2011-10-27 10:16:49

"Peregrinos da verdade, peregrinos da paz" em Assis: Papa com 300 representantes religiosos e descrentes de boa vontade, em "Jornada de reflexão, diálogo e oração pela justiça e pela paz". A intervenção do Papa.


(27/10/2011)
Momentos de grande intensidade humana e espiritual no Encontro que reuniu nesta quinta-feira em Assis o Papa e representantes das diversas religiões do mundo, como "Peregrinos da verdade, peregrinos da paz". Uma "Jornada de reflexão, diálogo e oração pela justiça e pela paz".
O programa previa dois momentos completamente distintos: de manhã, um encontro de reflexão, com uma dúzia de intervenções, incluindo a do Santo Padre. Teve lugar na parte baixa de Assis, na basílica de Santa Maria dos Anjos. De tarde, um momento mais celebrativo, com cânticos e gestos simbólicos, culminando num solene empenho de todos os presentes a favor da justiça e da paz.
Na reflexão proposta no final do encontro da manhã, Bento XVI, evocando o Encontro de 1986, começou por interrogar-se sobre o que aconteceu desde então e como se encontra hoje a causa da paz. “Naquele momento a grande ameaça para a paz no mundo provinha da divisão da terra em dois blocos contrapostos entre si. O símbolo saliente daquela divisão era o muro de Berlim que, atravessando a cidade, traçava a fronteira entre dois mundos. Em 1989, três anos após o encontro em Assis, o muro caiu, sem derramamento de sangue... A vontade que tinham os povos de ser livres era mais forte que os arsenais da violência…”
Complexas as razões do que aconteceu. Em todo o caso – considerou o Papa, “ao lado dos factores económicos e políticos, a causa mais profunda de tal acontecimento é de carácter espiritual”. “A vontade de ser livre foi mais forte do que o medo face a uma violência que não tinha mais nenhuma cobertura espiritual. Sentimo-nos agradecidos por esta vitória da liberdade, que foi também e sobretudo uma vitória da paz.” Infelizmente (prosseguiu o Papa), não se pode dizer que desde então a situação se caracterize por liberdade e paz. O mundo está cheio de discórdias. Para além das guerras que se reacendem repetidamente, aqui e ali, “a violência como tal está potencialmente sempre presente e caracteriza a condição do nosso mundo”. Muitos entendem, erradamente, a liberdade como liberdade para a violência. A discórdia assume novas e fisionomias e a luta pela paz deve-nos estimular de modo novo.
Procurando identificar as novas fisionomias da violência e da discórdia, Bento XVI apontou duas tipologias diferentes, diametralmente opostas na sua motivação. Antes de mais, o terrorismo, com ataques bem definidos a pontos vitais do adversário, sem nenhuma preocupação pelas vidas humanas inocentes”. Põe-se de lado tudo aquilo que era comummente reconhecido e sancionado como limite à violência no direito internacional. O Papa reconheceu que a existência de um terrorismo que reivindica uma motivação religiosa. “Aqui a religião não está ao serviço da paz, mas da justificação da violência”. “O que os representantes das religiões congregados no ano 1986, em Assis, pretenderam dizer – e nós o repetimos com vigor e grande firmeza – era que esta não é a verdadeira natureza da religião. Ao contrário, é a sua deturpação e contribui para a sua destruição”.
Pode-se perguntar qual é a verdadeira natureza da religião e se haverá
uma natureza comum da religião, que se exprima em todas as religiões e, por conseguinte, seja válida para todas. Questões a enfrentar, se quisermos contrastar de modo realista e credível o recurso à violência por motivos religiosos. Tarefa fundamental do diálogo inter-religioso.
Como cristão, quero dizer, neste momento: É verdade, na história, também se recorreu à violência em nome da fé cristã. Reconhecemo-lo, cheios de vergonha. Mas, sem sombra de dúvida, tratou-se de um uso abusivo da fé cristã, em contraste evidente com a sua verdadeira natureza. O Deus em quem nós, cristãos, acreditamos é o Criador e Pai de todos os homens, a partir do qual todas as pessoas são irmãos e irmãs entre si e constituem uma única família.
“A Cruz de Cristo (insistiu o Papa) é, para nós, o sinal daquele Deus que, no lugar da violência, coloca o sofrer com o outro e o amar com o outro. O seu nome é «Deus do amor e da paz» (2 Cor 13,11). “É tarefa de todos aqueles que possuem alguma responsabilidade pela fé cristã, purificar continuamente a religião dos cristãos a partir do seu centro interior, para que – apesar da fraqueza do homem – seja verdadeiramente instrumento da paz de Deus no mundo.”
Mas – prosseguiu o Papa - há uma segunda tipologia de violência, com uma motivação exactamente oposta: consequência da ausência de Deus, da sua negação e da perda de humanidade que daí resulta. Se os inimigos da religião vêem nela uma fonte primária de violência na história da humanidade, o facto é que o «não» a Deus produziu crueldade e uma violência sem medida, porque o homem deixara de reconhecer qualquer norma e juiz superior. “Os horrores dos campos de concentração mostram, com toda a clareza, as consequências da ausência de Deus”.
A adoração do dinheiro, do ter e do poder, revela-se uma contra-religião, na qual já não importa o homem, mas só o lucro pessoal. O desejo de felicidade degenera num anseio desenfreado e desumano… A violência torna-se coisa normal e, em algumas partes do mundo, ameaça destruir a nossa juventude. Uma vez que a violência se torna uma coisa normal, a paz fica destruída e, nesta falta de paz, o homem destrói-se a si mesmo. A ausência de Deus leva à decadência do homem e do humanismo.”
Finalmente, “ao lado destas duas realidades, religião e anti-religião, existe, no mundo do agnosticismo em expansão, outra orientação de fundo: pessoas às quais não foi concedido o dom de poder crer e todavia procuram a verdade, estão à procura de Deus”. Pessoas que não se limitam a afirmar que não há Deus, mas que sofrem a sua ausência e procuram a verdade e o bem. São «peregrinos da verdade, peregrinos da paz». Colocam questões tanto a uma parte como à outra. Aos ateus combativos, convidam-nos a tornarem-se pessoas que procuram, que não perdem a esperança de que a verdade exista e que se possa viver em função dela.
“Estas pessoas chamam em causa também os membros das religiões, para que não considerem Deus como uma propriedade que de tal modo lhes pertence que se sintam autorizados à violência contra os demais. Estas pessoas procuram a verdade, procuram o verdadeiro Deus, cuja imagem não raramente fica escondida nas religiões, devido ao modo como eventualmente são praticadas. Que os agnósticos não consigam encontrar a Deus depende também dos que crêem, com a sua imagem diminuída ou mesmo deturpada de Deus.
“Trata-se de nos sentirmos juntos neste caminhar para a verdade, de nos comprometermos decisivamente pela dignidade do homem e de assumirmos juntos a causa da paz contra toda a espécie de violência que destrói o direito” – concluiu o Papa. “A Igreja Católica não desistirá da luta contra a violência, do seu compromisso pela paz no mundo. Vivemos animados pelo desejo comum de ser «peregrinos da verdade, peregrinos da paz»

Depois do almoço frugal, servido no convento franciscano de Santa Maria dos Anjos, os participantes dispuseram de um momento de recolhimento, partindo depois para a parte alta de Assis, onde, na praça junto do Convento de São Francisco, teve início, às 16.30, o encontro vespertino. Às 19 horas, o regresso a Roma, de comboio.










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