Brasil terá relator em simpósio sobre abusos. Conheça-o
Cidade
do Vaticano (RV) - O promotor de justiça do Vaticano, o Arcebispo Charles Scicluna,
afirmou nesta quinta-feira que os abusos sexuais contra menores cometidos por
eclesiásticos “não são apenas um pecado, mas um crime”, e que a Igreja tem o dever
de colaborar com o Estado para evitá-los.
Entrevistado pela Rádio Vaticano,
Dom Scicluna explicou os objetivos do simpósio sobre os abusos que será aberto no
próximo dia 6 na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. O simpósio terá no
primeiro dia o testemunho de uma vítima dos abusos - informou o promotor, que insistiu
na necessidade da formação de agentes pastorais para evitar esses casos. “Rumo
à cura e à renovação”: é o título do simpósio que reunirá delegados provenientes de
110 Conferências Episcopais e de 30 ordens religiosas.
Pe. Edenio Valle é
sacerdote há 50 anos e psicólogo há 45. Trabalha na PUC de São Paulo, atuando no programa
de censo da religião. Tem grupo de pesquisa credenciado no Conselho Nacional de Pesquisas
sobre Psicoterapia e Religião.
Por solicitação da CNBB, Pe. Edenio realiza
pesquisas sobre os padres no Brasil, orienta teses de mestrado e doutorado. Assessor
de dezenas de congregações masculinas e femininas, e de centenas de dioceses no Brasil,
ele tem em sua bagagem 12 anos de experiência como diretor do ITA, Instituto Terapêutico
“Acolher”, em São Paulo, onde, com um grupo de 15 psicólogos atende o clero e a vida
religiosa com problemas psicológicos sérios. O Instituto já atendeu mais de mil casos.
Convidado
como relator do Simpósio, Pe. Edenio, entrevistado em exclusiva pela RV, adianta o
conteúdo de sua palestra:
“Deram-me um tema sobre o qual vou falar: ‘Religião,
sociedade e cultura, em diálogo’. Este tema está inserido num conjunto de 10 palestras.
Não vou entrar em aspectos propriamente jurídicos, pastorais ou mesmo psicológicos.
Vou fazer uma abordagem de natureza psico-sociológica. Penso que no tema que me foi
confiado, o importante é a palavra que vem no fim: ‘em diálogo’. Tenho a impressão
que os organizadores desta conferência tinham em mente colocar a Igreja em diálogo
com a realidade, a realidade da sociedade hoje, plural e diversificada. De um lado,
a realidade da cultura, com valores, comportamentos e padrões que já não são aqueles
que a Igreja católica propõe. Este fenômeno, aqui na América Latina, também se torna
cada vez mais forte e mais abrangente. É o caso específico do Brasil”.
Pe.
Edenio Valle contextualizará seu pronunciamento à realidade brasileira, incluindo
o fenômeno da migração religiosa:
“Como se pede que fale de religião, eu
toco no campo religioso brasileiro. Hoje há uma massiva passagem de milhões e milhões
de brasileiros de um catolicismo popular, sem assistência pastoral adequada devido
à falta de padres e de recursos, uma população cada vez mais urbana, para religiões
de origem carismática norte-americana que usam dia e noite a televisão e a rádio.
Através desta forte presença midiática, atraem milhões de pessoas, sempre voltados
à subjetividade: curas divinas, expulsão de demônios, milagres feitos diante das multidões.
Pode-se ver isso em qualquer TV brasileira, dia e noite. Neste quadro, eu vou colocar
a questão do abuso sexual por parte dos padres. Tenho conhecimento do que se passa
em nível mundial, mas trarei alguns dados recolhidos aqui”.
O professor
insere no conteúdo de sua palestra também a bagagem clínica acumulada na experiência
do ITA:
“Meus dados mais importantes são de natureza clínica: discutir
com colegas, psicoterapeutas que fazem este tipo de atendimento. Meu conhecimento
também é pastoral: trabalho com padres e sei como esta problemática aparece em padres
abusadores. A questão do simpósio se volta mais especificamente para a chamada “pedofilia”
e trata do abuso sexual de menores. Sobre este tema especificamente, não tenho nenhum
estudo, mas tenho a prática clínica; portanto, vou partir daí para tentar mostrar
que a Igreja católica nesta conjuntura não pode se voltar só para o seu problema interno
e para a assistência ao clero. Tem que ver o problema sócio-cultural, o ambiente de
exploração ‘via mídia’ e não só, e a liberalização de costumes, onde a sexualidade
passa a ser muito banalizada. Aí dentro dá-se uma confusão da identidade de gênero
e da identidade sexual das pessoas, e neste contexto eu situaria o problema do atendimento
dos padres. Tenho interesse na questão do atendimento das vítimas, sobretudo crianças,
o que no Brasil é ainda muito atrasado”.