Congregação para a Doutrina da Fé toma posição sobre obra de uma religiosa americana
sobre aspetos da moral sexual
A Congregação para a Doutrina da Fé acaba de publicar uma Notificação sobre a obra
de uma religiosa americana, sublinhando os pontos em que a autora se coloca em aberto
contraste com o magistério da Igreja Católica, no que diz respeito à masturbação,
aos atos homossexuais, às uniões homossexuais, à indissolubilidade do matrimónio e
ao problema do divórcio e segundas núpcias. Trata-se da Irmã Margaret Fraley (da congregação
religiosa americana das Irmãs da Misericórdia) e da obra “Basta amar. Um enquadramento
para a Ética Sexual Cristã”, publicada em 2006, em Nova Iorque. Após repetidos
contactos, desde Março de 2010, através das suas superioras, com a autora da obra,
e a interpretação por ela fornecida sobre os seus escritos, a Congregação para a Doutrina
da Fé, exprime agora “profundo pesar por um membro de um Instituto de Vida Consagrada
afirmar posições em direto contaste com a doutrina católica no âmbito da moral sexual”e
previne os fiéis de que a referida obra “não é conforme à doutrina da Igreja, não
podendo portanto ser utilizada como válida expressão da doutrina católica nem para
a direção espiritual e formação, nem para o diálogo ecuménico e inter-religioso”.
Eis o texto integral do documento da Congregação para a Doutrina da Fé
Notificação
sobre o livro "Just Love. A Framework for Christian Sexual Ethics", Irmã Margaret
A. Farley, R.S.M.
Introdução
A Congregação para a Doutrina da Fé,
depois de um primeiro exame do livro da Irmã Margaret A. Farley, R.S.M., Just Love.
A Framework for Christian Sexual Ethics (New York: Continuum, 2006), endereçou à autora
por meio dos bons ofícios de Irmã Mary Waskowiak, então Superiora Geral das Sisters
of Mercy of the Americas, com carta de 29 de março de 2010, uma avaliação preliminar
abrangente, indicando os problemas doutrinais presentes no texto. A resposta de 28
de outubro de 2010, enviada pela Irmã Farley, não foi suficiente para esclarecer os
problemas indicados. Como o caso se referisse a erros doutrinários presentes num livro
cuja publicação se revelara causa de confusão entre os fiéis, a Congregação decidiu
empreender um “exame para casos de urgência”, segundo o Regulamento para o exame doutrinal
(cf. cap. IV, art. 23-27). A propósito, depois da avaliação feita por uma Comissão
de especialistas (cf. art. 24), a Sessão Ordinária da Congregação, em data de 8 de
junho de 2011 confirmou que o livro em questão continha proposições errôneas, e que
a sua divulgação implicava riscos de graves danos aos fiéis. Sucessivamente, com carta
de 5 de julho de 2011, foi transmitida à Irmã Waskowiak a lista das proposições errôneas,
pedindo que quisesse convidar a Irmã Farley a corrigir as teses inaceitáveis contidas
no seu livro (cf. art. 25-26). Com carta de 3 de outubro de 2011, a Irmã Patrícia
McDermott, que entrementes se sucedera à Irmã Mary Wakowiak como Superiora Geral das
Sisters of Mercy of the Americas, transmitiu à Congregação a resposta da Irmã Farley,
acompanhada pelo próprio parecer e do de Irmã Waskowiak, em conformidade com o art.
27 do supracitado Regolamento. Esta resposta, avaliada pela Comissão de especialistas,
foi submetida à Sessão Ordinária para discernimento, aos 14 de dezembro de 2011. Em
tal ocasião, considerando que a resposta da Irmã Farley não esclarecia adequadamente
os graves problemas contidos no seu livro, tomou-se a decisão de proceder à publicação
desta Notificação.
1. Problemas de caráter geral
A Autora não apresenta
uma compreensão correta do papel do Magistério da Igreja como ensinamento autorizado
dos Bispos em comunhão com o Sucessor de Pedro, que guia a compreensão sempre mais
profunda, por parte da Igreja, da Palavra de Deus, como se encontra na Sagrada Escritura,
e transmitida fielmente pela tradição viva da Igreja. Ao tratar de argumentos de caráter
moral, Irmã Farley ou ignora o ensinamento constante do Magistério ou, quando o menciona
ocasionalmente, o trata como uma opinião entre outras. Uma tal posição não pode ser
justificada de modo algum, nem mesmo ao interno de uma prospectiva ecumênica que a
Autora deseja promover. Irmã Farley revela outrossim uma compreensão defeituosa da
natureza objetiva da lei moral natural, escolhendo antes de argumentar partindo de
conclusões seletas de determinadas correntes filosóficas ou com a sua própria compreensão
da “experiência contemporânea”. Um tal modo de tratar não é conforme à genuína teologia
católica.
2. Problemas específicos
Dentre os numerosos erros e ambigüidades
do livro, é mister chamar a atenção para as posições a respeito da masturbação, dos
atos homossexuais, das uniões homossexuais, da indissolubilidade do matrimônio e do
problema do divórcio e das segundas núpcias.
Masturbação
Irmã Farley
escreve: “A masturbação (...) geralmente não comporta nenhum problema de caráter moral.
(...) Este é sem dúvida o caso de muitas mulheres que (...) encontraram um grande
bem no prazer buscado consigo mesmas – e talvez exatamente na descoberta das suas
próprias possibilidades em relação ao prazer -, algo que muitas nem tinham experimentado
e nem mesmo conhecido no tocante às suas relações sexuais ordinárias com maridos ou
amantes. Neste sentido, é possível afirmar que a masturbação de fato favorece as relações
muito mais do que as obstacula. Por isso a minha observação conclusiva é que os critérios
da justiça, assim como os apresentei até agora, pareceriam aplicáveis à escolha de
provar prazer sexual auto-erótico somente enquanto esta atividade pode favorecer ou
danificar, mantém ou limita, o bem-estar e a liberdade de espírito. E esta resta amplamente
uma questão de caráter empírico, não moral” (p. 236). Estas afirmações não são
conformes à doutrina católica: “Na linha duma tradição constante, tanto o Magistério
da Igreja como o sentido moral dos fiéis têm afirmado sem hesitação que a masturbação
é um ato intrínseca e gravemente desordenado». «Seja qual for o motivo, o uso deliberado
da faculdade sexual fora das normais relações conjugais contradiz a finalidade da
mesma». O prazer sexual é ali procurado fora da «relação sexual requerida pela ordem
moral, que é aquela que realiza, no contexto dum amor verdadeiro, o sentido integral
da doação mútua e da procriação humana. Para formar um juízo justo sobre a responsabilidade
moral dos sujeitos, e para orientar a ação pastoral, deverá ter-se em conta a imaturidade
afetiva, a força de hábitos contraídos, o estado de angústia e outros fatores psíquicos
ou sociais que podem atenuar, ou até reduzir ao mínimo, a culpabilidade moral.”
Atos
homossexuais
Irmã Farley escreve: “Do meu ponto de vista (...), as relações
homossexuais o os atos homossexuais podem ser justificados, de acordo com a mesma
ética sexual, exatamente como as relações e os atos heterossexuais. Por isso, as pessoas
com inclinações homossexuais, assim como os seus respectivos atos, podem e devem ser
respeitados, indiferentemente de haver ou não a alternativa de serem diferentes” (p.
295). Tal posição não é aceitável. A Igreja Católica, de fato, distingue entre
pessoas com tendências homossexuais e atos homossexuais. Quanto às pessoas com tendências
homossexuais, o Catecismo da Igreja Católica ensina que as mesmas devem ser acolhidas
“com respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á, em relação a eles, qualquer sinal
de discriminação injusta”. No entanto, quanto aos atos homossexuais o Catecismo afirma:
“Apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como depravações graves a Tradição
sempre declarou que «os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados.
São contrários à lei natural, fecham o ato sexual ao dom da vida, não procedem duma
verdadeira complementaridade afetiva sexual, não podem, em caso algum, ser aprovados”.
Uniões
homossexuais
Irmã Farley escreve: “Legislações sobre a não discriminação dos
homossexuais, como também sobre os casais de fato, as uniões civis e os matrimônios
gay, podem ter um papel importante na transformação do ódio, da marginalização e da
estigmatização de gays e lésbicas, o que se reforça ainda hoje com ensinamentos a
respeito do sexo “contra a natureza”, desejo desordenado ou amor perigoso. (...) Uma
das questões mais urgentes do momento, diante da opinião pública dos Estados Unidos,
é o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo – equivale a dizer a concessão de um reconhecimento
social e de uma qualificação jurídica às uniões homossexuais, sejam masculinas ou
femininas, comparáveis às uniões entre heterossexuais” (p. 293). Tal posição é
oposta ao ensinamento do Magistério: “A Igreja ensina que o respeito para com as pessoas
homossexuais não pode levar, de modo nenhum, à aprovação do comportamento homossexual
ou ao reconhecimento legal das uniões homossexuais. O bem comum exige que as leis
reconheçam, favoreçam e protejam a união matrimonial como base da família, célula
primária da sociedade. Reconhecer legalmente as uniões homossexuais ou equipará-las
ao matrimônio, significaria, não só aprovar um comportamento errado, com a consequência
de convertê-lo num modelo para a sociedade atual, mas também ofuscar valores fundamentais
que fazem parte do patrimônio comum da humanidade. A Igreja não pode abdicar de defender
tais valores, para o bem dos homens e de toda a sociedade”. “Em defesa da legalização
das uniões homossexuais não se pode invocar o princípio do respeito e da não discriminação
de quem quer que seja. Uma distinção entre pessoas ou a negação de um reconhecimento
ou de uma prestação social só são inaceitáveis quando contrárias à justiça. Não atribuir
o estatuto social e jurídico de matrimônio a formas de vida que não são nem podem
ser matrimoniais, não é contra a justiça; antes, é uma sua exigência”.
Indissolubilidade
do matrimônio
Irmã Farley escreve: “A minha posição pessoal é que o empenho
matrimonial seja sujeito à dissolução pelas mesmas razões fundamentais pelas quais
todo empenho permanente, extremamente grave e quase incondicionado, pode cessar de
exigir um vínculo. Isto implica que existam de fato situações nas quais as coisas
mudaram demais – um ou os dois partner mudaram, a relação entre eles mudou, a razão
original do seu compromisso recíproco parece completamente extinta. O sentido de um
compromisso permanente é ademais exatamente aquele de vincular a despeito de todas
as mudanças que podem aparecer. Mas é possível de sustentá-lo sempre? É possível sustentá-lo
apesar de mudanças radicais e imprevistas? A minha resposta é: às vezes não é possível.
Às vezes a obrigação pode ser desfeita e o compromisso pode ser legitimamente modificado”(págs.
304-305). Uma opinião semelhante está em contradição com a doutrina católica sobre
a indissolubilidade do matrimônio: “Pela sua própria natureza, o amor conjugal exige
dos esposos uma fidelidade inviolável. Esta é uma consequência da doação de si mesmos
que os esposos fazem um ao outro. O amor quer ser definitivo. Não pode ser «até nova
ordem». «Esta união íntima, enquanto doação recíproca de duas pessoas, tal como o
bem dos filhos, exigem a inteira fidelidade dos cônjuges e reclamam a sua união indissolúvel».
O motivo mais profundo encontra-se na fidelidade de Deus à sua aliança, de Cristo
à sua Igreja. Pelo sacramento do Matrimônio, os esposos ficam habilitados a representar
esta fidelidade e a dar testemunho dela. Pelo sacramento, a indissolubilidade do Matrimônio
adquire um sentido novo e mais profundo. O Senhor Jesus insistiu na intenção original
do Criador, que queria um matrimônio indissolúvel. E abrogou as tolerâncias que se
tinham infiltrado na antiga Lei. Entre batizados, o matrimônio rato e consumado não
pode ser dissolvido por nenhum poder humano, nem por nenhuma causa, além da morte”.
Divórcio
e segundas núpcias
Irmã Farley escreve: “Se há filhos do matrimônio, os ex-cônjuges
deverão ajudar-se reciprocamente por anos, talvez por toda a vida, no projeto familiar
empreendido. De qualquer modo, as vidas de duas pessoas uma vez casadas continuam
marcadas pela experiência do matrimônio. A profundidade daquilo que resta admite graus,
mas algo resta. No entanto, aquilo que resta impede um segundo matrimônio? Acho que
não. Qualquer tipo de obrigação que implique um empenho não deve incluir a proibição
de um novo matrimônio – pelo menos não tanto quanto a ligação atual entre os esposos
resulte numa tal proibição para quem continua vivo depois da morte do cônjuge” (p.
310). Tal visão contradiz a doutrina católica que exclui a possibilidade de segundas
núpcias depois de um divórcio: “Hoje em dia e em muitos países, são numerosos os católicos
que recorrem ao divórcio, em conformidade com as leis civis, e que contraem civilmente
uma nova união. A Igreja mantém, por fidelidade à palavra de Jesus Cristo («quem repudia
a sua mulher e casa com outra comete adultério em relação à primeira; e se uma mulher
repudia o seu marido e casa com outro, comete adultério»: Mc 10, 11-12), que não pode
reconhecer como válida uma nova união, se o primeiro Matrimônio foi válido. Se os
divorciados se casam civilmente, ficam numa situação objetivamente contrária à lei
de Deus. Por isso, não podem aproximar-se da comunhão eucarística, enquanto persistir
tal situação. Pelo mesmo motivo, ficam impedidos de exercer certas responsabilidades
eclesiais. A reconciliação, por meio do sacramento da Penitência, só pode ser dada
àqueles que se arrependerem de ter violado o sinal da Aliança e da fidelidade a Cristo
e se comprometerem a viver em continência completa.”
Conclusão
Com
esta Notificação, a Congregação para a Doutrina da Fé expressa profundo pesar pelo
fato de que um membro de um Instituto de Vida Consagrada, a Irmã Margaret A. Farley,
R.S.M., afirme posições em contraste direto com a doutrina católica no âmbito da moral
sexual. A Congregação previne os fiéis de que o livro Just Love. A Framework for Christian
Sexual Ethics não é conforme à doutrina da Igreja e portanto não pode ser utilizado
como válida expressão da doutrina católica nem para a direção espiritual e formação,
nem para o diálogo ecumênico e inter-religioso. A Congregação deseja além disso encorajar
os teólogos a fim de que prossigam na tarefa do estudo e do ensinamento da teologia
moral em plena conformidade com os princípios da doutrina católica.
O Sumo
Pontífice Bento XVI, durante a Audiência concedida ao abaixo assinado Cardeal Prefeito,
em data de 16 de março de 2012 aprovou a presente Notificação, decidida na Sessão
Ordinária desta Congregação em data de 14 de março de 2012, e mandou que se publicasse.
Roma,
da Sede da Congregação para a Doutrina da Fé, 30 de março de 2012.
William
Cardeal Levada Prefeito
+ Luís F. Ladaria, S.I. Arcebispo tit. de Thibica Secretário