Estupro como arma de guerra na África. Ouça entrevista!
Cidade do Vaticano (RV) - "O estupro como arma
de guerra na África": este é o título de um livro que será lançado nos próximos dias,
em Roma, escrito pela nigeriana Pauline Aweto, professora universitária em Londres.
A
ideia do livro nasceu em Roma, em 2009, por ocasião do Sínodo dos bispos africanos.
Durante a presença deles aqui, houve um episódio na Guiné de uma manifestação política
onde cem pessoas foram mortas e 150 mulheres foram estupradas publicamente, num estádio.
Naquele momento, a ONU lançou uma investigação sobre o estupro como arma de guerra
na África e então o projeto deste livro foi concretizado.
A intenção de Pauline
foi ampliar este debate, para lançar o discurso muito mais abrangente da violência
contra as mulheres, como explicou em sua passagem pela Rádio Vaticano:
"O que
acontece durante a guerra é a exaltação do que se passa todos os dias e do qual ninguém
fala. Por que penalizar um crime numa guerra e não fazê-lo na cotidianidade, como
se fosse algo normal? Na verdade, o título do livro deveria ser o estupro como arma
de paz. Por exemplo, o estupro conjugal, ninguém fala disso, que é algo muito atual.
Existem muitas práticas de violência contra a mulher e o livro é um discurso sobre
a violência de gênero."
Segundo Pauline, a brutalidade é uma característica
específica deste fenômeno na África:
"Comecei olhando o estupro como arma de
guerra seja no Antigo Testamento, no saque de Roma, nos tempos modernos até de chegar
ao aspecto africano. E no livro identifiquei seis elementos da especificidade da experiência.
Por exemplo, o nível de brutalidade. De não somente matar a mulher, mas de esquartejá-la,
de torturá-la. Então é muito, muito brutal. Todas as guerras são brutais, mas o nível
de brutalidade africana é extremo. E depois há uso do machado, por exemplo, é algo
muito específico da África. Mas o que me interessa muito mais é analisar a mulher
grávida como alvo para estuprar – que vai contra qualquer razão e qualquer lógica,
sobretudo na África, em que a vida era considerada sagrada – isso é realmente algo
que não se pode entender. Por que escolher as mulheres grávidas para estuprar? Depois,
o nível público é outro elemento. Esses crimes são cometidos publicamente, para mostrar
aos outros. Normalmente, quando se comete um crime, se esconde, porém eles querem
fazer tudo publicamente. Os elementos que caracterizam a experiência africana são
muito diferentes do restante do mundo."
Mas o que está na base dessa discrepância
de gênero?
"Um pouco é culpa da cultura, de como a mulher é concebida. Vejo
a cultura africana essencialmente como violenta. Violência até mesmo no modo de falar,
no relacionamento entre homem e mulher. Citei a prática de pagar o dote, que é como
se o homem pagasse o preço pela mulher, então ela se torna minha propriedade e posso
fazer dela o que quiser. Mesmo com a globalização, há elementos africanos que nunca
se conseguem tocar, como esses aspectos culturais e tradicionais. E a mulher não consegue
falar, porque sempre sofreu, a mulher africana nasce como uma mulher que aguenta tudo,
sem refletir, deve somente aceitar. A vida da mulher está sempre ligada à vida do
homem. Durante a guerra, atingem a mulher para chegar até o homem. Não é a mulher
em si que é o alvo, mas atingem a mulher enquanto propriedade do homem. Portanto,
seria necessário rever toda a cultura, começando com a educação das meninas, com a
autoconsciência da própria vida, com a independência econômica, de a mulher poder
tomar uma decisão sem ser necessariamente ligada ao homem. Quando uma mulher é autossuficiente,
pode tomar decisões para sua vida."