2011-10-25 09:50:10

A África da Democracia Tradicional à Democracia Moderna


A Democracia Tradicional em Africa.

A África continua a ser vítima da representação orquestrada pelos historiadores, antropólogos e filósofos como Hegel, para os quais o Continente africano jamais poderia atingir uma verdadeira democracia, uma vez que “não tem historia”. E não tem história, porque não tem uma tradição escrita, através da qual demonstrar o seu passado, antes da chegada dos “conquistadores”. Aliás – afirma Hegel – a África não desenvolveu uma filosofia, e sendo a democracia necessariamente filha de um pensamento filosófico livre, autónomo, criativo, estruturado e pedagógico, é natural perceber que a África não tenha adoptado esta específica forma política. Hegel insiste no seu pensamento sublinhando que a escravatura praticada desde tempos remotos em África é incompatível com a democracia e conclui esse seu pensamento com as seguintes afirmações: o que podemos aprender dos negros é que o estado da natureza é um estado de total injustiça e que cada passo entre o estado natural e o estado racional supõe injustiças, mas existe, ao mesmo tempo, um gradual afastamento da dimensão natural. O tráfico transatlântico de escravos existiu por vontade dos próprios africanos, porque os chefes africanos quiseram vender aos ocidentais os seus súbditos negros, retirando-lhes todo o tipo de liberdade de pensamento e de expressão.

Infelizmente, estas gravíssimas acusações de Hegel procuram corroborar a tese segundo a qual é da natureza do Africano a incapacidade de acesso à democracia e de praticá-la. Estas ideias foram partilhadas por muitos dos conquistadores da África e consolidadas por muitos “iluministas” ocidentais e adoptadas como base teórica para justificar a colonização do Continente, o cancelamento do saber e das organizações sociais, políticas e económicas que os africanos tinham consolidado, antes da chegada dos colonizadores.

A este cenário associa-se a teoria da história como sendo linear: isto é, que começa com o Ocidente e que se prolongará no futuro, por obra do Ocidente “civilizado” e “civilizador” dos “povos sem história”. Assim vista, uma eventual história dos Africanos seria necessariamente “uma historia não linear”, uma vez que teria iniciado somente no momento em que os conquistadores entraram em contacto com eles. É em obediência a esta linha de ideias que os ditos “conquistadores” (como Diogo Cão) passaram a dar nomes novos a tudo o que encontravam em África: deram novos nomes ocidentais aos africanos, aos seus rios, às suas montanhas e aos seus lagos (como no caso do Lago Vitória e da cidade angolana do Huambo que passou para Nova Lisboa). Do mesmo modo substituíram os nomes de importantes personagens tradicionais africanos, removendo-os, deste modo, da história da sua verdadeira cultura. Mas em África a história de uma pessoa, a história de um rei, a história de um importante personagem da sociedade e finalmente a história de um lugar e de uma nação está estreitamente ligada ao nome que se-lhe atribui. Quem conhece o significado do nome de um elemento e de uma pessoa conhece automaticamente a história desse elemento e da pessoa que traz esse nome.

A África não é somente berço da humanidade. Com efeito o Continente africano foi sempre protagonista de revezamentos de governos e de administrações que confirmam a existência de uma antiga e prolongada prática da política e da democracia concebida como exercício do poder plebiscitário por obra do povo, como o confirma o provérbio que se encontra em toda a parte, em África, e que diz: “a tartaruga não se mete a falar a partir do púlpito se não encontra quem a coloque aí”. Portanto é o povo que decreta as leis e nomeia aqueles que a devem administrar e fazer observar. Na história de toda a África ocidental, central e austral encontramos numerosos exemplos de sistemas de governo altamente sofisticados, como no caso dos antigos reinos do Gana, dos reinos do Yoruba de Oyo e do Benin, os vários reinos da Nigéria, do Mali, dos dois Congos no Norte de Angola e os 22 reinos dos Ovimbundu (que constituíam uma federação articulada sob o comando de uma única capital, Bailundu), isso somente para evocar alguns dos exemplos de uma grande organização e uma longa experiência no campo das práticas políticas. Graças a essas sociedades tradicionais os africanos souberam organizar resistências armadas a ponto de expelir o colonialismo ocidental do Continente.

No que concerne ao antigo Reino do Congo, que ia para além dos dois Congos e com uma vasta área dentro do actual território angolano, encontramos a extraordinária história do chamado “Rei Católico africano” (Mwemba Nzinga) que se fez baptizar com o nome de D. Afonso I. Como recordava o Papa João Paulo II em Junho de 1992 – por ocasião de uma das suas viagens em África – em 1513 esse Rei enviou ao Papa Leão X uma embaixada da qual fazia parte o seu filho Henrique de 18 anos de idade: O projecto de Mwemba Nzinga era tornar a Igreja do Reino do Congo directamente dependente de Roma. Cinco anos mais tarde o príncipe Henrique foi nomeado Bispo titular de Utica: foi o primeiro Bispo da África negra, depois de apenas trinta anos de evangelização, e último nos sucessivos quatro séculos. Infelizmente, o Congo era, naquele período, uma colónia europeia e a Ilha de São Tomé tinha sido transformada em capital de tráfico de escravos, ao mesmo tempo que as Potências ocidentais não aceitavam, de modo nenhum, um relacionamento assim tão privilegiado entre a Igreja do Reino do Congo e a Santa Sé. Deste modo a grande ideia de Mwemba Nzinga (D. Afonso I) de fundar um Estado totalmente cristão no Centro da África foi reprimida no momento do seu nascimento, por causa do frenético desencadear-se do tráfico de escravos.

Por Moisés Malumbu, do programa português para a África.







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