2012-02-13 16:21:08

O Islão na África do Norte - EDITORIAL


(14/2/2012) À luz das mudanças provocadas em diversos países pela chamada “Primavera Árabe”, o mundo ocidental olha para a África do Norte com grande apreensão. Efectivamente, essas mudanças levaram à queda de regimes totalitários que pareciam ser intermináveis! Trata-se de movimentos muito complexos que envolvem não só as sociedades onde se desencadearam, mas também interesses e influências internacionais. Será que as populações locais vão conseguir controlar a situação e orientar estas mudanças para o bem de todos? A situação é realmente complexa! Estas jovens democracias levaram ao poder partidos de matriz islâmica, fazendo surgir uma nova realidade e criando um certo alarmismo sobretudo entre os jovens, também nos sectores cristãos daquelas sociedades. Basta olhar para os resultados das eleições mais recentes na Tunísia, Egipto e Marrocos (país que não foi abalado pela “Primavera Árabe”, mas que, por vontade do Rei Mohammed VI, está a avançar decididamente pela via das reformas.

Estes cenários levam-nos a lançar um olhar sobre o islão e sobre a sua difusão na África do Norte tendo em conta que a presença cristã naquela região precede de mais de seis séculos o nascimento da religião islâmica e que as comunidades cristãs (católicas, ortodoxas, protestantes) são parte integrante do tecido social e da riqueza cultural dos países da região e não podem ser consideradas um corpo “estranho”, ou uma “presença” ligada a “algo” de ocidental como, por razões ligadas à ignorância e a interesses políticos, muitos movimentos islâmicos integralistas, tendem a considerá-las
A África do Norte é uma terra de antiga evangelização. O território que corresponde à actual Argélia viu nascer importantes figuras da História do cristianismo, tais como São Tertuliano, São Cipriano, Santo Agostinho, Fulgêncio, Facundo... Esta antiga presença desapareceu em 1152 quando se completou a expansão muçulmana na região no ano 709. O Magrebe foi prevalentemente islamizado, enquanto que noutras zonas da África o islão coabitou, nem sempre pacificamente, com sistemas de culto locais.

O islão ocupa um lugar proeminente em África, mesmo ao Sul do Sahara, pela sua capacidade de criar um clima religioso que leva facilmente a conversões. Além disso, o islão não é apenas um fenómeno religioso, mas também cultural, porque abre as portas à rica cultura árabe/muçulmana. Mais ainda: numa época em que as ligações entre o individuo e a família alargada é cada vez mais frouxa, o islão desempenha uma função social importante. Nele o crente muçulmano encontra facilmente apoio e assistência da parte dos seus correligionários pois que, nessa religião é praticamente inexistente a distinção de classe social.

O islão desenvolveu um seu perfil original e “personalizado” inserido em diversos contextos locais: a área egípcia, onde se desenvolveu, desde longa data, uma cultura árabe/islâmica, modelo para muitos outros países, embora a permanência cristã dos coptas seja significativa. A área magrebina, onde a difícil síntese árabe/berbere e o decisivo encontro/recontro colonial com os franceses lançaram as bases para um islão árabe ocidentalizado, aberto e conservador ao mesmo tempo, com tendência para a intransigência e a solidariedade religiosa na forma clássica de confraternidades ou na forma moderna de associações. A área nilótica, onde a procura duma fusão entre cultura árabe e cultura africana continua a gerar sobressaltos religiosos e políticos.

No Marrocos a maior parte dos cidadãos professam o Islão. Para além dos muçulmanos, o país conta também com cerca de 60 mil católicos, essencialmente franceses, e 15 mil hebreus. Embora o rei seja considerado descendente do Profeta e “Príncipe dos Crentes”, a legislação é essencialmente laica. Inscreve-se nesta linha o Código de Família (Mudawana) renovado em 2004 e que tutela os direitos da mulher de forma muito mais ampla do que as legislações de raiz islâmica noutros Estados de maioria islâmica. Também o uso de bebidas alcoólicas, embora proibido pela lei corânica, não é punido pela legislação marroquina. O mesmo se diga do calendário ocidental que é bastante seguido, sobretudo nas cidades mais importantes e turísticas, onde é, muitas vezes, o domingo e não a sexta-feira, o dia de repouso.

Na Argélia cerca de 99% da população é de religião muçulmana. O restante 1% reparte-se entre católicos e hebreus. A Igreja católica está presente no território com uma arquidiocese e três dioceses. Os católicos rondam as cinco mil pessoas.

Na Tunísia, cerca de 98% da população professa o islamismo. Para além da minoria de fé hebraica (1%), há também uma pequena componente de cristãos (1%) na sua grande maioria descendentes dos colonos franceses e italianos.

Na Líbia a religião islâmica foi proclamada religião de Estado em 1970. Os muçulmanos (na sua maioria sunitas) abrangem 97% da população, os cristãos 3%, de entre os quais se contam cerca de 40 mil católicos. Grande parte da população árabe e árabe/berbere é sunita.

No Egipto a maioria da população é muçulmana com uma percentagem que varia de 80 a 90% conforme as fontes: o restante 10-20% são em grande parte cristãos, a maioria pertencente à Igreja copta; existem pequenas minorias hebraicas (resto de uma antiquíssima comunidade florescente até meados do século XX), de baha’í e de ateus ou agnósticos. No Egipto há também um pequeno número de católicos pertencentes à comunidade católica copta que se separou da Igreja copta ortodoxa e se encontra em comunhão com a Igreja de Roma. A formação de comunidade católicas coptas no Egipto é fruto da evangelização feita primeiro pelos Franciscanos que, em 1630, fundaram uma missão no Cairo. Seguiu-se depois a dos jesuítas em 1675. Em 1824 a Santa Sé criou um patriarcado para os católicos coptas, que ficou todavia no papel. As autoridades otomanas vieram a permitir aos católicos coptas construir as próprias igrejas só em 1829. A população muçulmana no Egipto é essencialmente sunita, apenas uma minoria é chiita. A Lei magna do país prevê a existência dum Ministério para o controlo das mesquitas, da formação dos imãs (na linha da escola sunita hanafita) e da Universidade Al-Azhar, a mais prestigiosa do islão sunita. Por outro lado, nenhuma legislação civil pode ser contrária à lei do Islão.

A África pode tornar-se num exemplo para o resto do mundo no que toca à convivência pacífica e ao diálogo entre as religiões, sobretudo com o islão. A experiência do diálogo entre as religiões é vivida quotidianamente em África, em todos os âmbitos e a todos os níveis. A religião em África “não é algo separado das outras actividades da vida. É um estilo de vida” – sublinhava D. Isizoh, membro do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso. O dialogo baseia-se na vida e na cooperação “em que cada pessoa exprime os ideais da sua religião: ser bons vizinhos, ser honestos, mostrar-se solidário em relação a quem está em dificuldades, pôr meios próprios e capacidade pessoal ao serviço do bem comum, tomar parte nos processos de decisão para o progresso da sociedade, procurar lutar contra a criminalidade”.

Na Exortação Apostólica pós-sinodal “Africae Munus” o Papa Bento XVI detém-se sobre o dialogo inter-religioso escrevendo: “Exorto a Igreja, a perseverar, em toda e qualquer situação, na estima dos muçulmanos que adoram um único Deus vivo, subsistente, misericordioso e omnipotente, criador do Céu e da Terra, que falou aos homens”. Se todos nós crentes em Deus desejamos servir a reconciliação, a justiça e a paz, então devemos agir juntos a fim de pôr termo a todas as formas de discriminação, de intolerância e de fundamentalismo baseados na fé. Na sua obra social a Igreja faz distinção de religião. Ajuda os necessitados sejam eles cristãos, muçulmanos ou de Religião Tradicional Africana. Dá deste modo, testemunho de Deus, criador de todos, e encoraja os sequazes doutras religiões a ter uma atitude de respeito e de estima recíproca. Exorto toda a Igreja a procurar, mediante o dialogo paciente com os muçulmanos, o reconhecimento jurídico e prático da liberdade religiosa, por forma a que em África cada cidadão possa gozar não só do direito a uma livre escolha da própria religião e à pratica cultual, mas também do direito à liberdade de consciência. A liberdade religiosa é a via da paz.”

A posição da Igreja católica é clara. Mas o desafio para toda a sociedade é elaborar um modelo de sociedade civil enraizado na riqueza das tradições culturais e religiosas que exprime a dignidade de cada pessoa a nível de cada país e de cada religião.

Pelo Programa Árabe da Rádio Vaticano











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