunho claro da fé cristã. 113. Estes grupos de famílias, de acordo
com muitas respostas, são um exemplo dos frutos que o anúncio da fé gera nas nossas
comunidades cristãs. As respostas a este respeito demonstram um certo optimismo na
capacidade que muitas comunidades cristãs têm, apesar da situação de provisoriedade
e de precariedade em que se encontram, na fidelidade à celebração comum da sua fé,
a disponibilidade, ainda que limitada em recursos, para acolher os pobres e viver
um testemunho evangélico simples e quotidiano.
Chamados a evangelizar 114.
Como dom a acolher com gratidão, as respostas mencionam a vida consagrada. Reconhece-se
a importância, em vista à transmissão da fé e ao anúncio do Evangelho, das grandes
ordens religiosas e de tantas formas de vida consagrada, em particular das ordens
mendicantes, dos institutos apostólicos e dos institutos seculares, com o seu carisma
profético e evangelizador, mesmo em momentos de dificuldade e de revisão do seu estilo
de vida. Esta sua presença, por vezes escondida, é vista, todavia, numa óptica de
fé, como fonte de muitos frutos espirituais em favor do mandato missionário que a
Igreja é chamada a viver no momento presente. Muitas Igrejas locais reconhecem a importância
deste testemunho profético do Evangelho, fonte de tantas forças para a vida de fé
das comunidades cristãs e de tantos baptizados. Muitas respostas auspiciam que
a vida consagrada dê um contributo essencial à nova evangelização, em particular no
campo da educação, da saúde, da cura pastoral, sobretudo para com os pobres e as pessoas
mais necessitadas de auxílio espiritual e material. Neste contexto, é também reconhecido
o precioso suporte à nova evangelização vindo da vida contemplativa, sobretudo dos
mosteiros. A relação entre monaquismo, contemplação e evangelização é consistente
e portadora de frutos, como demonstra a história. Tal experiência é o coração da vida
da Igreja que mantém viva a essência do Evangelho, o primado da fé e a celebração
da liturgia, dando um sentido ao silêncio e a qualquer outra actividade para a glória
de Deus. 115. O despontar gratuito e carismático, nestes decénios, de grupos e
movimentos dedicados prioritariamente ao anúncio do Evangelho é outro dom da Providência
à Igreja. Olhando para essas múltiplas respostas, encontramos os elementos essenciais
do estilo que as comunidades e os cristãos deveriam hoje assumir para darem razões
da sua fé. Trata-se das qualidades daqueles que poderíamos definir como os “novos
evangelizadores”: capacidade de viver e de motivar as próprias opções de vida e valores;
desejo de professar publicamente a sua fé, sem medos nem falsos pudores; procura activa
de momentos de comunhão vividos na oração e nas relações fraternas; preferência espontânea
pelos pobres e excluídos; paixão pela educação das jovens gerações. 116. Esta
forte referência ao tema dos carismas, visto como um importante recurso para a nova
evangelização, exige que a reflexão sinodal aprofunde melhor esta problemática, não
se deixando ficar simplesmente pela constatação destes recursos, mas colocando-se
o problema da integração das suas acções na vida da Igreja missionária. Foi pedido
que a Assembleia sinodal abordasse a relação entre carisma e instituição, entre dons
carismáticos e dons hierárquicos na vida concreta das dioceses, na sua tensão missionária.
Poder-se-ia, deste modo, eliminar aqueles obstáculos que algumas respostas denunciaram
e que não permitem integrar plenamente os carismas, com a finalidade de auxiliar a
nova evangelização. Poder-se-ia desenvolver o tema de uma “co-essencialidade” - sugerem
insistentemente as respostas - destes dons do Espírito à vida e à missão da Igreja,
na perspectiva da nova evangelização. Dessa reflexão seria depois possível obter instrumentos
pastorais mais incisivos que melhor valorizem os recursos carismáticos. 117. Nas
respostas, o nascimento destas novas experiências e formas de evangelização é lido
em linha de continuidade com a experiência de grandes movimentos, instituições e associações
de evangelização, como é, por exemplo, a Acção Católica, que surgiram ao longo da
história do cristianismo. Os elementos que possibilitam estas obras são vistos na
linha da radicalidade evangélica que anima este tipo de experiência e a sua vocação
profética ao anúncio do Evangelho. Do fascínio que sabem exercer e do estilo alegre
da sua vida nasce o dom das vocações. Em mais do que num caso, refere-se que algumas
formas históricas de vida consagrada e destes novos movimentos promoveram uma partilha
recíproca de dons.
Dar razões da própria fé 118. O contexto em que nos
encontramos requer que se explicite e active a missão de anunciar e de transmitir
a fé que compete a todo o cristão. Em mais do que numa resposta, afirma-se que, hoje,
a primeira prioridade da Igreja é o dever de despertar a identidade baptismal de cada
um, para que saiba ser verdadeiro testemunho do Evangelho, saiba dar razão da própria
fé. Todos os fiéis, em força do sacerdócio comum e da sua participação na função profética
de Cristo, estão plenamente envolvidos nesta missão da Igreja. Aos fiéis leigos toca,
em particular, testemunhar o modo como a fé cristã constitui uma resposta aos problemas
existenciais que a vida coloca em cada tempo e em cada cultura e que, por isso, interessa
a todo o ser humano, mesmo agnóstico ou não crente. Isto será possível se se superar
o fosso entre o Evangelho e a vida, reconstruindo na quotidiana actividade da família,
do trabalho e da sociedade a unidade de uma vida que encontra no Evangelho a inspiração
e a força para realizar-se em plenitude. 119. É necessário que cada cristão sinta-se
interpelado por esta tarefa que a identidade baptismal lhe confia, que se deixe guiar
pelo Espírito, segundo a própria vocação, na resposta a tal missão. Num tempo em que
a escolha da fé e do seguimento de Cristo é menos acessível e pouco compreensível
pelo mundo, senão mesmo contrastada e hostilizada, aumenta a missão da comunidade
e dos cristãos individuais em serem testemunhas intrépidas do Evangelho. A lógica
de semelhante comportamento é sugerida pelo apóstolo Pedro quando nos convida a darmos
razões, a responder a quem nos pede razões da esperança que está em nós (cf. 1 Pe
3, 15). Uma nova estação para o testemunho da nossa fé, novas formas de resposta (apo-logia)
a quem nos pede o logos, a razão da nossa fé, são as estradas que o Espírito indica
às nossas comunidades cristãs. Isto serve para nos renovarmos a nós mesmos, para tornar
presente de modo mais incisivo no mundo em que vivemos a esperança e a salvação que
nos deu Jesus Cristo. Trata-se de aprender um novo estilo, de responder “com mansidão
e respeito, com uma recta consciência” (1 Pe 3, 16). É um convite a viver com aquela
força suave que nos vem da nossa identidade de filhos de Deus, da união com Cristo
no Espírito, da novidade que esta união gerou em nós, e com aquela determinação de
quem sabe ter como meta o encontro com Deus Pai no seu Reino. 120. Este estilo
deve ser integral, que abrace o pensamento e a acção, os comportamentos pessoais e
o testemunho público, a vida interna das nossas comunidades e o seu zelo missionário.
Assim se confirma a atenção educativa e a dedicação primorosa aos pobres, a capacidade
de cada cristão em tomar a palavra nos ambientes onde vive e trabalha para comunicar
o dom cristão da esperança. Este estilo deve fazer seu o ardor, a confiança e a liberdade
de palavra (a parresia) que se manifestavam na pregação dos Apóstolos (cf. Act 4,
31; 9, 27-28). É este o estilo que coloca cada um de nós em jogo, como nos recorda
Paulo VI: “ao lado da proclamação geral para todos do Evangelho, uma outra forma da
sua transmissão, de pessoa a pessoa, continua a ser válida e importante. [...] Importaria,
pois, que a urgência de anunciar a Boa Nova às multidões de homens, nunca fizesse
esquecer esta forma de anúncio, pela qual a consciência pessoal de um homem é atingida,
tocada por uma palavra realmente extraordinária que ele recebe de outro”. 121.
Nesta perspectiva, o convite que nos foi endereçado no Ano da Fé a uma autêntica
e renovada conversão ao Senhor, único Salvador do mundo, é uma oportunidade para aproveitarmos
ao máximo, de modo a que cada comunidade cristã, cada baptizado, possa ser o ramo
que, levando fruto, é podado “para que dê mais fruto ainda” (Jo 15, 2); e possa assim
enriquecer o mundo e a vida dos homens com os dons da vida nova plasmada na radical
novidade da ressurreição. Na medida da sua livre disponibilidade, os pensamentos e
os afectos, a mentalidade e o comportamento do homem são lentamente purificados e
transformados, num caminho nunca terminado plenamente nesta vida. A “fé que actua
pelo amor” (Gal 5, 6) transforma-se num novo critério de inteligência e de acção que
muda toda a vida do Homem (cf. Ef 4, 20-29), trazendo novos frutos.
Os frutos
da fé 122. Os frutos que esta transformação, apenas possível graças à vida de
fé, gera no seio da Igreja como sinal da força vivificante do Evangelho ganham forma
no confronto com os desafios do nosso tempo. As respostas indicam, do seguinte modo,
esses frutos: famílias que são um verdadeiro sinal de amor, de partilha e de esperança
aberta à vida; comunidades dotadas de um verdadeiro espírito ecuménico; a coragem
de apoiar iniciativas de justiça social e solidariedade; a alegria de oferecer a própria
vida seguindo uma vocação ou uma consagração. A Igreja, que transmite a sua fé na
nova evangelização, em todos estes ambientes mostra o Espírito que a guia e transfigura
a história. 123. Tal como a fé se manifesta na caridade, assim a caridade sem
a fé seria filantropia. Fé e caridade, no cristão, exigem-se à partida, dado que uma
sustenta a outra. Em várias respostas, sublinhou-se o valor testemunhal de muitos
cristãos que dedicam a sua vida com amor a quem está só, marginalizado ou excluído,
porque precisamente nestas pessoas reflecte-se o rosto de Cristo. Graças à fé, podemos
reconhecer em quantos pedem o nosso amor o rosto do Senhor ressuscitado: “Sempre que
fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes” (Mt
25, 40). É a fé que permite reconhecer Cristo; é o seu amor que impele a socorrê-lo
todas as vezes que se faz nosso próximo no caminho da vida. 124. Sustentados pela
fé, olhamos com esperança para o nosso compromisso com o mundo, na espera de “novos
céus e uma nova terra, onde habite a justiça” (2 Pe 3, 13). É o mesmo compromisso
evangelizador a pedir-nos, como dizia Paulo VI, “de chegar a atingir e como que a
modificar pela força do Evangelho os critérios de julgar, os valores que contam, os
centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos
de vida da humanidade, que se apresentam em contraste com a Palavra de Deus e com
o desígnio da salvação”. Muitas respostas pediam que se exortassem todos os baptizados
a viverem com maior dedicação a tarefa específica de evangelizar, mesmo através da
Doutrina Social da Igreja, vivendo a sua fé no mundo, procurando o verdadeiro bem
de todos, no respeito e na promoção da dignidade de cada pessoa, até intervir directamente
– particularmente os fieis leigos – na acção social e política. A caridade é a
linguagem onde, na nova evangelização, mais do que em palavras, se exprimem obras
de fraternidade, de proximidade e de ajuda às pessoas com necessidades espirituais
e materiais. 125. Fruto ulterior de uma Igreja que se deixa transfigurar pelo
Evangelho de Jesus, pela sua presença, é um renovado compromisso ecuménico. A divisão
entre os cristãos, como recorda o Concílio Vaticano II, é um contratestemunho: “esta
divisão, porém, contradiz abertamente a vontade de Cristo, e é escândalo para o mundo,
como também prejudica a santíssima causa da pregação do Evangelho a toda a criatura”.
A superação das divisões é a condição indispensável para a plena credibilidade do
seguimento de Cristo. Aquilo que une os cristãos é muito mais forte do que aquilo
que os separa. Precisamos, portanto, estimular-nos reciprocamente na tentativa de
viver com fidelidade o nosso testemunho do Evangelho, aprendendo a crescer na unidade.
Neste sentido, como pedem muitas Igrejas particulares, a questão do ecumenismo é seguramente
um dos frutos a esperar da nova evangelização, dado que ambas as acções se destinam
a promover a comunhão no corpo visível da Igreja, para a salvação de todos. 126.
Mesmo a tensão do homem para a verdade é um dos frutos que várias respostas esperam
do impulso da nova evangelização. Constata-se que diversos sectores da cultura actual
manifestam uma espécie de intolerância no confronto de tudo aquilo que é apresentado
como verdade, em contraposição ao conceito moderno de liberdade entendido como autonomia
absoluta, que encontra no relativismo a única forma de pensamento adequada à convivência
entre as diversidades culturais e religiosas. A este respeito, muitas respostas recomendam
que as nossas comunidades e os cristãos – em nome daquela verdade que nos torna livres
(cf. Jo 8, 32) – saibam acompanhar os homens no caminho para a verdade, a paz e a
defesa da dignidade de cada homem, contra toda a forma de violência e de supressão
de direitos. 127. Uma prova de fogo de tais caminhos é seguramente o diálogo interreligioso,
que não pode ter como condição a renúncia ao tema da verdade, que é um valor conatural
à experiência religiosa: a procura de Deus é o acto que qualifica, em última instância,
a liberdade do homem. Esta procura, contudo, é verdadeiramente livre quando se abre
à verdade, a qual não se impõe com a violência, mas graças à força atractiva da própria
verdade. Como afirma o Concílio Vaticano II: “a verdade deve ser buscada pelo modo
que convém à dignidade da pessoa humana e da sua natureza social, isto é, por meio
de uma busca livre, com a ajuda do magistério ou ensino, da comunicação e do diálogo,
com os quais os homens dão a conhecer uns aos outros a verdade que encontraram ou
julgam ter encontrado, a fim de se ajudarem mutuamente na inquirição da verdade; uma
vez conhecida esta, deve-se aderir a ela com um firme assentimento pessoal”. Espera-se
que o Sínodo releia o tema da evangelização, da transmissão da fé, à luz do princípio
evidenciado pelo binómio verdade-liberdade. 128. Por fim, faz parte desta lógica
do reconhecimento dos frutos também a coragem de denunciar as infidelidades e os escândalos
que emergem das comunidades cristãs, como um sinal e consequência de uma quebra de
tensão nesta missão de anúncio. É necessária a coragem de reconhecer as culpas, ao
mesmo tempo que se continua a testemunhar Jesus Cristo e a contínua necessidade de
se ser salvo. Como nos ensina o apóstolo Paulo, podemos olhar para as nossas fraquezas
porque, deste modo, reconhecemos o poder de Cristo que nos salva (cf. 2 Cor 12, 9;
Rm 7, 14s). A prática da penitência como conversão leva à purificação e à reparação
das consequências dos erros, na certeza que a esperança que nos foi dada “não engana,
porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos
foi dado” (Rm 5, 5). Tais perspectivas são fruto da transmissão da fé e do anúncio
do Evangelho, que em primeiro lugar não deixa de renovar os cristãos, as suas comunidades,
ao mesmo tempo que leva ao mundo o testemunho da fé cristã.
Quarto
capítulo Reavivar a acção pastoral
“Ide, pois, fazei discípulos de todos
os povos, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os
a cumprir tudo quanto vos tenho mandado” (Mt 28, 19-20)
129. O mandamento
de fazer discípulos em todos os povos e de os baptizar deu origem, em diferentes épocas
da história da Igreja, a práticas pastorais ditadas pela vontade de transmitir a fé
e pela necessidade de anunciar o Evangelho com a linguagem dos homens, enraizadas
nas suas culturas e no meio deles. Esta é uma lei expressa claramente pelo Concílio
Vaticano II: a Igreja “desde os começos da sua história, a formular a mensagem de
Cristo por meio dos conceitos e línguas dos diversos povos, e procurou ilustrá-la
com o saber filosófico. Tudo isto com o fim de adaptar o Evangelho à capacidade de
compreensão de todos e às exigências dos sábios. Esta maneira adaptada de pregar a
palavra revelada deve permanecer a lei de toda a evangelização. [...]É dever de todo
o Povo de Deus e sobretudo dos pastores e teólogos, com a ajuda do Espírito Santo,
saber ouvir, discernir e interpretar as várias linguagens do nosso tempo, e julgá-las
à luz da palavra de Deus, de modo que a verdade revelada possa ser cada vez mais intimamente
percebida, melhor compreendida e apresentada de um modo conveniente”. 130. Uma
compreensão cada vez mais clara das modalidades da transmissão da fé, juntamente com
as transformações sociais e culturais que se apresentam ao cristianismo de hoje como
um desafio, activaram no seio da Igreja um processo difuso de reflexão e de revisão
das suas práticas pastorais, em particular aquelas dedicadas à introdução e à educação
da fé e ao anúncio da mensagem cristã. De facto, “como a Igreja tem uma estrutura
social visível, sinal da sua unidade em Cristo, pode também ser enriquecida, e de
facto o é, com a evolução da vida social. Não porque falte algo na constituição que
Cristo lhe deu, mas para mais profundamente a conhecer e melhor a exprimir e para
a adaptar mais convenientemente aos nossos tempos”. Retomando as afirmações de Paulo
VI na Evangelii nuntiandi, Bento XVI confirma que a evangelização “não seria completa,
se não tomasse em consideração a interpelação recíproca que se fazem constantemente
o Evangelho e a vida concreta, pessoal e social, do homem. [...] O testemunho da caridade
de Cristo através de obras de justiça, paz e desenvolvimento faz parte da evangelização,
pois a Jesus Cristo, que nos ama, interessa o homem inteiro. Sobre estes importantes
ensinamentos, está fundado o aspecto missionário da doutrina social da Igreja como
elemento essencial de evangelização. A doutrina social da Igreja é anúncio e testemunho
de fé; é instrumento e lugar imprescindível de educação para a mesma”. Trata-se de
temas a aprofundar na nova evangelização. Esta diz respeito particularmente “ao serviço
da Igreja a favor da reconciliação, da justiça e da paz”.
A iniciação cristã,
processo evangelizador 131. O texto dos Lineamenta afirmava que o futuro rosto
do cristianismo no mundo, sobretudo no Ocidente, dependerá do modo como a Igreja souber
gerir a revisão em acto das suas práticas batismais e da capacidade da fé cristã de
falar às culturas hodiernas. As respostas recebidas revelam uma Igreja muito comprometida
com este exame, que alcançou algumas certezas, mas que, sobre muitas questões, demonstra
ainda sinais de um trabalho inacabado, de um itinerário não bem projectado até ao
fim. 132. A primeira certeza encontra-se na forma usual de ingresso na vida cristã,
que é o baptismo recebido em criança, muitas vezes no período imediatamente sucessivo
ao nascimento. A grande maioria das respostas dá conta deste dado como resultado de
um trabalho de observação, mas também como fruto de uma escolha consciente. Do mesmo
modo, as Igrejas mais jovens vêem no baptismo administrado às crianças uma meta que
revela um alto nível de inculturação do cristianismo nas suas terras. Várias respostas,
por outro lado, demonstram uma profunda preocupação com a opção de pais baptizados
em diferir o baptismo do próprio filho, devido a várias razões, das quais a mais frequente
está ligada à possibilidade de uma livre opção do sujeito uma vez adulto. 133.
Uma segunda certeza consiste na presença estável de pedidos de baptismo por parte
de adultos e de adolescentes. Este fenómeno, certamente menos relevante a nível numérico
em relação ao primeiro, é lido, todavia, como um dom que possibilita que as comunidades
cristãs compreendam o sentido profundo do baptismo: o caminho de preparação, a celebração
dos escrutínios prebaptismais e a celebração do sacramento são momentos que nutrem
a fé, seja a do catecúmeno como a da comunidade. 134. Além disso, parece certo
que a estrutura do catecumenato, referente ao Ordo Initiationis Christianae Adultorum,
é o instrumento adequado para operar uma reforma do itinerário de ingresso na fé dos
mais pequenos. Todas as Igrejas têm trabalhado, nestas últimas décadas, para dar à
introdução e à educação à fé um carácter mais testemunhal e eclesial. Assim, foi possível
oferecer ao sacramento do baptismo uma celebração mais consciente, em vista de uma
melhor participação futura dos baptizados na vida cristã. Fizeram-se esforços para
dar forma aos itinerários de iniciação cristã, procurando unir os sacramentos (baptismo,
crisma e eucaristia) e envolvendo activamente também os pais e os padrinhos. Muitas
Igrejas efectivamente deram forma a uma espécie de “catecumenato pós-baptismal”, para
reformar as práticas de adesão à fé e superar a fractura entre a liturgia e a vida,
de modo a que a Igreja seja realmente uma mãe que gera os seus filhos para a fé. 135.
A nova evangelização é vista em muitas respostas como um apelo a consolidar os esforços
realizados e as reformas introduzidas para fortalecer a fé: os catecúmenos, antes
de mais, os seus familiares, a comunidade que os apoia e os acompanha. A pastoral
baptismal é assumida como um dos espaços prioritários da nova evangelização. 136.
No que se refere aos itinerários de iniciação cristã, as respostas apresentam-nos
dois dados: uma grande variedade e a coexistência pacífica de fortes diferenças. A
admissão à primeira comunhão é geralmente colocada no momento da escola primária,
precedida por um itinerário de preparação. Existem também experiências de mistagogia,
de um acompanhamento sucessivo. Muito mais variada é a colocação do sacramento da
confirmação em tempos diferenciados, mesmo entre dioceses limítrofes. Apoiando-se
em quanto foi dito no Sínodo sobre a Eucaristia, que a diferenciação das práticas
não é da ordem dogmática mas pastoral, as pessoas implicados não parecem dispostas
a um trabalho de revisão. Pelo contrário, olha-se para a actual situação como uma
riqueza que é útil manter. Esta coexistência de práticas diferenciadas não suscita
reflexões ao ponto de tomar em consideração a diferença de praxis sobre a iniciação
cristã nas Igrejas Católicas Orientais. 137. A este respeito, o trabalho a que
o Sínodo é chamado a desenvolver é amplo. Não se trata somente de orientar uma praxis
variada para evitar a dispersão. Trata-se também, mais profundamente, de realizar
quanto foi pedido pelo Sínodo sobre a Eucaristia, alcançando “a eficácia dos percursos
de iniciação actuais, para que o cristão seja ajudado, pela acção educativa das nossas
comunidades, a maturar cada vez mais até chegar a assumir na sua vida uma orientação
autenticamente eucarística, de tal modo que seja capaz de dar razão da própria esperança
de maneira adequada ao nosso tempo (cf. 1Pt 3, 15)”. É necessário compreender melhor,
do ponto de vista teológico, a sequência dos sacramentos de iniciação cristã que culmina
na Eucaristia, e reflectir sobre os modelos para traduzir na praxis o aprofundamento
auspiciado.
A exigência do primeiro anúncio 138. Em várias ocasiões, surge
nas respostas a exigência de ajudar as comunidades cristãs locais, começando pelas
paróquias, a adoptarem um estilo mais missionário da própria presença no tecido social.
O apelo recorrente é que as nossas comunidades, no anúncio do Evangelho, saibam suscitar
a atenção dos adultos de hoje, interpretando as suas perguntas e a sua sede de felicidade.
Numa sociedade que expulsou muitas formas de discurso sobre Deus, a necessidade que
as nossas instituições assumam, sem medo, também uma atitude apologética, que vivam
com serenidade formas de afirmação pública da própria fé, é visto como uma clara urgência
pastoral. 139. É sobre esta situação que se debruça o instrumento do primeiro
anúncio do qual falava o textos dos Lineamenta. Entendido como instrumento de proposta
explícita, ou melhor ainda, de proclamação, do conteúdo fundamental da nossa fé, o
primeiro anúncio dirige-se sobretudo àqueles que ainda não conhecem Jesus Cristo,
aos não-crentes e àqueles que, de facto, vivem na indiferença religiosa. Ele chama
à conversão e deve ser integrado noutras formas de anúncio e de iniciação à fé. Embora
estas formas se destinem ao acompanhamento, à maturação de uma fé que já existe, o
primeiro anúncio tem como objectivo específico a conversão, que depois permanece como
uma constante na vida cristã. 140. A distinção entre estas diferentes formas de
anúncio não é, todavia, sempre fácil de fazer, e não necessariamente deve ser afirmada
de modo claro. Trata-se de uma dupla atenção que faz parte da mesma acção pastoral.
O instrumento do primeiro anúncio ajuda as comunidades cristãs a darem espaço à fé
das pessoas, seja daquelas dentro da comunidade como daquelas que estão fora. A sua
tarefa é de a reavivar ou de a suscitar, de modo a manter a comunidade e os baptizados
numa tensão constante e fiel ao anúncio e testemunho público da fé que professam. 141.
O primeiro anúncio tem, por isso, necessidade de formas, lugares, iniciativas, eventos
que permitam levar o anúncio da fé cristã à sociedade. E, na verdade, as respostas
mostram que não faltam amplas formas de primeiro anúncio. Diversas Conferências Episcopais
organizaram eventos eclesiais nacionais. Sempre nesta perspectiva, muitas respostas
louvam os eventos internacionais como as Jornadas Mundiais da Juventude, vistas como
verdadeiras formas de primeiro anúncio à escala mundial. Também as viagens apostólicas
do Papa são lidas na mesma perspectiva, bem como a celebração ou canonização de um
filho ou de uma filha de uma determinada Igreja. 142. Por outro lado, uma preocupação
em muitas respostas é a escassez do primeiro anúncio na vida quotidiana, que se desenvolve
no bairro ou no mundo do trabalho. A percepção comum sobre este objectivo é que ainda
é necessário trabalhar muito para sensibilizar as comunidades paroquiais sobre a urgente
acção missionária. A Assembleia sinodal, partindo das respostas, consegue relevar
uma indicação ulterior para o diálogo e para a reflexão. Muitas respostas evidenciam
que o primeiro anúncio pode já encontrar lugar nas práticas pastorais presentes na
vida ordinária das nossas comunidades cristãs. As acções indicadas são três: a pregação,
o sacramento da reconciliação, a piedade popular com as suas devoções. 143. Quanto
à pregação, sobretudo a homilia dominical e tantas outras formas de pregação extraordinária
(missões populares, novenas, homilias por ocasião de funerais, baptismos, matrimónios,
festas) é verdadeiramente um instrumento privilegiado de primeiro anúncio. Por esta
razão, como solicitou a anterior Assembleia Geral Ordinária, deve ser preparada com
cuidado, tomando atenção ao centro da mensagem que se deseja transmitir, ao carácter
cristológico que devem ter, ao uso de uma linguagem que suscite a escuta e tenha como
objectivo a conversão da assembleia. 144. O sacramento da Reconciliação encontra
o seu sentido originário na experiência actual do rosto de misericórdia de Deus Pai
para a conversão e crescimento de cada penitente e da comunidade que celebra este
sacramento. Para que este sacramento favoreça a evangelização, suscitando o sentido
do pecado, bastaria pôr em prática de um modo ordinário e habitual aquilo que está
previsto no Rito, ou melhor, que ele comece com a proclamação de um texto bíblico,
à luz do qual se possa examinar a própria consciência e discernir o distanciamento
da vontade de Deus e do Evangelho. Seria reproduzido, deste modo, o itinerário bem
conhecido dos Actos dos Apóstolos: da proclamação da Palavra ao arrependimento pela
remissão dos pecados (cf. Act 2, 14-47). 145. Por fim, a piedade popular, com
as suas devoções a Maria, ao nível particular, e aos santos, nos lugares sagrados,
os santuários, através de itinerários de penitência e de espiritualidade, revela-se
cada vez mais como uma via muito actual e original. Nas peregrinações e nas devoções,
é-se introduzido, pela via experiencial, na fé e nas grandes questões existenciais
que tocam também a conversão da própria vida. Vive-se uma experiência comunitária
de fé, que abre a novas visões do mundo e da vida. Trabalhar para que a riqueza da
oração cristã seja bem cuidada nestes lugares de conversão é, seguramente, um desafio
a confiar à nova evangelização. De modo particular, para o culto mariano, a nova
evangelização não pode deixar de fazer suas as palavras do Concílio Vaticano II: “ensina
o sagrado Concílio esta doutrina católica, e ao mesmo tempo recomenda a todas os filhos
da Igreja que fomentem generosamente o culto da Santíssima Virgem, sobretudo o culto
litúrgico, que tenham em grande estima as práticas e exercícios de piedade para com
Ela, aprovados no decorrer dos séculos pelo magistério. [...] Os fiéis lembrem-se
de que a verdadeira devoção não consiste numa emoção estéril e passageira, mas nasce
da fé, que nos faz reconhecer a grandeza da Mãe de Deus e nos incita a amar filialmente
a nossa mãe e a imitar as suas virtudes”. 146. As respostas elencam outras práticas
que merecem ser tomadas em consideração no debate sinodal, enquanto instrumentos em
condições de darem forma à exigência do primeiro anúncio. Em primeiro lugar, faz-se
referência às missões populares, organizadas nas paróquias, no passado, com tempos
regulares, como forma de um despertar espiritual dos cristãos num lugar. Relançar
e dar, hoje, forma a um semelhante instrumento é uma questão que surge em mais do
que uma resposta, integrando as missões populares nas práticas comunitárias de escuta
e de anúncio da Palavra de Deus difusa nas comunidades cristãs. Do mesmo modo, acredita-se
ser uma ocasião de primeiro anúncio todas as acções pastorais que têm como objecto
específico a preparação para o sacramento do matrimónio. Elas não são consideradas
como uma simples e directa preparação a este sacramento específico, mas transformam-se
cada vez mais em verdadeiros e específicos itinerários de reapropriação e de maturação
da fé cristã. Por fim, pede-se que seja incluída na acção do primeiro anúncio também
o cuidado e a atenção que a comunidade cristã dedica ao momento do sofrimento e da
doença.
Transmitir a fé, educar o homem 147. Os Lineamenta propuseram um
vínculo entre a iniciação à fé e a educação, o qual foi acolhido na sua profundidade.
Não se pode evangelizar sem, ao mesmo tempo, educar o homem a ser genuíno: a evangelização
exige-o enquanto vínculo directo. Encontrando Cristo, o mistério do homem encontra
a sua verdadeira luz, como o afirma o Concílio Vaticano II. A Igreja possui, a este
respeito, uma tradição de recursos pedagógicos, reflexões e pesquisas, instituições,
pessoas – consagradas e não, agregadas em ordens religiosas, em congregações, em institutos
– em condições de oferecer uma presença significativa no mundo da escola e da educação. 148.
Com significativas diferenças ditadas pela geografia da sociedade e da história do
catolicismo nas nações individuais, é um dado consensual que a Igreja investiu e continua
a investir muitas energias na tarefa educativa. Escolas e universidades católicas
estão presentes nas Igrejas particulares. As respostas, sobre este assunto, oferecem
descrições detalhadas do trabalho educativo desenvolvido, e dos frutos que semelhante
trabalho gerou e continua a gerar em muitos lugares. O desenvolvimento passado e presente
de algumas nações é devedor deste esforço educativo promovido pela Igreja. 149.
Esta tarefa educativa desenvolve-se, hoje, num contexto cultural em que qualquer
forma de acção educativa é cada vez mais difícil e crítica, ao ponto do próprio Papa
Bento XVI ter falado de “emergência educativa”, desejando aludir à especial urgência
de transmitir às novas gerações os valores fundamentais da vida e de um recta conduta.
Cresce, portanto, em vários lugares, a necessidade de uma educação autêntica e de
educadores que o sejam verdadeiramente. Tal pedido é partilhado por pais preocupados
com o futuro dos seus filhos, professores que vivem a triste experiência da degradação
da escola, a própria sociedade que vê minadas as bases da convivência. 150. Neste
contexto, o compromisso da Igreja para educar à fé, ao discipulado e ao testemunho
do Evangelho assume também o valor de um contributo para que a sociedade saia da crise
educativa que a aflige. No campo educativo, as respostas descrevem uma Igreja que
tem ainda muito para oferecer, como a ideia de educação que soube difundir no mundo,
com o primado da pessoa e da sua formação, e a vontade de oferecer uma educação autêntica,
aberta à verdade, da qual faz parte também o encontro com Deus e a experiência de
fé. 151. Ainda mais profundamente, algumas respostas valorizam e realçam este
compromisso educativo por parte da Igreja, porque é um instrumento capaz de evidenciar
a raiz antropológica e metafísica do actual desafio em torno da educação. As raízes
da actual emergência educativa podem, na verdade, ser encontradas na impor-se de uma
antropologia marcada pelo individualismo e de um duplo relativismo que reduz a realidade
à mera matéria manipulável e a revelação cristã a um mero processo histórico sem carácter
sobrenatural. 152. O Papa Bento XVI descreve assim estas raízes: “uma raiz essencial
consiste – parece-me – num falso conceito de autonomia do homem: o homem deveria desenvolver-se
unicamente por si mesmo, sem imposições da parte de terceiros, os quais poderiam contribuir
para o seu autodesenvolvimento, mas sem entrar neste desenvolvimento. [...] A outra
raiz da emergência educativa no cepticismo e no relativismo ou, com palavras mais
simples e claras, na exclusão das duas fontes que orientam o caminho humano. A primeira
fonte deveria ser a natureza segundo a Revelação. [...]Por conseguinte, é fundamental
voltar a encontrar um conceito verdadeiro da natureza, como criação de Deus que nos
fala; através do livro da criação, o Criador fala-nos e indica-nos os valores autênticos”.
Fé e conhecimento 153. O mesmo tipo de vínculo que existe entre a fé e
a educação é também visível entre a fé e o conhecimento. O texto dos Lineamenta explicitava
esta ligação através do conceito cunhado pelo Papa Bento XVI como “ecologia da pessoa
humana”. Apontando as consequências de uma crise que poderia minar a coesão da sociedade
como um todo, o Papa Bento XVI indica a possível via de saída de tal risco no desenvolvimento
de uma ecologia do homem, entendida correctamente, ou melhor, um modo de formular
a compreensão do mundo e do progresso da ciência que tenha em conta todas as exigências
do homem, aberta à verdade e à originária relação com Deus. 154. A fé cristã
afirma a inteligência na compreensão do equilíbrio profundo que rege a estrutura da
existência e da sua história. Realiza esta operação não genericamente ou de fora,
mas partilhando com a razão a sede de saber, a sede da procura, orientando-a para
o bem do homem e dos cosmos. A fé cristã contribui para a compreensão do profundo
conteúdo das experiências fundamentais do homem. É uma tarefa – a do confronto crítico
e de orientação – que o cristianismo desenvolve há muito tempo, tal como muitas respostas
afirmaram, elencando instituições, centros de pesquisa, universidades, fruto da instituição
e do carisma de alguns ou da atenção educativa das Igrejas particulares, que fizeram
deste confronto um dos seus principais objectivos. 155. É, todavia, motivo de
preocupação: constatar que não é fácil entrar na praça pública da investigação e do
desenvolvimento do conhecimento das diferentes culturas. Na verdade, tem-se a impressão
que a razão cristã tem dificuldades em encontrar interlocutores nesses ambientes que,
nos nossos dias, detêm as energias e o poder no mundo da investigação, sobretudo no
campo tecnológico e económico. Esta situação é, por isso, lida como um desafio para
a Igreja e, portanto, um campo de particular atenção para a nova evangelização. 156.
Em continuidade com a Tradição da Igreja, na esteira da Encíclica do beato João Paulo
II, Fides et Ratio, o Papa Bento XVI reafirmou várias vezes a complementaridade entre
a fé e a razão. A fé alarga os horizontes da razão e a razão preserva a fé da possível
deriva irracional ou dos abusos da razão. A Igreja, sempre atenta à dimensão intelectual
da educação, da qual testemunham numerosas universidades e institutos superiores de
estudo, está empenhada na pastoral universitária, favorecendo o diálogo com os cientistas.
Neste âmbito, os cientistas cristãos ocupam um lugar especial: compete-lhes testemunhar,
com a sua actividade e, sobretudo, com a sua vida que a razão e a fé são duas asas
que levam a Deus, que a fé cristã e a ciência, entendida correctamente, podem enriquecer-se
reciprocamente para o bem da humanidade. O único limite do progresso científico é
a salvaguarda da dignidade da pessoa humana, criada à imagem de Deus, que não deve
ser objecto mas sujeito da investigação científica e tecnológica. 157. Neste capítulo
dedicado à relação entre a fé e o conhecimento, é também inserido o apelo, presente
nas respostas, à arte e à beleza, como lugar de transmissão da fé. As razões que permitem
sustentar este apelo são explicadas articuladamente, sobretudo pelas Igreja que, fortalecidas
pela sua tradição, como por exemplo as Igrejas Católicas Orientais, souberam preservar
uma relação muito estreita entre o binómio fé e beleza. Nestas tradições, a relação
entre fé e beleza não é uma simples aspiração estética. Pelo contrário. É vista como
um recurso fundamental para dar testemunho da fé e para promover um saber que seja
verdadeiramente um serviço “integral” à totalidade do ser humano. Este conhecimento
trazido pela beleza permite, como no caso da liturgia, assumir a realidade visível
na sua função originária de manifestação da comunhão universal, à qual o homem é chamado
por Deus. É ainda importante que o saber humano seja, de novo, conjugado com a sabedoria
divina, ou melhor, com a visão da criação que Deus Pai tem e que, por meio do Espírito
e do Filho, se encontra na criação. Urge salvaguardar, no cristianismo, esta função
originária do belo. A nova evangelização tem um papel importante a desempenhar neste
âmbito. A Igreja reconhece que o ser humano não vive sem a beleza. Para o cristão,
a beleza encontra-se no mistério pascal, na transparência da realidade de Cristo.
O
fundamento de toda a pastoral evangelizadora 158. O texto dos Lineamenta concluía
o capítulo dedicado à análise das acções pastorais com a intuição de fundo de Paulo
VI: a Igreja, para evangelizar, não necessita apenas de renovar as suas estratégias
mas, principalmente, de aumentar a qualidade do seu testemunho; o problema da evangelização
não é sobretudo uma questão organizativa ou estratégica, mas espiritual. “O homem
contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, ou então
se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas. [...] Será pois, pelo seu comportamento,
pela sua vida, que a Igreja há de, antes de mais nada, evangelizar este mundo; ou
seja, pelo seu testemunho vivido com fidelidade ao Senhor Jesus, testemunho de pobreza,
de desapego e de liberdade frente aos poderes deste mundo; numa palavra, testemunho
de santidade. Várias Igrejas particulares identificaram-se com estas palavras, sobre
a necessidade de ter testemunhas que saibam evangelizar antes de mais com a sua vida
e o seu exemplo. Elas comungam a certeza que, acima de tudo, o grande segredo da nova
evangelização é a resposta ao chamamento à santidade de cada cristão. Só pode evangelizar
quem se deixou ou se deixa evangelizar, quem é capaz de deixar-se renovar espiritualmente
pelo encontro e pela comunhão vivida com Jesus Cristo. O testemunho cristão é um encontro
entre “acções e palavras”. Estes constituem o fundamento de toda a acção evangelizadora
porque geram uma relação entre anúncio e liberdade: “Tornamo-nos testemunhas quando,
através das nossas acções, palavras e modo de ser, é Outro que aparece e Se comunica.
Pode-se afirmar que o testemunho é o meio pelo qual a verdade do amor de Deus alcança
o homem na história, convidando-o a acolher livremente esta novidade radical. No testemunho,
Deus expõe-Se por assim dizer ao risco da liberdade do homem”.
A centralidade
das vocações 159. Espera-se, neste sentido, que o próximo encontro sinodal coloque
explicitamente em agenda a centralidade da questão vocacional para a Igreja de hoje.
Espera-se que o Sínodo sobre a nova evangelização ajude todos os baptizados a tornarem-se
consciente do seu compromisso missionário e evangelizador. Perante os cenários da
nova evangelização, os testemunhos, se querem ser credíveis, devem saber utilizar
a linguagem do nosso tempo, anunciando assim, a partir de dentro, as razões da esperança
que os anima. Espera-se que todo o caminho de preparação e de recepção do trabalho
sinodal sirva para motivar novamente e aumentar o impulso e a dedicação de tantos
cristãos que já trabalham para o anúncio e a transmissão da fé; que seja um momento
de suporte e de confirmação para as famílias e a função que desempenham. Mais especificamente,
deverá prestar uma atenção particular ao ministério presbiteral e à vida consagrada,
auspiciando que o Sínodo leve à Igreja o fruto de novas vocações sacerdotais, relançando
o empenho de uma clara e decisiva pastoral vocacional. 160. Mais de uma resposta
indicou, a este respeito, que um dos sinais mais evidentes da debilidade da experiência
cristã é precisamente o enfraquecimento vocacional, que se refere seja à diminuição
e ao definhar das vocações de especial consagração no sacerdócio ministerial e na
vida consagrada, seja à difusa debilidade referente à fidelidade às grandes opções
existenciais, como por exemplo no matrimónio. Estas respostas esperam que a reflexão
sinodal retome a problemática, que se relaciona intimamente com a nova evangelização,
não tanto para constatar a crise, e não apenas para reforçar uma pastoral vocacional
que já se vem fazendo, mas muito mais, e mais profundamente, promover uma cultura
da vida entendida como vocação. 161. Na transmissão da fé é necessário ter em
conta a educação a conceber-se a si próprio em relação a Deus que chama. Aplicam-se
as palavras do Papa Bento XVI: “O Sínodo, quando sublinhou a exigência intrínseca
que tem a fé de aprofundar a relação com Cristo, Palavra de Deus entre nós, quis também
evidenciar que esta Palavra chama cada um em termos pessoais, revelando assim que
a própria vida é vocação em relação a Deus. Isto significa que quanto mais aprofundarmos
a nossa relação pessoal com o Senhor Jesus, tanto mais nos damos conta de que Ele
nos chama à santidade, através de opções definitivas, pelas quais a nossa vida responde
ao seu amor, assumindo funções e ministérios para edificar a Igreja. É neste horizonte
que se entendem os convites feitos pelo Sínodo a todos os cristãos para aprofundarem
a relação com a Palavra de Deus, não só como baptizados mas também enquanto chamados
a viver segundo os diversos estados de vida”. Um dos sinais da eficácia da nova evangelização
será a redescoberta da vida como vocação e o surgir de vocações ao seguimento radical
de Cristo.
Conclusão
“Ides receber uma força, a do Espírito Santo,
que descerá sobre vós” (Act 1, 8)
162. Com a sua vinda até nós, Jesus
Cristo comunicou-nos a vida divina que transfigura a face da terra, fazendo novas
todas as coisas (cf. Ap 21, 5). A sua Revelação envolveu-nos, não apenas como destinatários
da salvação que nos foi dada, mas também como seus anunciadores e testemunhas. O Espírito
do Ressuscitado habilita, deste modo, a nossa vida para o anúncio eficaz do Evangelho
em todo o mundo. É a experiência da primeira comunidade cristã que via o difundir-se
da Palavra mediante a pregação e o testemunho (cf. Act 6, 7). 163. Cronologicamente,
a primeira evangelização teve início no dia do Pentecostes, quando os Apóstolos, todos
reunidos no mesmo lugar em oração com a Mãe de Cristo, receberam o Espírito Santo
(cf. Act 1, 14; 2, 1-3). Aquela que, segundo as palavra do Arcanjo, é “cheia de graça”
(Lc 1, 28), encontra-se assim na via da evangelização apostólica, e em todas as vias
nas quais os sucessores dos Apóstolos se colocam para anunciar o Evangelho. 164.
Nova evangelização não significa um “novo Evangelho”, porque “Jesus Cristo é o mesmo,
ontem, hoje e pelos séculos” (Heb 13, 8). Nova evangelização significa dar resposta
adequada aos sinais dos tempos, às necessidades dos homens e dos povos de hoje, aos
novos cenários que mostram a cultura por meio da qual exprimimos a nossa identidade
e procuramos o sentido da nossa existência. Nova evangelização significa, por isso,
promoção de uma cultura mais profundamente radicada no Evangelho. Quer dizer descobrir
o “homem novo” (Ef 4, 24) que está em nós graças ao Espírito dado por Jesus Cristo
e pelo Pai. Que a celebração da próxima Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos
seja para a Igreja como um novo Cenáculo, onde os sucessores dos Apóstolos, reunidos
em oração juntamente com a Mãe de Cristo, que foi invocada como a “Estrela da Nova
Evangelização”, preparam as vias da nova evangelização. 165. Deixemos que sejam
uma vez mais as palavras de João Paulo II, que tanto se debateu por ela, a explicar
a palavra: nova evangelização significa “reacender em nós o zelo das origens, deixando-nos
invadir pelo ardor da pregação apostólica que se seguiu ao Pentecostes. Devemos reviver
em nós o sentimento ardente de Paulo que o levava a exclamar: «Ai de mim se não evangelizar!»
(1 Cor 9,16). Esta paixão não deixará de suscitar na Igreja uma nova missionariedade,
que não poderá ser delegada a um grupo de « especialistas », mas deverá corresponsabilizar
todos os membros do povo de Deus. Quem verdadeiramente encontrou Cristo, não pode
guardá-Lo para si; tem de O anunciar. É preciso um novo ímpeto apostólico, vivido
como compromisso diário das comunidades e grupos cristãos”.
Jesus Cristo,
Evangelho que dá esperança 166. Hoje, nós sentimos a necessidade de um princípio
que nos dê esperança, que nos permita olhar para o futuro com os olhos da fé, sem
lágrimas de desespero. Enquanto Igreja, temos este princípio, esta fonte de esperança:
Jesus Cristo, morto e ressuscitado, presente no meio de nós com o seu Espírito, que
nos dá a experiência de Deus. Temos, no entanto, muitas vezes a impressão de não conseguirmos
dar corpo a esta esperança, de não conseguirmos “fazê-la nossa”, de não fazer dela
palavra viva para nós e para os nossos contemporâneos, de não a assumir como fundamento
das nossas acções pastorais e da nossa vida eclesial. A este respeito, temos uma
clara palavra de ordem para uma pastoral presente e futura: nova evangelização, isto
é, nova proclamação da mensagem de Cristo, que infunde alegria e liberta-nos. Esta
palavra de ordem alimenta a esperança da qual sentimos necessidade: a contemplação
da Igreja nascida para evangelizar conhece a fonte profunda das energias para o anúncio. “Sentimo-nos
encorajados no nosso Deus a anunciar-vos o Evangelho de Deus no meio de grande luta”
(1 Ts 2, 2). A nova evangelização impele-nos a um testemunho da fé que frequentemente
assume os contornos do combate e da luta. A nova evangelização fortalece cada vez
mais a relação com o Senhor Jesus Cristo, porque apenas Nele reside a certeza para
olhar o futuro e a garantia de um amor autêntico e duradoiro.
A alegria
de evangelizar 167. Nova evangelização significa dar razões da nossa fé, comunicando
o Logos da esperança ao mundo que aspira à salvação. Os homens têm necessidade da
esperança para poder viver o próprio presente. Por esta razão, a Igreja é missionaria
na sua essência e oferece a Revelação do rosto de Deus que, em Jesus Cristo, tomou
um rosto humano e nos amou até ao fim. As palavras de vida eterna que nos são dadas
no encontro com Jesus Cristo são para todos, para cada homem. Cada pessoa do nosso
tempo, quer o saiba ou não, tem necessidade deste anúncio. 168. Na verdade, a
ausência desta consciência gera solidão e desconforto. Entre os obstáculos à nova
evangelização está precisamente a falta de alegria e de esperança que situações deste
tipo geram e difundem entre os homens do nosso tempo. Muitas vezes, esta falta de
alegria e de esperança é de tal modo forte que corrói o próprio tecido das nossas
comunidades cristãs. A nova evangelização propõe-se, nestes contextos, também como
fármaco para dar alegria e vida contra todo o tipo de medo. Em semelhantes contextos
é imperativo revigorar a nossa fé, como nos pede o Papa Bento XVI: “Solícita a identificar
os sinais dos tempos no hoje da história, a fé obriga cada um de nós a tornar-se sinal
vivo da presença do Ressuscitado no mundo. Aquilo de que o mundo tem hoje particular
necessidade é o testemunho credível de quantos, iluminados na mente e no coração pela
Palavra do Senhor, são capazes de abrir o coração e a mente de muitos outros ao desejo
de Deus e da vida verdadeira, aquela que não tem fim”. 169. Olhemos, por isso,
para a nova evangelização com entusiasmo. Aprendamos a doce e confortante alegria
de evangelizar, mesmo quando parece que o anúncio é uma semente nas lágrimas (cf.
Slm 126, 6). Ao mundo que procura respostas às grandes questões sobre o sentido da
vida e da verdade, que lhe seja possível viver com renovada surpresa a alegria de
encontrar testemunhas do Evangelho que, com a simplicidade e a credibilidade da sua
vida, sabem mostrar o poder transfigurador da fé cristã. Como afirmava Paulo VI: “Que
isto constitua, ainda, a grande alegria das nossas vidas consagradas. E que o mundo
do nosso tempo que procura, ora na angústia, ora com esperança, possa receber a Boa
Nova dos lábios, não de evangelizadores tristes e descoroçoados, impacientes ou ansiosos,
mas sim de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor, pois foram quem recebeu
primeiro em si a alegria de Cristo, e são aqueles que aceitaram arriscar a sua própria
vida para que o reino seja anunciado e a Igreja seja implantada no meio do mundo”.
“Não temais!”: é a palavra do Senhor (cf. Mt 14, 27) e do anjo (cf. Mt 28, 5) que
sustenta a fé dos anunciadores, dando-lhes força e entusiasmo. Seja também esta a
palavra dos anunciadores, que sustentam e nutrem o caminho de cada homem para o encontro
com Deus. “Não temais!” seja a palavra da nova evangelização, com a qual, a Igreja,
animada pelo Espírito Santo, anuncia “até aos confins do mundo” (Act 1, 8) Jesus Cristo,
Evangelho de Deus, para a fé dos homens.
ÍNDICE
Prefácio III Introdução
1 Pontos de referência 1 As expectativas em relação ao Sínodo 2 O tema
da Assembleia Sinodal 2 Do Concílio Vaticano II à Nova Evangelização 4 A estrutura
do Instrumentum laboris 7
Primeiro capítulo Jesus Cristo, Evangelho de
Deus para o homem 9 Jesus Cristo, o Evangelizador 10 A Igreja, evangelizada
e evangelizadora 12 O Evangelho, dom para cada homem 14 O dever de evangelizar
16 Evangelização e renovação da Igreja 18
Segundo capítulo Tempo de
nova evangelização 21 A pergunta sobre a “nova evangelização” 22 Os cenários
da nova evangelização 25 As novas fronteiras do cenário comunicativo 28 As
mudanças do cenário religioso 29 Viver como cristãos nestes cenários 31 Missio
ad gentes, cuidado pastoral, nova evangelização 34 Transformações da paróquia
e nova evangelização 35 Uma definição e o seu significado 38
Terceiro
capítulo Transmitir a fé 41 O primado da fé 42 A Igreja transmite a fé
que ela mesma vive 44 A pedagogia da fé 45 Os sujeitos da transmissão da fé
48 A família, lugar exemplar de evangelização 50 Chamados a evangelizar 51 Dar
razões da própria fé 52 Os frutos da fé 54
Quarto capítulo Reavivar
a acção pastoral 59 A iniciação cristã, processo evangelizador 60 A exigência
do primeiro anúncio 62 Transmitir a fé, educar o homem 65 Fé e conhecimento
67 O fundamento de toda a pastoral evangelizadora 69 A centralidade das vocações
69
Conclusão 71 Jesus Cristo, Evangelho que dá esperança 72 A alegria
de evangelizar 73