Linhas de orientação pastoral da Igreja para a realidade migratória actual
(22/1/2012) A sessão de abertura das celebrações dos 50 anos da fundação da Obra
Católica Portuguesa de Migrações decorreu em Fátima no contexto do XII Encontro de
Formação de Agentes Sociopastorais das Migrações, onde o tema ‘Portugal entre a emigração
e a imigração’ está em debate desde esta sexta-feira até este domingo. Na jornada
conclusiva interveio o subsecretário do Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes
e Itinerantes, padre Gabriel Bentoglio. Esta a sua intervenção sobre o tema linhas
de orientação pastoral da Igreja para a realidade migratória actual Excelências
reverendíssimas, Senhoras e Senhores, caros amigos,
Estou
feliz por participar neste Encontro e agradeço aos organizadores por me terem convidado.
A todos uma calorosa saudação do Conselho Pontifício da Pastoral para os Migrantes
e os Itinerantes, do qual sou o Subsecretário.
1. Fenómeno Migratório
e crise económica
Em 2010, um estudo da Comissão Económica das Nações
Unidas para a América Latina e as Caríbas (CEPAL) analisou o impacto da crise económica
sobre as migrações internacionais. Uma das conclusões foi que o medo do retorno em
massa dos migrantes aos seus Países de origem não aconteceu de fato e as suas remessas
não foram reduzidas a zero, embora tenham sofrido alguma diminuição. Em vez disso,
o fenómeno que continua a ser motivo de séria preocupação é o aumento da pressão no
trabalho e na vida diária dos migrantes, muitas vezes criminalizados como um dos bodes
expiatórios da crise económica global. Na verdade, o agudizar da crise tornou
mais evidente a vulnerabilidade dos migrantes. Por um lado, o número relativamente
baixo dos retornos à pátria, mostra que os migrantes usam os seus ganhos com relativa
parcimónia e adaptam-se às mudanças de situação: aceitam empregos de baixa qualificação,
mais precários, por vezes na economia informal, negligenciando até mesmo os direitos
fundamentais de que são titulares. O compromisso de lealdade para com a família é
um indicador interessante, já que muitos continuam a enviar parte dos rendimentos
para os seus lugares de origem. Por outro lado, são cada vez mais flagrantes
as violações dos direitos dos migrantes, com um aumento preocupante de atitudes xenófobas,
tanto por parte de grupos espontâneos da sociedade civil como nas restritivas disposições
legislativas nacionais. De fato, hoje a Europa encontra-se perante a delicada
tarefa de alcançar o difícil equilíbrio entre a abertura às migrações internacionais,
a firmeza na gestão dos fluxos de regulares/irregulares e inteligência no projetar
itinerários de integração.
2. Portugal e migração
Portugal
é, ao mesmo tempo, um País de emigração e imigração. Os fluxos mais recentes
de imigrantes (que provêm do Brasil, Roménia, Cabo Verde, Ucrânia, China…) estão,
cada vez mais, motivados pela necessidade de mão-de-obra, da livre circulação dentro
da União Europeia e da globalização. Em 2009 contavam-se quase 500 000 imigrantes
sobre um total de mais de 10 milhões de pessoas no país (4,25% da população total).
Além disso, estima-se que em Portugal existem mais de 100 000 irregulares. Os
brasileiros, os principais protagonistas de imigração recente, chegaram primeiro como
profissionais qualificados e, mais tarde, também como trabalhadores não qualificados.
A ligação linguística com Portugal, o aumento geral da emigração do Brasil e as crescentes
restrições à imigração nos Estados Unidos da América contribuíram para o notável desenvolvimento
da comunidade brasileira. No entanto, a crise económica provocou o aumento para 24%
do desemprego entre os estrangeiros, sobretudo entre os homens. Por sua
vez, residem no estrangeiro, cerca de 4,3 milhões de portugueses ou descendentes de
portugueses, mas no mundo existem mais de cem milhões de pessoas de origem portuguesa,
como resultado da expansão colonial e da emigração para a Índia, Américas, África,
Macau, Timor, Indonésia e Malásia. Segundo os dados do Observatório da Emigração os
principais Países em que residem, os portugueses são: França, Brasil, EUA, Suíça,
Espanha, Alemanha, Reino Unido, Luxemburgo e Venezuela.
3. Migrações
internacionais: aspetos emergentes
Mesmo que frequentemente a mobilidade
humana seja provocada pela falta das condições necessárias para uma vida digna na
pátria, é necessário reconhecer que esta, em muitos casos, promove transformações
positivas em diversos âmbitos, tanto nas sociedades de origem como nas de destino
dos migrantes.
3.1. Âmbito económico
Na era da globalização,
é claro para todos que a abertura do mercado de trabalho internacional para os migrantes,
de fato, tem aumentado exponencialmente as possibilidades de emprego. Na
verdade, a inclusão de jovens trabalhadores estrangeiros serve para aumentar a população
ativa e preservar o bem-estar social com base nos contributos desta última. Os trabalhadores
estrangeiros, muitas vezes altamente motivados e disponíveis, representam uma injeção
de entusiasmo na sociedade que os recebe; graças à sua criatividade, ao seu talento
e ao seu desejo de superar-se, representam, geralmente, um contributo valioso para
o desenvolvimento do País que os acolhe. Através de suas densas redes de relações
transnacionais, os migrantes podem ampliar o horizonte do mercado internacional. No
que respeita ao mercado interno, a presença maciça de trabalhadores estrangeiros e,
em alguns casos, das suas famílias, representa uma força motriz no desenvolvimento
de alguns setores, tais como hotelaria, restauração, agências de viagens e internet
points.
Também em relação às sociedades de origem, as migrações internacionais
são promotoras de algumas mudanças económicas positivas. A nível macroeconómico,
o emprego de cidadãos no estrangeiro ajuda a diminuir a taxa de desemprego e subemprego
a nível nacional. As remessas são uma receita valiosa que tem consequências positivas
no mercado nacional, favorecendo uma maior circulação de dinheiro. Segundo alguns
estudiosos, em vários Países, o crescimento do PIB, atribuído às remessas, tem demonstrado
trazer repercussões benéficas sobre o índice de pobreza . A nível microeconómico,
nota-se, geralmente, uma melhoria nas condições de vida das famílias dos migrantes,
sobretudo em termos de maior poder de compra, o que se manifesta, particularmente,
nos âmbitos da alimentação, da habitação, da educação e da saúde. Em alguns casos,
parte da poupança ou das remessas dos migrantes é utilizada para financiar as atividades
lucrativas nos locais de origem, como cooperativas, pequenas e médias empresas. Em
muitos Países, os Municípios e as Províncias de origem dos migrantes gozam da solidariedade
e generosidade filantrópica dos seus cidadãos residentes no estrangeiro. Estas injecções
de capital ocorrem, por vezes, de modo espontâneo e esporádico, outras vezes, de modo
regular e organizado, promovendo frequentemente o desenvolvimento económico local.
3.2.
Âmbito social
As dinâmicas migratórias têm estimulado várias transformações
positivas a nível social, tanto nas sociedades de origem como naquelas de acolhimento. Muitas
sociedades de destino vivem, graças à imigração, uma nova primavera demográfica, caraterizada
pelo aumento de fecundidade e da natalidade e do "rejuvenescimento" geral da população.
A presença de trabalhadores estrangeiros, por vezes, consegue modificar a etnicidade
monolítica que distingue algumas sociedades de acolhimento, especialmente quando as
comunidades de imigrantes são minorias visíveis, seja devido a elementos típicos da
fisionomia como a comportamentos específicos. No caso de sociedades abertas, com uma
imigração a longo prazo ou permanente, a chegada das segundas gerações faz nascer
dinâmicas transculturais que enriquecem e dinamizam o tecido social originário. Onde,
então, se oferecem espaços de participação comunitária, graças ao seu espírito empreendedor,
os migrantes transformam a estratificação social tradicional, contribuindo para o
aumento da mobilidade social. Em muitos casos, os serviços essenciais e de "luxo"
estão confiados a trabalhadores estrangeiros que são ultra-qualificados para o trabalho
que lhes é atribuído, com resultados benéficos sobre a qualidade desses serviços.
Em muitas sociedades de acolhimento, os imigrantes representam uma resposta eficaz
às crescentes solicitações relacionadas com o cuidado das crianças, doentes e idosos.
A nível mais geral, a coexistência de diferentes comunidades étnicas num único território,
oferece uma grande oportunidade de intercâmbio cultural a vários níveis: linguístico,
literário, religioso, artístico, gastronómico e muitos outros. As migrações
internacionais também promovem transformações positivas nas sociedades de origem.
De fato, a diminuição da taxa de desemprego e subemprego, geralmente reduz a pressão
social. O poder de compra devido às remessas pode incrementar a possibilidade de mobilidade
social para as famílias dos migrantes, sobretudo no caso dos filhos, a quem se oferece
um ensino de qualidade. O mesmo acontece, no caso de que retorna, com as novas capacidades
adquiridas durante a experiência migratória. Uma melhor situação económica das famílias
dos migrantes geralmente leva a um uso menos frequente da assistência social gratuita
oferecida pelo Estado, permitindo, assim, uma menor dispersão de esforços. O aumento
progressivo da percentagem de mulheres no contingente migratório global, hoje estimado
em 49% , inseriu novas dinâmicas de género dentro das famílias dos migrantes, em muitos
casos, acelerando o processo de redefinição dos papéis tradicionais . As famílias
transnacionais inventaram novas formas de relacionamento entre marido e esposa e entre
pais e filhos. Sem esquecer que surgiram novas técnicas de educação à distância, que
fazem uso de novos instrumentos da tecnologia e da informática.
3.3.
Âmbito político
Existem, por fim, transformações positivas promovidas
pelas migrações internacionais a nível político, seja nas sociedades que acolhem os
migrantes como naquelas de proveniência. Em diversos casos, a presença massiva
de estrangeiros provoca reações de xenobia intolerância e discriminação por parte
de alguns autóctones. Tais expressões põem em crise aqueles ideais democráticos que
são basilares para a constituição dos Estados modernos e obriga a reafirmar os mesmos
ideais para além do conceito de cidadania. A concessão de espaços de convivência aos
imigrantes estimula a criatividade dos Governos na promoção de políticas e programas
de integração para estrangeiros que, de modo direto ou indireto, envolvem e favorecem
a população local. Na verdade, para enfrentar os desafios de um contexto cada vez
mais multiétnico, os programas nacionais de educação estão, cada vez mais, a serem
revistos e reformulados com a inserção de elementos interculturais, que alargam os
horizontes da cultura autóctone. Em diversos países de imigração, a chegada de grandes
contingentes de trabalhadores migrantes tem representado uma oportunidade para revitalizar,
ampliar e "globalizar" o valioso trabalho de mediação dos sindicatos. Em muitos casos,
o louvável empenho de diversas organizações não-governamentais locais, na sua assistência
e defesa dos direitos dos migrantes, tem gerado novos espaços de diálogo construtivo
entre Governo e sociedade civil. Também em relação à sociedade
de partida, notam-se, na esfera política, transformações positivas promovidas pelas
migrações internacionais. Graças aos seus cidadãos residentes no estrangeiro, muitos
Países de origem tornaram-se interlocutores privilegiados dos Estados mais industrializados,
conquistando prestígio internacional. As dinâmicas transnacionais desencadeadas pela
experiência migratória permitem novas formas de participação política dos imigrantes
nos Países de origem. Para algumas nações, a concessão de voto no estrangeiro levou
a redescobrir o valor da sua própria diáspora, para a qual os Governos começaram a
desenhar e a implementar, projetos de cooperação bilateral. Os prodígios da tecnologia
moderna permitem o acesso imediato a todo o tipo de informação ligada à longínqua
pátria e uma rapidíssima reação, por parte dos migrantes. São numerosos os web sites
e os blogs que recolhem as opiniões e sugestões de natureza política, mas, mais frequentemente,
as queixas dos cidadãos que residem no estrangeiro. A experiência migratória representa,
para muitos, uma oportunidade para conhecer de perto, democracias de muito antigas
tradições e, ao mesmo tempo, aprofundar a consciência dos seus próprios direitos.
Trata-se, com frequência, de um verdadeiro e próprio estágio que, em alguns casos,
tem repercussões positivas na pátria. Existem migrantes que, com base na experiência
adquirida no estrangeiro, decidem iniciar uma carreira política no seu País de origem.
Tal iniciativa tem ido até à fundação de novos partidos políticos que têm como objeto
explícito a defesa dos direitos dos cidadãos que residem e trabalham no estrangeiro.
De modo mais geral, nota-se naqueles que voltaram à pátria, depois de uma experiência
migratória, uma certa propensão para empenho social, que muitas vezes se manifesta
no serviço junto de organizações não-governamentais. Em alguns casos, tal empenho
inclui também o trabalho de advocacy e de lobby para garantir maior proteção aos emigrantes.
4.
As sombras: os "custos" da migração
Para se ter uma clara e equilibrada
visão do fato da migração é necessário analisar atentamente, não só as potenciais
vantagens, mas também os custos, que são geralmente suportados pelos Estados, pelas
comunidades, pelas famílias e pelos indivíduos, sobretudo pelas sociedades de origem
dos migrantes.
4.1. Âmbito económico
Nos últimos anos,
tem estado repetidamente em discussão, o impacto benéfico das migrações internacionais
sobre as economias familiares e comunitárias nos locais de origem dos migrantes. Vários
estudiosos, de fato, argumentam que uma análise atenta do fenómeno das remessas produz
resultados pelo menos ambivalentes . Por um lado, se o dinheiro enviado pelos migrantes
permite às famílias subsistir na pátria, por outro lado, parece que, em muitos casos,
tal dinheiro não tem o poder de emancipar as famílias de uma situação de pobreza substancial.
Em alguns Países, os dados parecem revelar que as remessas incrementaram a desigualdade
entre os núcleos familiares, e não se notam benefícios para as comunidades locais
no seu conjunto. Os Estados que adoptaram, mais ou menos, explicitamente
a exportação de trabalhadores como estratégia de desenvolvimento nacional estão se
tornando, cada vez mais, dependentes das remessas. Isto é prova do pânico geral, causado
pela crise económica global, existente nos principais Países de origem dos trabalhadores
migrantes. Se, por um lado, o dinheiro enviado pelos migrantes permite garantir uma
maior estabilidade à economia nacional, por outro lado, o depender cegamente de tais
entradas perpetua a dependência crónica das economias dos Países industrializados.
Também as famílias dos migrantes estão a tornar-se, cada vez mais, dependentes das
remessas, limitando-se apenas a esperar pelo dinheiro enviado pelos seus entes queridos
no estrangeiro, sem se esforçarem em contribuir para a própria subsistência. Consideremos,
por fim, o próprio custo do processo migratório. No caso dos grandes Países exportadores
de mão-de-obra, constituiu-se, nas últimas décadas, uma verdadeira e própria "indústria
migratória" muito lucrativa: trata-se de uma grande rede de agências de recrutamento,
mediadores, consultores e transportadores, que operam a nível transnacional, e não
têm escrúpulos em usar também os canais de imigração ilegal. Frequentemente, os migrantes
são forçados a contrair dívidas com parentes, amigos ou instituições, a fim de prover
os custos do processo migratório, dívidas que esperam pagar com o produto do seu primeiro
emprego no estrangeiro. Em muitos casos, a realidade migratória é bem diferente daquela
contada e imaginado antes da partida e o dinheiro não é suficiente para pagar as dívidas.
E, assim, o fim de um processo migratório marca o início de outro para terminar de
pagar as despesas do primeiro, desenhando-se um círculo vicioso de difícil rutura.
4.2.
Âmbito social
As sociedades dos Países de origem dos migrantes sofrem
profundos processos de transformação, cujos efeitos negativos não estão ainda aprofundados
e estudados. No caso das migrações internacionais, ligadas a contrato e que não podem
aceder ao reagrupamento familiar, as famílias apresentam, geralmente, uma alta vulnerabilidade. A
crescente presença de mulheres migrantes tem gerado, em muitos casos, uma revolução
os papéis tradicionais dentro da família e estudos recentes revelam que os pais, dificilmente,
conseguem substituir as mães no cuidado dos filhos. Para além disso, no que respeita
aos filhos, são difíceis de avaliar as consequências a longo prazo, devidas à ausência
de um ou ambos os progenitores. Tem-se a percepção que as jovens gerações gozam, particularmente,
dos benefícios económicos produzidos pelo trabalho externo, mas poderão parecer desfavorecidas
na esfera emotiva, espiritual e de caráter, no futuro próximo. Nos últimos
50 anos, em diversos Países exportadores de mão-de-obra, à emigração de uma geração
seguiu-se a geração sucessiva. Este fenómeno levanta hoje o sério problema do cuidado
dos idosos, tradicionalmente confiado aos filhos ou aos netos. O mercado global promete
ganhos fáceis e imediatos para todos os candidatos a imigrantes e isso leva muitos
a acreditar que, para além das necessidades económicas reais, trabalhar no estrangeiro
representa a única possibilidade de realização profissional e pessoal e, por isso,
estão dispostos a enfrentar qualquer risco. A nível mais geral, a partida massiva
de jovens trabalhadores na plenitude das suas forças, representa, por si só, um empobrecimento
de capital humano, com efeitos negativos sobre o desenvolvimento local sustentável.
Tal empobrecimento é agravado pelas políticas de recrutamento, voltadas para migração
de seletiva, aplicadas em alguns Países que atraem trabalhadores migrantes.
4.3.
Âmbito político
Alguns países que adotaram a migração internacional
como estratégia de desenvolvimento parecem ter-se fixado nessa decisão, justificando,
assim a sua omissão na identificação de verdadeiras e próprias políticas de desenvolvimento.
Muitos dos Estados que são caracterizados por uma grande exportação de mão-de-obra
têm reais dificuldades na proteção de seus cidadãos no estrangeiro, seja pela falta
de programas adequados, seja pelos escassos recursos humanos e financeiros. Para agravar
tal situação, nos últimos tempos tem ocorrido uma espécie de concorrência entre Países
de origem na colocação dos seus trabalhadores no mercado externo, concorrência que
leva, com frequência, à "venda" dos próprios cidadãos em termos de direitos e de salários
mínimos. Convencidos de que a migração internacional qualificada dá maior garantia
de sucesso e aumento das remessas, alguns Países incentivam o êxodo massivo de profissionais
preparados e de técnicos, com efeitos negativos na prestação de serviços no território
nacional. Em alguns casos, foram implementadas políticas educativas orientadas para
a promoção de profissões exigidas pelo mercado global, sem muita consideração pelas
necessidades nacionais. De modo mais geral, nota-se uma perda substancial de confiança,
por parte de migrantes, em relação a uma pátria que os “empurra” a emigrar. Este sentimento
pode ter consequências nefastas sobre a disponibilidade dos mesmos imigrantes colaborarem
ativamente no desenvolvimento do seu País.
5. Dimensão pastoral
Traçado
o quadro de ação, chegamos agora à dimensão pastoral que deve ter em conta os elementos
descritos, se quiser ser eficaz e incisiva. A solicitude pastoral da Igreja é caracterizada
pela prioridade dada à pessoa humana em sua dimensão integral. No contexto da mobilidade
humana direciona os seus esforços para fazer da migração uma escolha, e não um constrangimento,
um encontro de povos e culturas, e não um choque de civilizações, uma força positiva
para o desenvolvimento e participação, e não para a exclusão. Uma primeira
orientação emerge da constatação de que, na verdade, o encontro das diversas culturas
e o seu conhecimento sereno, recíproco e sem preconceitos, pode ajudar cada uma delas
a não se contentarem com aquilo que são e a evitar o seu empobrecimento. Por tudo
isso, a diversidade cultural é, sobretudo, uma riqueza, um elemento positivo, independentemente
das dificuldades que pode gerar a coexistência de pessoas de diferentes culturas. Um
segundo aspecto importante, do nosso ponto de vista, é que a promoção da dimensão
intercultural requer a aceitação de valores e de princípios fundamentais, que estão
na autêntica construção da única "família dos povos", para usar uma expressão da Mensagem
de Bento XVI para a Jornada Mundial do Migrante e do Refugiado do ano passado – no
âmbito da construção de "uma só família humana, chamada a estar unida na diversidade"
. Entre estes estão os princípios da democracia, igualdade de direitos e da liberdade
religiosa, para citar somente alguns.
5.1. Estruturas tradicionais e
renovação A valiosa obra pastoral entre os imigrantes aqui em
Portugal, como aquela entre os vossos compatriotas que vivem no estrangeiro, tem uma
missão especial no promover a adoção destes valores por parte dos imigrantes que pedem
para serem acolhidos em outras áreas do planeta, longe de seus lugares de origem.
Aqui parece importante mencionar a importância da equipa pastoral e das estruturas
de pastoral migratória, tendo como referência as palavras de Bento XVI na sua Mensagem
para este ano: "No exigente itinerário da nova evangelização em campo migratório,
assumem um papel decisivo os agentes pastorais – sacerdotes, religiosos e leigos –
que se encontram a trabalhar num contexto cada vez mais pluralista: em comunhão com
os seus Ordinários, inspirando-se no Magistério da Igreja, convido-os a procurar caminhos
de partilha fraterna e anúncio respeitoso, superando contrastes e nacionalismos. Por
sua vez, as Igrejas tanto de proveniência, como de trânsito e de acolhimento dos fluxos
migratórios saibam intensificar a sua cooperação em benefício tanto dos que partem
como daqueles que chegam e, em todo o caso, de quantos têm necessidade de encontrar
no seu caminho o rosto misericordioso de Cristo no acolhimento do próximo. Para uma
frutuosa pastoral de comunhão, poderá ser útil actualizar as tradicionais estruturas
que atendem os migrantes e os refugiados, dotando-as de modelos que correspondam melhor
às novas situações em que aparecem diferentes culturas e povos a interagir” . Na
verdade, os nossos centros de animação religiosa, social e cultural que congregam,
frequentemente, membros associados e simpatizantes, podem desempenhar um papel importante
nos processos de integração dos migrantes, uma vez que proporcionam um espaço comunitário
e oferecem redes de relações e canais de acesso a diversos recursos sócioeconómicos.
Isso assume um peso ainda maior quando se considera que uma das dificuldades do migrante
consiste em viver a sua fé e os seus valores culturais num contexto novo e diferente
do das suas origens, o que pode causar confusão, insegurança e desconfiança. Assim,
as nossas estruturas pastorais, evitando formas de segregação e de isolamento, podem
favorecer a abertura à sociedade de acolhimento, na medida em que estão abertas ao
diálogo com o tecido social onde se encontram, estabelecendo relações de intercâmbio,
incentivando projetos de colaboração e facilitando a reciprocidade a todos os níveis,
tanto com as outras religiões como com as associações civis e instituições governamentais. Quanto
ao serviço específico que a Igreja Católica pode oferecer neste contexto, uma vez
que é, por sua natureza, ao mesmo tempo una e universal, explícita nas diversas Igrejas
particulares, tem em si um modelo de unidade essencial no respeito das legítimas diversidades
de culturas . Este modelo de unidade na diversidade é precisamente o que a Igreja
pode oferecer à sociedade civil, de que é parte integrante. A Igreja Católica deseja
servir os povos na construção de uma família humana, a partir duma justa colaboração
com as outras instituições religiosas e civis, ocupando a área que lhe é própria.
Cada Estado, em particular, só pode beneficiar com o acolhimento respeitoso da religião,
reconhecendo o seu papel específico na construção social .
5.2. Diálogo
inter-religioso
Talvez a questão que sentimos mais escaldante ligada
às migrações, seja aquela do encontro entre o cristianismo e as outras grandes religiões
do mundo e culturas do planeta. Na Europa temos claramente um pluralismo religioso,
embora o cristianismo continue a ser a religião absolutamente maioritária. Entre os
cerca de 800 milhões de habitantes da "Grande Europa", 560 milhões são cristãos, dos
quais, metade é católica. O judaísmo com cerca de 3 milhões de membros,
mas pertence às raízes da Europa. Por outro lado, a população muçulmana tem aumentado
consideravelmente, graças às ondas de imigração, mas também devido a certo número
de conversões. Em toda a Europa existem cerca de 32 milhões de muçulmanos (em 1991
eram 12 milhões). O diálogo é muitas vezes difícil, porque termos como justiça, verdade,
dignidade e direitos da pessoa humana, laicidade, democracia e reciprocidade, no mundo
islâmico têm significados diferentes daqueles que lhes são atribuídos na cultura europeia,
com profundas raízes cristãs. Há que ter em conta que no mundo muçulmano
"europeu" existe um claro pluralismo: o clássico entre sunitas e xiitas, aquele ligado
aos Países de origem (Turquia, Magreb...). Hoje, o pluralismo no âmbito muçulmano
nasce, sobretudo, pela forma diferente de se relacionar com a sociedade e com a cultura
moderna: os representantes do reformismo muçulmano ou do Islão das "luzes" vêm a possibilidade
de uma inculturação do Islão na sociedade e cultura europeias, enquanto a maioria
dos muçulmanos vê como problemática o confronto com a cultura ocidental e, muitas
vezes, considera-a como algo hostil ou degradada, que deve ser "salva" ou mesmo combatida. Está
também a crescer na Europa o interesse pelo budismo: na realidade, por enquanto, não
existem estatísticas fiáveis sobre o número. A União Budista Europeia declarou que
na Europa de hoje existem entre 1 a 3 milhões budistas. Outro fenómeno a
considerar é aquele dos grupos religiosos alternativos e as formas de neo-paganismo.
Este tipo de retorno atual ao religioso e ao sagrado é naturalmente profundamente
ambíguo. Expressa uma nova busca da transcendência, mas é também um sinal de que o
verdadeiro rosto de Deus não foi ainda encontrado e, por isso, a busca está aberta
a qualquer tipo de resultado, mesmo àqueles mais desviantes e dramáticos. Este
pluralismo religioso coloca à pastoral das migrações grandes questões: como promover
a coexistência? como contribuir para a sociedade como um todo? que tipo de diálogo?
qual evangelização?
5.3. Integração: o diálogo intercultural
Estes
pressupostos sugerem as orientações que a nossa solicitude pastoral deve assumir,
a partir da linguagem, pela qual devemos falar de interculturalidade mais do que de
multiculturalidade. Na verdade, não pretendemos simplesmente constatar a presença
de duas ou mais culturas num mesmo espaço geográfico, mas, sobretudo, indicar as relações
elaboradas entre as culturas presentes em determinado território e insistir em atitudes
com vista aos objectivos a atingir e sobre os itinerários educativos que conduzem
a esse encontro de culturas . Ora, um dos documentos mais recentes do nosso
Conselho é a Instrução Erga Migrantes Caritas Christi, publicado em 2004, onde se
afirma que a integração dos migrantes no país de acolhimento nunca é sinónimo de assimilação,
que esquece ou elimina a sua história, cultura e identidade. É necessário, pelo contrário,
avaliar positivamente a cultura de cada migrante, embora reconhecendo as suas limitações,
esforçando-se para conhecer serenamente, e sem preconceitos, a cultura do outro, considerando-a
como um fator de enriquecimento. Na verdade, as ocasiões de proximidade são importantes,
mas muito mais o são aquelas de mútuo intercâmbio. E não apenas um intercâmbio daquilo
que se tem, mas muito mais daquilo que se é. Integração, então, não é um processo
unidirecional. Autóctones e imigrantes são encorajados a percorrer caminhos de diálogo
e de enriquecimento recíproco, que permitem valorizar e acolher os aspectos positivos
de cada um, tendo o cuidado de garantir que nenhum elemento inerente às diversas culturas
seja contrário aos valores éticos universais, ou aos direitos humanos fundamentais. Em
tudo isso, para ajudar especialmente as gerações mais jovens, dois instrumentos me
parecem indispensáveis: o diálogo e a educação intercultural. Na verdade, trata-se
de dois elementos complementares dum único modelo educativo, que visa ensinar a respeitar
e a apreciar as diversas culturas, descobrindo os elementos positivos que possam esconder;
ajudar a mudar os comportamentos de medo ou de indiferença para com diversidade; instruir
para o acolhimento, para a igualdade, para a liberdade, para a tolerância, para o
pluralismo, para a cooperação, para a co-responsabilidade, para a não-discriminação;
levar a valorizar positivamente tanto o diálogo como a escuta; ajudar a superar as
generalizações, preconceitos e estereótipos; superar o individualismo e isolamento
em grupos fechados, favorecer personalidades maduras, abertas e flexíveis e, por fim,
evitar "as mentalidades fechadas".
Conclusão
O estrangeiro
que cruza as fronteiras tem sede de relações novas e universais, tornando atual o
mistério do Pentecostes. É por isso que as Igrejas locais, confrontados com uma presença
crescente de pessoas vindas de outras áreas geográficas e culturais, não podem ficar
indiferentes. É necessário, portanto, assumir novas formas de pastoral inter-comunitária,
onde as minorias são respeitadas e não se limite a promover apenas um pouco de folclore
étnico nas “Festas dos Povos” periódicas e nas iniciativas, ainda que louváveis, que
algumas vezes, ao longo do anos, dão espaço e visibilidade também aos grupos de imigrantes. Na
verdade, o migrante obriga cada um de nós a "emigrar" de nós mesmos para comunhão
e universalidade. Na experiência de um acolhimento autêntico, a presença do migrante
torna-se providencial para todos. No campo missionário das migrações, o
operador pastoral – sacerdote, religioso ou leigo – move-se entre a ação de guia na
maturação da sua própria gente e aquela de animação da Igreja de chegada, assumindo
também a função de "ponte" e de ligação entre a Igreja de origem e a de acolhimento. Portanto,
hoje, sentimos a urgência de uma pastoral de formação-promoção que se proponha estabelecer
um verdadeiro sentido de igualdade e de diálogo entre culturas e expressões religiosas,
que só é possível quando todos estão conscientes de sua identidade específica. Isto
permite a passagem do migrante, visto como "objeto" de assistência e proteção, a "sujeito"
de cultura e protagonista, capaz de ser ele mesmo sem se assimilar mimeticamente com
a cultura maioritária da população local e com os seus comportamentos. Concluo
observando que hoje a questão de fundo da nossa solicitude pastoral não é mais "qual
pastoral" e "qual missão", mas "voltada para qual eclesiologia" que nos estamos encaminhando
tendo como banco de teste a própria pastoral do acolhimento.