Belo Horizonte (RV) - Salvaguardar o ambiente é uma das mais importantes lições
da Doutrina Social da Igreja. Trata-se de um compromisso prioritário da cidadania.
A salvaguarda do ambiente há de ser uma “urgência urgentíssima” na agenda de governos,
no rol da responsabilidade social das empresas e de tantas outras instituições. De
modo não menos especial e permanente deve ser lição diária nos processos educativos.
As
muitas formas de interação do homem com o mundo é um elemento que constitui identidades.
E nesse conjunto de interações, a relação com Deus é a referência primeira do contato
do homem com o mundo. Homem e mulher são colocados no ápice da criação divina. Deus
lhes confia a responsabilidade e a operosidade sobre toda a criação, com a grande
tarefa de tutelar a harmonia e o desenvolvimento.
Esta relação com o Criador,
fruto da experiência viva da presença divina na história, fundamento da fé do Povo
de Israel, base fundamental da concepção e vivência do Cristianismo, configura o lugar
de interlocução entre Deus e a humanidade. Só neste diálogo a criatura humana encontra
a sua verdade e, consequentemente, inspiração para os rumos do mundo. A salvaguarda
do ambiente é na sua raiz uma experiência de fé, marcada pelo diálogo entre o homem
e Deus, que faz advir a necessária iluminação ética. Uma luz que situa adequadamente
a responsabilidade e a tarefa desta tutela na criação.
É a relação especial
com Deus que explica e sustenta a posição privilegiada da criatura humana na ordem
da criação. Um privilégio que bem entendido jamais permite uma postura de usufruto
desordenado ou de depredação, como se constata na realidade contemporânea, muito marcada
pela ganância, consumismo, falta de limites e de sensibilidade.
A Páscoa de
Jesus, sua experiência de atravessar a morte e nela inserir a novidade resplandecente
da Ressurreição, é o restabelecimento da vida, na ordem e na harmonia, perdidas pelo
pecado que tudo destrói. A Doutrina Social da Igreja sublinha como lição determinante
que a consciência dos desequilíbrios entre o homem e a natureza precisa ser “acompanhada
pelo conhecimento de que, em Jesus, se realizou a reconciliação do homem e do mundo
com Deus, de sorte que cada ser humano, consciente do Amor divino, pode reencontrar
a paz perdida”.
Esta perspectiva bíblica é a força de inspiração para o uso
da terra e também para o desenvolvimento da ciência e da técnica. O esforço gigantesco
de homens e mulheres para melhorar as suas condições de vida não pode estar na contramão
do plano de Deus. Na verdade, este empenho deve sempre corresponder ao plano divino.
Do contrário, a atividade humana será provocadora de arbitrariedades, depredações
e ganâncias. Nesta perspectiva, os resultados positivos da ciência e da tecnologia
devem ser aplicáveis ao ambiente natural, à agricultura, respeitando sempre, para
além de tudo, o sentido de preservação da criação.
Essa aplicação correta da
técnica é um desafio, pois confronta certos hábitos, demandas e princípios perversos
que regem a economia e o consumo. É indispensável a prudência e uma equilibrada avaliação
da natureza para que se tenha, verdadeiramente, uma busca pelo bem-estar de todos
e sejam alcançadas soluções para grandes problemas, como a fome e as enfermidades.
A
busca permanente pelo equilíbrio deve ser cultivada a partir de um fundamento simples
e contundente: tudo é doação de Deus. Ninguém pode se considerar dono absoluto dos
bens da criação. Portanto, são inadmissíveis posturas políticas e interesses econômicos
que resultam no uso arbitrário da terra, submetendo-a, sem reservas, a vontades e
interesses.
Quando o princípio de que tudo é doação de Deus é desconsiderado,
por inúmeras razões, em si irracionais, configura-se a grave crise na relação homem-ambiente,
sintoma da ambição de exercer um domínio incondicional sobre todas as coisas, desconsiderando,
assim, inegociáveis princípios da ordem moral. Não se pode trabalhar com o pressuposto
de que existe uma quantidade ilimitada de energia e recursos a serem usados.
Como
convite a mudanças de hábitos e condutas mais cidadãs, que a consciência seja iluminada
pela concepção correta do ambiente.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo
metropolitano de Belo Horizonte