Rio de Janeiro (RV) - Celebramos hoje a festa da Conversão do Apóstolo São
Paulo. É um dia que nos faz refletir sobre a história que se transforma graças a mudança
de vida das pessoas. A extraordinária figura de São Paulo pode ser contemplada
desde diversos ângulos. Meditar sobre sua conversão nos permite descobrir como foi
possível que um homem com tanto ódio ao cristianismo pudesse se transformar no maior
promotor da fé cristã. Existe um segredo na conversão de São Paulo que pode iluminar
nossos passos rumo a nova evangelização. Que segredo é este?
Não há dúvidas
de que ele era um escolhido por Deus. Sem a intervenção de Cristo derrubando-lhe por
terra não seria possível que S. Paulo se levantasse um dia como o apóstolo dos gentios.
Foi Cristo a dar o primeiro passo. No entanto, Cristo não força nossa inteligência
e muito menos nossa vontade. O amor sem liberdade é escravidão, domínio e manipulação.
Existia em São Paulo uma condição de possibilidade para que Cristo agisse através
do amor. Era necessário um terreno onde a semente da fé pudesse fazer brotar a graça
da conversão e da adesão a Cristo. Refletir sobre o aspecto humano da conversão do
apóstolo é desvendar um dos elementos importantes para que a mensagem de Cristo caia
em solo fértil. Sobre que bases a graça pousou?
A resposta não pode ser outra:
sua alma era dominada por uma sede insaciável de verdade. São Paulo era um fariseu
zeloso, conhecia de memória a lei e a palavra. Na fé judaica via a verdade que preenchia
seu coração, e por ela, era capaz de tudo. No entanto, a verdade de Paulo não era
plena. Antes da conversão, Saulo “respirava ameaças de morte contra os discípulos
do Senhor.” (Atos 9, 1). Seu ódio nascia do fato de que seu coração ainda estava insatisfeito,
era consciente de que algo faltava.
Na fé, São Paulo descobre que a verdade
é uma pessoa: Cristo. É quando sua vida se transforma e ele se converte aos desígnios
do Senhor.
É na verdade que o apóstolo desvenda o profundo mistério da alegria
e da felicidade plena. A fé em Cristo impede que a razão se feche e se reduza apenas
a realidades empíricas. A fé abre a razão, enquanto a razão purifica a nossa vivência
da fé de elementos que manchem o nome de Cristo. Podemos com nossa inteligência chegar
a uma definição, contudo, a verdade plena não se reduz a um conceito. Só em Cristo
encontramos “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). É justamente no caminho
de Damasco que Saulo se encontra com “o Caminho”. É respirando ameaças de morte que
ele descobre “a Vida”, É na cegueira da luz terrena, que seu espírito se abre a plenitude
“da Verdade”.
Sem o terreno fértil da verdade, seria muito difícil que Cristo
conquistasse o coração de Saulo. É vendo em Cristo, como a verdade plena, que muitos
filósofos se converteram a fé cristã. É buscando a verdade que Santo Agostinho foi
conquistado por Cristo. É pela verdade que tantos consagrados e leigos desgastam a
própria vida pelo bem da humanidade. A evangelização pela via da verdade é um elemento
essencial para a conversão.
A grande crise que sofre a humanidade é uma “crise
de verdade”. O relativismo, o materialismo e o hedonismo são formas de distrair o
coração humano de sua sede incansável de infinito. Não podemos permitir que estes
obstáculos invadam nossas vidas. Ao mesmo tempo, devemos ser conscientes de que é
nesta cultura que devemos evangelizar. E só através da verdade unida a fé e ao amor
é que poderemos um dia dizer como S. Paulo: “Já não sou eu quem vive, é Cristo que
vive em mim”. (Gal. 2,20).
Por isto, não tenhamos medo de conhecer nossa fé,
de interrogar sobre as razões de nossa esperança. Mas, sobretudo, não tenhamos medo
de deixar que Cristo entre em nossas vidas e mude nossos esquemas. Aproximem-se Cristo,
deixem que a verdade plena de seu amor invada sua casa. Com certeza, a fé sairá fortalecida,
pois - repetindo as palavras de Santa Catarina de Siena - “se sois o que deveis ser,
incendiareis o mundo inteiro, porque o mundo tem necessidade de testemunhas”, testemunhas
da Verdade.
† Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo Metropolitano
de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ