Belo Horizonte (RV) - Chama a atenção o fascínio que a nobreza de uma monarquia,
ainda hoje, opera sobre pessoas, com ecos e força determinante na vida de uma sociedade.
A razão desse fascínio estaria no forte aspecto espetacular? Espetáculos sempre chamam
atenção, são muito atraentes e influenciam interesses e apoios. Contudo, não convém
considerar o espetacular como sinônimo da nobreza que atrai. Ainda que misturada
ao espetáculo, a nobreza pode ser considerada um sinal esperançoso, no imaginário
da sociedade e na vida das pessoas, de que é possível reverter o desencantamento que
ainda viceja no tecido pós-moderno. Também pode ser sinal de que a dinâmica da realeza
tem força de recuperar tudo o que tem caído no relativismo, capaz de permitir a adoção
de condutas permissivas, a corrupção e a delinquência. A delinquência dos que são
dizimados pelas dependências, químicas e outras, até aquela que desconsidera o próximo,
incapaz de levar em conta o grande princípio da fé cristã, o outro como mais importante.
O fascínio pela nobreza configurada, por exemplo, na instituição monárquica, desafia,
de certo modo, os percursos no entendimento deste fenômeno. Salve a nobreza! É
preciso buscar o sentido de nobreza noutros contextos, que vão além de regimes políticos.
A busca da nobreza é indispensável. Sem seu sentido e sua vivência será quase impossível
encontrar saídas para a crise existencial e cultural que se abate sobre esse tempo.
A festa de Corpus Christi, celebrada em toda a Igreja Católica no mundo inteiro, é
um paradigma perfeito em busca do entendimento da verdadeira nobreza que tem força
de fascínio e que ultrapassa o espetacular para ser lição e exercício. No centro
do fascínio que a festa de Corpus Christi suscita e alimenta está Cristo, o único
Senhor e Salvador. A Eucaristia celebra e condensa o mistério de amor que o Filho
de Deus, Cristo Jesus, amorosamente obediente ao Pai Criador, vivenciou no Tríduo
Pascal, na quinta-feira santa, durante a Última Ceia, e nas horas sucessivas, da agonia
do Getsêmani, com sua paixão, morte na cruz e ressurreição. A nobreza do Filho de
Deus que se oferece é a redenção do mundo. Essa nobreza da oblação de Cristo Jesus
pela salvação do mundo é o mistério da fé. Não é um espetáculo para fascinar, contemplado
de longe, acendendo gosto de participação e de ocupação daquele lugar apenas como
sonho irrealizável. A nobreza revelada em cada celebração da Eucaristia tem força
de produzir o enlevo cujo fascínio resulta em participação na graça da redenção. Redimir-se
é recompor e reconquistar o sentido da própria dignidade de filho e filha de Deus,
o dom mais importante e, ao mesmo tempo, a relevância maior de cada pessoa. Na filiação
divina está a nobreza maior por ser a dignidade mais rica, desdobrando-se em sentido
e compromisso de fraternidade e solidariedade. O ser fraterno e solidário é a expressão
mais espetacular e fascinante da vivência da própria dignidade de filho e filha de
Deus. A nobreza não é de alguns. É a condição possível e indispensável de cada um.
Por isso, a Igreja Católica nasce e vive da Eucaristia, como nasce e vive da Palavra
de Deus, verdadeiro alimento e verdadeira bebida. Celebrar a Eucaristia, testemunhá-la
no compromisso com a verdade, com o bem e com a justiça e adorá-la é ter uma fonte
inesgotável de santidade. Nobreza, portanto, na fé cristã, é sinônimo e compromisso
com a santidade de vida. Vida santa é vida nobre. Quem é nobre está construindo
sua vida na santidade. Não é fascínio de cores, de luzes, de lugares ou de gestos
e movimentos. Só há nobreza quando cada pessoa se faz dom. A Eucaristia é fonte inesgotável
de nobreza porque é dom por excelência. É dom da pessoa de Cristo Salvador e Redentor.
Quando a Igreja celebra a Eucaristia, memorial da morte e ressurreição do seu Senhor,
este acontecimento central de salvação torna-se realmente presente e realiza-se também
a obra de nossa redenção. Esse é, pois, o mais perfeito sentido de nobreza que
tem propriedades inigualáveis para iluminar a realidade. Uma iluminação que impulsiona
na direção do compromisso de mudar a humanidade, embaraçada em tantas desfigurações.
A nobreza do dom de si é o fermento mais indispensável para a cidadania, que pode
se tornar sinônimo de nobreza. A festa de Corpus Christi, também como testemunho público
de fé, é oportunidade de renovação, como cada Eucaristia celebrada, vivida e testemunhada,
para que não se perca o sentido da vida em Deus, que ultrapassa o tempo e a história.
É o caminho para que o mundo encontre um rumo novo. É o momento de aprender a nobreza
do Filho de Deus e dar rosto novo à humanidade. Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo
metropolitano de Belo Horizonte