Papa critica uniões conjugais fora do matrimónio, feitiçaria e tribalismo étnico em
Angola e São Tomé. Cristãos são «chamados a renunciar às tendências nocivas imperantes
e a caminhar contracorrente», sublinha Bento XVI. Texto integral e voz do Papa e do
Presidente da CEAST
(29/10/2011) Superar contrastes e divisões de “resquícios tribais”, a favor da comunhão
em Cristo de “um povo de irmãos”: solicitou o Papa, dirigindo-se neste sábado aos
bispos de Angola e São Tomé. Foi num clima de grande cordialidade que Bento XVI recebeu
vinte e seis membros da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé, na conclusão da
visita “ad limina Apostolorum”. Depois de ter recebido, segunda-feira passada,
os três arcebispos angolanos (de Huambo, Luanda e Lubango), com os respectivos bispos
auxiliares e eméritos, neste sábado, antes da audiência colectiva, o Santo Padre teve
colóquios com os bispos de Benguela (com o bispo emérito), Kwito-Bié, Lwena, Cabinda,
Caxito, Malanje e Mbanza Congo, assim como com o administrador diocesano de Dundo. No
discurso que dirigiu a todos os membros da Conferência Episcopal, Bento XVI começou
por evocar a sua visita pastoral a Luanda, em 2009: “Esta tem lugar depois da
minha visita a Luanda, em Março de 2009, durante a qual pude encontrar-me convosco
e, convosco, celebrar Jesus Cristo no meio dum povo que não se cansa de O procurar,
amar e servir com generosidade e alegria. Guardo aquele povo no coração”.
Agradecendo
as palavras que lhe tinha dirigido o presidente da Conferência Episcopal, D. Gabriel
Mbilingi, arcebispo de Lubango, com uma apresentação dos “desafios e esperanças da
hora presente” das várias comunidades diocesanas, Bento XVI congratulou-se com “a
união com o Papa e o desejo de permanecer fiéis ao Senhor” vividos pelos bispos de
Angola e São Tomé, chamados a “introduzir” as pessoas a eles confiadas “no coração
do mistério da fé, encontrando a pessoa viva de Jesus Cristo”. Neste contexto, o Papa
situou a realização, a partir de Outubro de 2012, do “Ano da Fé”: “Na esperança
de «fazer brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e o renovado entusiasmo do
encontro com Cristo», decidi proclamar um Ano da Fé, para que a Igreja inteira possa
oferecer a todos um rosto mais belo e credível, transparência mais clara do rosto
do Senhor.”
Evocando a segunda assembleia para a África do Sínodo
dos Bispos, cuja Exortação Apostólico se prepara para “confiar a todo o Povo de Deus”
na sua viagem ao Benim, no próximo mês, o Papa recordou que “o nosso primeiro e mais
específico contributo para o povo africano é a proclamação do Evangelho de Jesus Cristo,
uma vez que o anúncio de Cristo é o primeiro e principal factor de desenvolvimento”.
“De facto, a dedicação ao serviço do desenvolvimento procede da transformação
do coração, e a transformação do coração só pode vir da conversão ao Evangelho. Este
não oferece «uma palavra anestesiante, mas desinstaladora, que chama à conversão,
que torna acessível o encontro com Cristo, através do qual floresce uma humanidade
nova».”
Referindo três questões pastorais concretas, Bento XVI começou
por deplorar o grande número de casais que não chegam à celebração do matrimónio,
limitando-se ao chamado “amigamento”, que – sublinhou o Papa – contradiz o plano de
Deus para a geração e a família humana: “O reduzido número de matrimónios católicos,
em vossas comunidades, indica uma hipoteca que grava sobre a família, cujo valor insubstituível
para a estabilidade do edifício social conhecemos. Ciente deste problema, a vossa
Conferência Episcopal escolheu o matrimónio e a família como prioridades pastorais
do triénio em curso. Que Deus cubra de frutos as iniciativas a bem desta causa! Ajudai
os casais a adquirir a maturidade humana e espiritual necessária para assumirem de
modo responsável a sua missão de esposos e pais cristãos, recordando-lhes que o seu
amor esponsal deve ser único e indissolúvel como a aliança entre Cristo e a sua Igreja.
Este tesouro precioso deve ser salvaguardado, custe o que custar.”
Um
segundo “escolho” enfrentado pelos bispos de Angola e São Tomé e recordado hoje pelo
Papa é o facto de (disse) “o coração dos baptizados” se encontrar ainda”dividido entre
o cristianismo e as religiões tradicionais africanas”. Aflitos com os problemas da
vida, há muitos fiéis católicos que – deplorou Bento XVI - não hesitam em recorrer
a práticas incompatíveis com o seguimento de Cristo. “Efeito abominável é a
marginalização e mesmo o assassinato de crianças e idosos, a que são condenados por
falsos ditames de feitiçaria. Lembrados de que a vida humana é sagrada em todas as
suas fases e situações, continuai, queridos bispos, a levantar a vossa voz a favor
das suas vítimas ». Tratando-se dum “problema regional”, o Santo Padre
sugeriu a necessidade de um “esforço conjunto das comunidades eclesiais provadas por
esta calamidade, procurando determinar o significado profundo de tais práticas, identificar
os riscos pastorais e sociais por elas veiculados e chegar a um método que conduza
à sua definitiva erradicação, com a colaboração dos governos e da sociedade civil”: Finalmente,
Bento XVI referiu ainda, como terceira questão, “os resquícios de tribalismo étnico
palpáveis nas atitudes de comunidades que tendem a fechar-se, não aceitando pessoas
originárias doutras partes da nação”. O Papa exprimiu o seu apreço aos bispos angolanos
que “aceitaram uma missão pastoral fora dos confins do seu grupo regional ou linguístico”,
agradecendo também a todos os que os têm acolhido e ajudado. De facto – sublinhou
o Papa, “na Igreja, como nova família de todos os que acreditam em Cristo , não há
lugar para qualquer tipo de divisão”. Como lembrava o João Paulo II no dealbar do
novo milénio, o grande desafio a enfrentar agora pelos cristãos, se querem “corresponder
às expectativas mais profundas do mundo”, é “fazer da Igreja a casa e a escola da
comunhão”. “Ao redor do altar, reúnem-se homens e mulheres de tribos, línguas
e nações diversas, que, partilhando o mesmo corpo e sangue de Jesus-Eucaristia, se
tornam irmãos e irmãs verdadeiramente consanguíneo. Este vínculo de fraternidade
é mais forte do que o das nossas famílias terrenas e o das vossas tribos.” No início da audiência interveio o presidente da Conferência Episcopal
de Angola e São Tomé, D. Gabriel Mbilingi, arcebispo de Lubango.
Seguidamente,
o som e o texto integral do discurso do Papa:
"Senhor Cardeal,
Amados Irmãos no episcopado e no sacerdócio! Na alegria da fé, cujo anúncio é o
nosso serviço comum de Pastores, dou-vos as boas-vindas a este nosso encontro por
ocasião da vossa visita ad limina Apostolorum. Esta tem lugar depois da minha visita
a Luanda, em Março de 2009, durante a qual pude encontrar-me convosco e, convosco,
celebrar Jesus Cristo no meio dum povo que não se cansa de O procurar, amar e servir
com generosidade e alegria. Guardo aquele povo no coração e, de certo modo, esperava
a vossa vinda para ter notícias dele. Agradeço a D. Gabriel Mbilingi, Arcebispo de
Lubango e Presidente da Conferência Episcopal, a apresentação das vossas comunidades,
com seus desafios e esperanças na hora presente e com as forças e favores de que o
Céu as dotou. A vossa entreajuda fraterna, a solicitude pelo povo de Deus em Angola
e em São Tomé e Príncipe, a união com o Papa e o desejo de permanecerdes fiéis ao
Senhor são para mim fonte de profunda alegria e sentida acção de graças. Vós,
amados Irmãos, em virtude da missão apostólica recebida, estais habilitados para introduzir
o vosso povo no coração do mistério da fé, encontrando a pessoa viva de Jesus Cristo.
Na esperança de «fazer brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e o renovado
entusiasmo do encontro com Cristo» (Motu proprio Porta fidei, 2), decidi proclamar
um Ano da Fé, para que a Igreja inteira possa oferecer a todos um rosto mais belo
e credível, transparência mais clara do rosto do Senhor. De facto, «enquanto Igreja
– como justamente salientou a Segunda Assembleia para a África do Sínodo dos Bispos,
cujos frutos, sob a habitual forma de Exortação Apostólica, espero poder confiar a
todo o povo de Deus na minha próxima visita ao Benim –, o nosso primeiro e mais específico
contributo para o povo africano é a proclamação do Evangelho de Jesus Cristo, uma
vez que o anúncio de Cristo é o primeiro e principal factor de desenvolvimento. De
facto, a dedicação ao serviço do desenvolvimento procede da transformação do coração,
e a transformação do coração só pode vir da conversão ao Evangelho» (Mensagem final,
15). Este não oferece «uma palavra anestesiante, mas desinstaladora, que chama à conversão,
que torna acessível o encontro com Cristo, através do qual floresce uma humanidade
nova» (Exort. Verbum Domini, 93). Na verdade, os cristãos respiram o espírito do
seu tempo e sofrem a pressão dos costumes da sociedade em que vivem; mas, pela graça
do Baptismo, são chamados a renunciar às tendências nocivas imperantes e a caminhar
contra-corrente guiados pelo espírito das Bem-aventuranças. Nesta linha, queria abordar
três escolhos, onde naufraga a vontade de muitos santomenses e angolanos que aderiram
a Cristo. O primeiro é o chamado «amigamento», que contradiz o plano de Deus para
a geração e a família humana. O reduzido número de matrimónios católicos, em vossas
comunidades, indica uma hipoteca que grava sobre a família, cujo valor insubstituível
para a estabilidade do edifício social conhecemos. Ciente deste problema, a vossa
Conferência Episcopal escolheu o matrimónio e a família como prioridades pastorais
do triénio em curso. Que Deus cubra de frutos as iniciativas a bem desta causa! Ajudai
os casais a adquirir a maturidade humana e espiritual necessária para assumirem de
modo responsável a sua missão de esposos e pais cristãos, recordando-lhes que o seu
amor esponsal deve ser único e indissolúvel como a aliança entre Cristo e a sua Igreja.
Este tesouro precioso deve ser salvaguardado, custe o que custar. Um segundo escolho
na vossa obra de evangelização é o coração dos baptizados ainda dividido entre o cristianismo
e as religiões tradicionais africanas. Aflitos com os problemas da vida, não hesitam
em recorrer a práticas incompatíveis com o seguimento de Cristo (cf. Catecismo da
Igreja Católica, 2117). Efeito abominável é a marginalização e mesmo o assassinato
de crianças e idosos, a que são condenados por falsos ditames de feitiçaria. Lembrados
de que a vida humana é sagrada em todas as suas fases e situações, continuai, queridos
bispos, a levantar a vossa voz a favor das suas vítimas. Mas, tratando-se dum problema
regional, convinha um esforço conjunto das comunidades eclesiais provadas por esta
calamidade, procurando determinar o significado profundo de tais práticas, identificar
os riscos pastorais e sociais por elas veiculados e chegar a um método que conduza
à sua definitiva erradicação, com a colaboração dos governos e da sociedade civil. Por
último, queria referir os resquícios de tribalismo étnico palpáveis nas atitudes de
comunidades que tendem a fechar-se, não aceitando pessoas originárias doutras partes
da nação. Expresso o meu apreço àqueles de vós que aceitaram uma missão pastoral fora
dos confins do seu grupo regional ou linguístico, e agradeço aos sacerdotes e às pessoas
que vos acolheram e ajudaram. Na Igreja, como nova família de todos os que acreditam
em Cristo (cf. Mc 3, 31-35), não há lugar para qualquer tipo de divisão. «Fazer da
Igreja a casa e a escola da comunhão: eis o grande desafio que nos espera no milénio
que começa, se quisermos ser fiéis ao desígnio de Deus e corresponder às expectativas
mais profundas do mundo» (João Paulo II, Carta Novo millennio ineunte, 43). Ao redor
do altar, reúnem-se homens e mulheres de tribos, línguas e nações diversas, que, partilhando
o mesmo corpo e sangue de Jesus-Eucaristia, se tornam irmãos e irmãs verdadeiramente
consanguíneos (cf. Rm 8, 29). Este vínculo de fraternidade é mais forte do que o das
nossas famílias terrenas e o das vossas tribos. Gostava de concluir estas minhas
considerações, com algumas palavras que pronunciei ao chegar a Luanda, na referida
visita: «Deus concedeu aos seres humanos voar, sobre as suas tendências naturais,
com as asas da razão e da fé. Se vos deixardes levar por elas, não será difícil reconhecer
no outro um irmão que nasceu com os mesmos direitos humanos fundamentais». Sim, amados
Pastores de Angola e de São Tomé e Príncipe, formais um povo de irmãos, que daqui
abraço e saúdo. Levai a minha sudação afectuosa a todos os membros das vossas Igrejas
particulares: aos bispos eméritos, aos sacerdotes e seminaristas, aos religiosos e
religiosas, aos catequistas e animadores dos movimentos e a todos os fiéis leigos.
Enquanto os confio à protecção da Virgem Maria, tão amada nas vossas nações nomeadamente
no santuário de Mamã Muxima, de coração concedo a todos a Bênção Apostólica."