2011-09-25 19:18:52

PAPA ENCONTRA CATÓLICOS COMPROMETIDOS: "A MISSÃO DA IGREJA DERIVA DO MISTÉRIO DE DEUS"


Friburgo, 25 set (RV) – Antes de se dirigir para o aeroporto de Lahr para a cerimônia de despedida o Papa Bento XVI foi até o Centro de Congressos de Friburgo onde se encontrou com os católicos comprometidos na Igreja e na sociedade.

No seu discurso aos mais de 1.500 presentes o Papa agradeceu o serviço e o testemunho desses «valorosos arautos da fé naquelas realidades que esperamos» (Lumen gentium, 35). No vosso ambiente de trabalho, defendeis de bom grado a causa da vossa fé e da Igreja, o que nem sempre é fácil no tempo atual. Assistimos, há decênios, - continuou o Papa - a uma diminuição da prática religiosa, constatamos o crescente afastamento duma parte notável de batizados da vida da Igreja. Surge a pergunta: Porventura não deverá a Igreja mudar? Não deverá ela, nos seus serviços e nas suas estruturas, adaptar-se ao tempo presente, para chegar às pessoas de hoje que vivem em estado de busca e na dúvida? Uma vez alguém instou a beata Madre Teresa a dizer qual seria, segundo ela, a primeira coisa a mudar na Igreja. A sua reposta foi: tu e eu!

Este pequeno episódio evidencia-nos duas coisas: por um lado, a Religiosa pretendeu dizer ao seu interlocutor que a Igreja não são apenas os outros, não é apenas a hierarquia, o Papa e os Bispos; a Igreja somos nós todos, os batizados. Por outro lado, Madre Teresa parte efetivamente do pressuposto de que há motivos para uma mudança. Há uma necessidade de mudança. Cada cristão e a comunidade dos crentes são chamados a uma contínua conversão.

E esta mudança, concretamente como se deve configurar? Trata-se aqui porventura de uma renovação parecida com a que realiza, por exemplo, um proprietário de casa mediante uma reestruturação ou a pintura do seu imóvel? Ou então trata-se de uma correção para retomar a rota e percorrer, de modo mais ágil e direto, um caminho? Certamente têm importância estes e outros aspectos. Mas, no caso da Igreja, o motivo fundamental da mudança é a missão apostólica dos discípulos e da própria Igreja. De fato a Igreja deve verificar incessantemente a sua fidelidade a esta missão.

A missão da Igreja – continuou Bento XVI - deriva do mistério de Deus uno e trino, do mistério do seu amor criador. Em Deus, não está apenas de algum modo presente o amor; mas Ele mesmo, por sua natureza, é amor. E o amor de Deus não quer estar isolado em si mesmo, mas difundir-se.

A Igreja, – continuou Bento XVI - insere-se totalmente na atenção condescendente do Redentor pelos homens. Ela mesma está sempre em movimento, deve colocar-se continuamente ao serviço da missão que recebeu do Senhor. A Igreja deve abrir-se incessantemente às inquietações do mundo e dedicar-se a elas sem reservas, para continuar e tornar presente a permuta sagrada que teve início com a Encarnação.

Entretanto, no desenvolvimento histórico da Igreja manifesta-se também uma tendência contrária, ou seja, a de uma Igreja que se acomoda neste mundo, torna-se auto-suficiente e adapta-se aos critérios do mundo. Deste modo, dá uma importância maior, não ao seu chamamento à abertura, mas à organização e à institucionalização.

Para corresponder à sua verdadeira tarefa, - destacou o pontífice - a Igreja deve esforçar-se sem cessar por destacar-se da mundanidade do mundo. De fato, as secularizações – sejam elas a expropriação de bens da Igreja, o cancelamento de privilégios, ou coisas semelhantes – sempre significaram uma profunda libertação da Igreja de formas de mundanidade: despojava-se, por assim dizer, da sua riqueza terrena e voltava a abraçar plenamente a sua pobreza terrena. Deste modo, a Igreja partilhava o destino da tribo de Levi, que, segundo afirma o Antigo Testamento, era a única tribo em Israel que não possuía um patrimônio terreno, mas, como porção de herança, tinha tido em sorte exclusivamente o próprio Deus, a sua palavra e os seus sinais.

A Igreja abre-se ao mundo, não para obter a adesão dos homens a uma instituição com as suas próprias pretensões de poder, mas sim para os fazer reentrar em si mesmos e, deste modo, conduzi-los a Deus – Àquele de Quem cada pessoa pode afirmar com Agostinho: Ele é mais interior do que aquilo que eu tenho de mais íntimo (cf. Conf. III, 6, 11).

Não se trata aqui de encontrar uma nova táctica para relançar a Igreja. Trata-se, antes, de depor tudo aquilo que seja apenas táctica e procurar a plena sinceridade, que não descura nem reprime nada da verdade do nosso hoje, mas realiza a fé plenamente no hoje vivendo-a precisa e totalmente na sobriedade do hoje, levando-a à sua plena identidade, tirando dela aquilo que só na aparência é fé, não passando na verdade de convenções e hábitos nossos.

Por outras palavras, podemos dizer: sempre, e não apenas no nosso tempo, a fé cristã constitui um escândalo para o homem: que o Deus eterno se preocupe conosco, seres humanos, e nos conheça; que o Inatingível, num determinado momento, se tenha colocado ao nosso alcance; que o Imortal tenha sofrido e morrido na cruz; que nos sejam prometidas a nós, seres mortais, a ressurreição e a vida eterna – crer em tudo isto é para nós, homens, uma verdadeira presunção.

Este escândalo, que não pode ser abolido se não se quer abolir o cristianismo, foi infelizmente encoberto, mesmo recentemente, pelos outros tristes escândalos dos anunciadores da fé. Cria-se uma situação perigosa, quando estes escândalos ocupam o lugar do skandalon primordial da Cruz tornando-o assim inacessível, isto é, quando escondem a verdadeira exigência cristã por trás da incongruência dos seus mensageiros.

Há mais uma razão para pensar que seja novamente a hora de tirar corajosamente o que há de mundano na Igreja. Isto não significa retirar-se do mundo. Uma Igreja aliviada dos elementos mundanos é capaz de comunicar aos homens, precisamente no âmbito sóciocaritativo – tanto aos que sofrem como àqueles que os ajudam –, a força vital particular da fé cristã.

Certamente também as obras caritativas da Igreja devem continuamente prestar atenção à necessidade duma adequada separação do mundo, para evitar que, devido a um progressivo afastamento da Igreja, se sequem as suas raízes. Só a relação profunda com Deus torna possível uma atenção plena ao homem, tal como sem a atenção ao próximo se empobrece a relação com Deus.

Portanto, ser aberta às vicissitudes do mundo significa, para a Igreja «desmundanizada», testemunhar segundo o Evangelho, com palavras e obras, aqui e agora a soberania do amor de Deus. E esta tarefa remete ainda para além do mundo presente: de fato, a vida presente inclui a ligação com a vida eterna. Como indivíduos e como comunidade da Igreja, vivemos a simplicidade dum grande amor que, no mundo, é simultaneamente a coisa mais fácil e a mais difícil, porque requer nada mais nada menos que o doar-se a si mesmo. (SP)







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