2012-06-06 16:59:27

Milão: uma profecia da esperança


“Família, Trabalho, Festa”. No fim prevaleceu a festa. E como povo da festa, os africanos não podiam faltar. Vieram numerosos do pequeno arquipélago de São Tomé e Príncipe, da grande República Democrática do Congo, de Angola, da Tanzânia… Tal como todas as pessoas que tomaram parte no encontro regressaram com o coração cheio de alegria e esperança. E também uma ideia clara: a festa, como todos os âmbitos da vida humana, deve ser programada, pensada, orientada para o reforço do diálogo, da união, da comunhão que Cristo nos ensinou, evitando discórdias, esbanjamentos, exageros.

No fundo, o VII Encontro Mundial das Famílias que reuniu em Milão, de 31 de Maio a 3 de Junho, mais de um milhão de pessoas foi mesmo isto: uma grande festa em que, entre músicas e testemunhos, se reflectiu sobre os grandes problemas que inquietam hoje em dia a grande família humana a partir da sua célula fundamental: as famílias.

Semelhanças e diferenças foram confrontadas num esforço de difusão a nível mundial dos valores positivos da família que, não obstante a ameaça global das tendências contrárias, são ainda fortes. A África, “pulmão espiritual” do mundo, como a definiu Bento XVI, tem muito a dar também neste âmbito. O modelo de família alargada que ainda prevalece no continente e em que todos são acolhidos e o pão é partilhado, pode servir de exemplo àquelas áreas do mundo, onde impera, pelo contrário, o individualismo e a família nuclear. Mas como em todos os autênticos “encontros do dar e do receber”, também a África deve estar atenta a não sufocar a pequena família em favor da grande. Nisto pode, talvez, aprender algo daqueles que desde tempos remotos cultivam o modelo nuclear de família.

No que toca ao trabalho, o problema é geral: desemprego, insegurança, salários baixos… Basta pensar no testemunho que a família Paleólogos submeteu ao Papa. O seu país, a Grécia, está à beira do abismo económico-financeiro. Foi necessário a intervenção do FMI e todo o esforço da EU para tentar salvá-lo. E não está ainda fora de perigo. A África esteve ao longo de anos sob o punho de ferro do FMI. E está ainda a sofrer as consequências. Foi salva da morte pela chamada economia “informal”, tolerada pelos governos africanos, malvista pelo FMI. Aqui no Ocidente chama-se a isto “precariedade”, “co.co.co”. Seja qual for o nome que se lhe der, a África – diz um dos prelados da África que veio ao encontro de Milão - tem experiências a partilhar neste âmbito. Até porque reina ainda nela o espírito de solidariedade, de criatividade, elementos que emergiram no encontro internacional das famílias como vias para enfrentar os problemas de trabalho e de economia no mundo. O Papa, para além da criatividade, sugeriu também o reforço e a inovação das geminações entre famílias, cidades, paróquias… E não perdeu a ocasião para recordar aos políticos que não devem prometer o que não podem dar e que governar requer espírito de justiça e de responsabilidade, precisamente como ensinava o padroeiro de Milão, Santo Ambrósio. A economia, foi dito, não deve ser uma forma de lucro fim a si mesmo. Deve, levar, isso sim, a um são bem-estar da pessoa humana. Tudo isto requer políticas sérias para a família. O caminho a percorrer em direcção a isto é ainda longo. Mas, nisto também, o encontro de Milão foi uma profecia da esperança.

Diversas conferências episcopais convidaram os ministros da família dos seus respectivos Estados a participar. Alguns responderam positivamente. Para nos limitarmos à África, de Cabo Verde veio o Secretário Executivo do Ministério que se ocupa da família; a Ministra angolana da Família e Promoção da Mulher esteve ao longo de todo o encontro ao lado dos cerca de 150 cidadãos do seu país e dos três bispos que os acompanhavam. Empenhada num triénio de intensificação das pastoral familiar (2011-2013), a Conferência Episcopal angolana aprecia muito o esforço de reconstrução do tecido familiar, lacerado por 40 anos de guerra e ameaçado pelos contravalores culturais do presente.

Enfim, uma esperança de que as políticas estatais não se afastem muito das preocupações da Igreja em relação à família e ponha no centro a defesa da vida e do bem comum; ou seja, a família vista como “igreja domestica” e ponto de partida para a construção da “Igreja, família de Deus”. Este conceito, antigo na Igreja universal, mas retomado e relançado pelo Sínodo dos Bispos para a África em 1994, só poderá concretizar-se se a “igreja doméstica” for realmente tal, quer dizer, lugar de construção da justiça, da reconciliação, da paz, de oração, de ajuda mútua, frisou por sua vez, em 2009, o 2º Sínodo para a África, de que “Africae Munus” é o documento final emanado pelo Santo Padre.

Fé e oração como linfa para ultrapassar todos os problemas que afligem a família é uma outra certeza que os africanos trouxeram para o encontro de Milão e que levam de novo para casa, mas numa versão ainda mais sólida, convictos de que mesmo que os tempos e as culturas mudem, o amor, a compreensão, a unidade, de que a Família de Nazaré é o modelo por excelência, permanecem sempre válidos.

Bento XVI voltou a sublinhar a sacralidade e a indissolubilidade do matrimónio, entendido como união entre uma mulher e um homem e virado para a procriação como único modelo capaz de garantir um crescimento são da sociedade. O “sim para sempre” entre os esposos permanece, portanto, incontornável e deve ser sempre alimentado com o amor e o discernimento, esclareceu o Papa ao responder, no diálogo com as famílias, ao par de namorados do Madagáscar que disseram olhar para essa expressão com fascínio e medo aos mesmo tempo.

A África estava portanto bem representada na Festa da Família em Milão. Também a sua diáspora mostrou o rosto criativo, aberto, fraterno deste continente: de entre os 6 mil voluntários, muitos eram africanos do Quénia, do Ruanda... residentes na grande Milão. Tal como eles também os grupos musicais “Sahuti Wa África” e “Elikia”, seleccionados para o serão da “Festa dos Testemunhos” no Parque do Aeroporto de Bresso, periferia norte de Milão. Para eles, a música, impregnada de fé, é uma forma de interacção com outros imigrados e com os italianos e uma ocasião para darem a conhecer os valores mais belos da África. Nessa mesma linha de comunhão, solidariedade e paz inscreve-se a arte musical de Saba Anglana, Dudu Manhenga, Fifito, também eles africanos, da diáspora e não só, que subiram àquele palco, donde o mundo das famílias se uniu ao Papa em solidariedade com as vítimas do terramoto na vizinha Emília Romagna; um símbolo imediato da solidariedade em relação a quem sofre, estejam eles próximos ou longe de nós. Ninguém está imune ao sofrimento, mas isto não nos deve impedir de exprimir a nossa própria solidariedade e ajuda em relação ao outro, imagem de um Deus próximo, daquele Deus que sofreu connosco e para nós – lembrou Bento XVI no concerto Alla Scala. Ali ressoou o “Hino à Alegria” do poeta alemão, Shiller, nas melodias de Beethoven – um outro momento forte da Festa da Família que viu mãos, corações, intelectos de todo o mundo unir-se alegres para procurar soluções aos problemas da humanidade. Uma demonstração de que não obstante os canoeiros que remam em sentido contrário, a Família permanece sólida e constitui a esperança de uma “ecologia humana”. Um outro sinal positivo: o grande e generoso acolhimento que as famílias de Milão proporcionaram às congéneres vindas de longe. Enfim, uma profecia da esperança para a Família em si e com ela toda a humanidade, uma humanidade onde a vida, a Eucaristia, são sempre sinais, motivos e, ao mesmo tempo, aspectos concretos da Festa.

Por: Dulce Araújo – Programa Português /Rádio Vaticano








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