Agricultura em África: pequenos passos hoje para grandes progressos amanhã
É comum esconder-se atrás da justificação segundo a qual sobre a África não circulam
informações suficientes, ou que as informações chegam com muito atraso em relação
ao desenrolar-se dos acontecimentos, qualquer que seja o assunto. Por outro lado,
esta lógica não age, claro, a favor do continente africano, do qual estamos habituados
a receber só cenários negativo, para não dizer dramáticos. Bento XVI pronunciou-se
a este respeito por ocasião da sua recente viagem apostólica à África no voo que o
levava de Roma a Cotonou.
Na esperança de contribuir para uma viragem positiva
de tais preconceitos em relação à comunicação sobre a África, propomos aqui um aprofundamento
acerca do NEPAD, programa de desenvolvimento do continente baseado na ideia
duma cooperação entre a África e o resto do mundo em pé de igualdade, como parceiros,
portanto, e não em termos de “benfeitor” e “beneficiária”, questão, aliás, sobejamente
debatida.
A cimeira de Lusaka, em Julho de 2001, levou à criação do NEPAD,
afirmando assim a vontade da África de se empenhar como protagonista na procura de
soluções para os diversos problemas e desafios do continente. Saúde, infra-estruturas,
integração regional, finanças, economia…. Pensava-se então que a situação poderia
realmente mudar, graças a uma nova tomada de consciência dos líderes africanos, o
que coincidia também com a entrada no novo século.
Embora não seja hoje difícil
encontrar projectos do NEPAD deixados a meio caminho, ou completamente abandonados,
muito depende, também aqui, da maneira como avaliamos determinadas experiências: se
na óptica do “copo meio cheio” ou “meio vazio”.
É certo que a óptica do copo
meio cheio mantém toda a sua eloquência! Se não mais porque com o NEPAD a África
uniu, e traduziu em acção conjunta, a vontade de quantos desejavam ultrapassar a
divisão do continente em sub-regiões linguísticas e, consequentemente, políticas.
Uma dicotomia artificial que desabrochou em contraposições históricas só aparentemente
inconciliáveis, como a entre a visão francófona (muito bem expressa pelo Plano Ómega
do Presidente Wade do Senegal) e a anglófona (representada pelo Plano MAP do Presidente
nigeriano Obasanjo). O encontro de Lusaka levou à identificação de uma politica
comum das duas visões. Não é nada pouco!
Gostaria ainda de convidar a constatar
que, por detrás do impulso e da decisão de estabelecer a parceria, houve análises
ambiciosas e corajosas. Defender a necessidade de a África recuperar a sua soberania
alimentar a partir do desenvolvimento do próprio sector agrícola não é só uma expressão
de bom senso. Trata-se de acabar com a tradicional abordagem “assistencial” que ao
longo de decénios constituiu o critério na base dos acordos de cooperação internacional.
Acordos que tinham posto a África numa situação de dependência não só estrutural,
mas também humilhante, pois esta era a percepção que os Chefes de Estado africanos,
signatários de tais acordos, tinham de tudo isso.
O NEPAD propunha, pelo contrário,
uma gestão sustentável das terras e dos recursos hídricos do continente: políticas
integradas de abastecimento alimentar; investigação conjunta no campo da agricultura
(explicada no ambicioso “Programa de desenvolvimento agrícola africana”, o CAADP),
a fim de favorecer o emergir de “uma nova visão da agricultura africana”.
Mas
hoje, a dez anos de distância, a que ponto estamos?
Se, na tentativa de
encontrar uma resposta fácil, nos basearmos apenas nos resultados quantitativos, corremos
o risco de não ter em conta o enorme esforço preparatório que foi necessário para
a afirmação desta vontade nova e completamente inovativa. Em 2004, os governantes
africanos concordaram em destinar 10% do seu orçamento geral à agricultura. Critério
até hoje aplicado apenas por cerca de uma vintena de Estados, mas que é certamente
partilhado no seio do continente, pelo menos a nível teórico. Além disso, os países
são constantemente convidados a tomar medidas concretas neste sentido.
Mais
ainda: depois de 2004, a África viu o nascer do AGRA – uma aliança para a Revolução
Verde - criada por vontade do então Secretário Geral da ONU, Kofi, Annan – e a colocação
no mercado do arroz NERICA, mais nutriente, mas resistente às intempéries e
aos animais predadores, e fruto da investigação africana.
Acrescentemos a
tudo isto o facto de os países da bacia florestal – os do Rio Congo em primeiro lugar,
se terem empenhado na defesa do ecosistema da região, verdadeiro “pulmão terrestre”,
conscientes de que as próprias reservas de oxigénio são vitais para si próprios, para
a África, mas também para o mundo inteiro. A tutela da floresta tropical e o desenvolvimento
sustentável em agricultura são duas questões intimamente ligadas, como aliás se pode
ver pelo debate sobre as mudanças climáticas.
Por fim, ainda no âmbito do
NEPAD, está-se a promover um outro grande projecto: o da “Muralha verde africana”,
ou seja a rearborização duma faixa de território com 7 mil km de cumprimento e 15
de largura, e que vai de Dakar a Djibuti. Senegal, República Centro-Africana e Congo
estão já a trabalhar na realização desta iniciativa.
São pequenos passos,
certo, mas concretos e decisivos para o desenvolvimento integral das sociedades africanas,
acções que dão azo à esperança, embora circunscrita, num sector que exige o protagonismo
da África na cena mundial, pois que no que toca à agricultura o continente pode realmente
fazer muito.
Por Albert Mianzoukouta, Programa Francês/África Rádio
Vaticano
Para um balanço do NEPAD, cfr. a análise proposta por Barthelémy
Kilosho, ““Afrique: le NEPAD, 7 ans aprés, reste un coup d’épée dans l’eau?”,
publicado em Agora – Le média citoyen, 5 de Maio de 2009.
Para um panorâmica
geral sobre o programa de desenvolvimento do NEPAD veja o precedente Editorial da
nossa Emissora: “NEPAD, um plano continental de desenvolvimento sustentável para
a África”
Sobre a importância da agricultura, cfr. o Editorial “África
à procura da própria soberania alimentar” http://www.radiovaticana.org/POR/Articolo.asp?c=512310