BENTO XVI PRESIDE SANTA MISSA EM FRIBURGO, ÚLTIMA ETAPA DE SUA VIAGEM À ALEMANHA
Friburgo, 25 set (RV) – Diante de Deus “não contam as palavras, mas o agir,
a ação de conversão e de fé”. Assim, Bento XVI comentou a parábola dos dois filhos
convidados pelo pai para trabalhar na vinha, no Evangelho de Mateus. Diante de uma
multidão de quase cem mil fiéis, com os bispos provenientes de todas as dioceses da
Alemanha, o Papa presidiu nesta manhã no aeroporto de Friburgo a Santa Missa e a oração
do Angelus no último dia desta 21ª viagem apostólica. Eis na íntegra a homilia pronunciada
por Bento XVI:
Amados irmãos e irmãs,
Com particular emoção volto
aqui para celebrar a Eucaristia, a Acção de Graças, com tanta gente vinda de diversas
partes da Alemanha e dos países limítrofes. A nossa acção de graças, queremos dirigi-la
sobretudo a Deus, em Quem vivemos e nos movemos; mas quero agradecer também a todos
vós pela vossa oração em favor do Sucessor de Pedro, para que ele possa continuar
a desempenhar o seu ministério com alegria e segura esperança, confirmando os irmãos
na fé. «Ó Deus, que manifestais a vossa omnipotência sobretudo com a misericórdia
e o perdão…»: rezamos na colecta de hoje. Na primeira leitura, ouvimos dizer como
Deus, na história de Israel, manifestou o poder da sua misericórdia. A experiência
do exílio babilonense fizera o povo cair numa crise de fé: Por que sucedera aquela
desgraça? Seria Deus verdadeiramente poderoso? Há teólogos que, à vista de todas
as coisas terríveis que acontecem hoje no mundo, dizem que Deus não pode ser omnipotente.
Diversamente, nós professamos Deus, o Omnipotente, o Criador do céu e da terra. Sentimo-nos
felizes e agradecidos por Ele ser omnipotente; mas devemos, ao mesmo tempo, dar-nos
conta de que Ele exerce o seu poder de maneira diferente de como costumam fazer os
homens. Ele próprio impôs um limite ao seu poder, ao reconhecer a liberdade das suas
criaturas. Sentimo-nos felizes e agradecidos pelo dom da liberdade; mas, quando vemos
as coisas tremendas que sucedem por causa dela, assustamo-nos. Mantenhamos a confiança
em Deus, cujo poder se manifesta sobretudo na misericórdia e no perdão. E estejamos
certos, amados fiéis, de que Deus deseja a salvação do seu povo. Deseja a nossa salvação.
Sempre, mas sobretudo em tempos de perigo e transtorno, Ele está perto de nós, o seu
coração comove-se por nós, inclina-se sobre nós. Para que o poder da sua misericórdia
possa tocar os nossos corações, requer-se a abertura a Ele, é preciso a disponibilidade
de abandonar o mal, levantar-se da indiferença e dar espaço à sua Palavra. Deus respeita
a nossa liberdade; não nos constrange. No Evangelho, Jesus retoma este tema fundamental
da pregação profética. Narra a parábola dos dois filhos que são convidados pelo pai
para irem trabalhar na vinha. O primeiro filho respondeu: «“Não quero”. Depois, porém,
arrependeu-se e foi» (Mt 21, 29). O outro, ao contrário, disse ao pai: «“Eu vou, senhor.”
Mas, de facto, não foi» (Mt 21, 30). À pergunta de Jesus sobre qual dos dois cumprira
a vontade do pai, os ouvintes respondem: «O primeiro» (Mt 21, 31). A mensagem da parábola
é clara: Não são as palavras que contam, mas o agir, os actos de conversão e de fé.
Jesus dirige esta mensagem aos sumos sacerdotes e aos anciãos do povo, isto é, aos
peritos de religião no povo de Israel. Estes começam por dizer «sim» à vontade de
Deus; mas a sua religiosidade torna-se rotineira, e Deus já não os inquieta. Por isso
sentem a mensagem de João Baptista e a de Jesus como um incómodo. E assim o Senhor
conclui a sua parábola com estas palavras drásticas: «Os publicanos e as mulheres
de má vida vão antes de vós para o Reino de Deus. João Baptista veio ao vosso encontro
pelo caminho que leva à justiça, e não lhe destes crédito, mas os publicanos e as
mulheres de má vida acreditaram nele. E vós, que bem o vistes, nem depois vos arrependestes,
acreditando nele» (Mt 21, 31-32). Traduzida em linguagem do nosso tempo, a frase poderia
soar mais ou menos assim: agnósticos que, por causa da questão de Deus, não encontram
paz e pessoas que sofrem por causa dos nossos pecados e sentem desejo dum coração
puro estão mais perto do Reino de Deus de quanto o estejam os fiéis rotineiros, que
na Igreja já só conseguem ver o aparato sem que o seu coração seja tocado pela fé. Assim,
a palavra de Jesus deve fazer-nos reflectir; antes, deve abalar a todos nós. Isto,
porém, não significa de modo algum que todos quantos vivem na Igreja e trabalham para
ela se devam considerar distantes de Jesus e do Reino de Deus. Absolutamente, não!
Antes, este é o momento bom para dizer um palavra de profunda gratidão a tantos colaboradores,
contratados ou voluntários, sem os quais a vida nas paróquias e na Igreja inteira
seria impensável. A Igreja na Alemanha possui muitas instituições sociais e caritativas,
onde se cumpre o amor do próximo de forma eficaz, mesmo socialmente e até aos confins
da terra. Quero exprimir a minha gratidão e o meu apreço a todos quantos estão empenhados
na Cáritas alemã ou noutras organizações, ou então que disponibilizam generosamente
o seu tempo e as suas forças para tarefas de voluntariado na Igreja. Tal serviço requer,
primariamente, uma competência objectiva e profissional; mas, no espírito do ensinamento
de Jesus, exige-se algo mais, ou seja, o coração aberto, que se deixa tocar pelo amor
de Cristo, e deste modo é prestado ao próximo, que precisa de nós, mais do que um
serviço técnico: o amor, no qual se torna visível ao outro o Deus que ama, Cristo.
Neste sentido, interroguemo-nos: Como é a minha relação pessoal com Deus na oração,
na participação na Missa dominical, no aprofundamento da fé por meio da meditação
da Sagrada Escritura e do estudo do Catecismo da Igreja Católica? Queridos amigos,
em última análise, a renovação da Igreja só poderá realizar-se através da disponibilidade
à conversão e duma fé renovada. No Evangelho deste domingo, fala-se de dois filhos,
mas misteriosamente por detrás deles há ainda um terceiro filho. O primeiro filho
diz «não», mas depois cumpre a vontade do pai. O segundo filho diz «sim», mas não
faz o que lhe foi ordenado. O terceiro filho diz «sim» e faz também o que lhe foi
ordenado. Este terceiro filho é o Filho Unigénito de Deus, Jesus Cristo, que aqui
nos reuniu a todos. Ao entrar no mundo, Ele disse: «Eis que venho (…) para fazer,
ó Deus, a vossa vontade» (Heb 10, 7). Este «sim», Ele não se limitou a pronunciá-lo,
mas cumpriu-o. Diz-se no hino cristológico da segunda leitura: «Ele, que era de condição
divina, não quis ter a exigência de ser posto ao nível de Deus. Antes, a Si próprio
Se despojou, tomando a condição de escravo, ficando semelhante aos homens. Tido no
aspecto como simples homem, ainda mais Se humilhou a Si mesmo, obedecendo até à morte
e morte na cruz» (Flp 2, 6-8). Em humildade e obediência, Jesus cumpriu a vontade
do Pai, morreu na cruz pelos seus irmãos e irmãs e redimiu-nos da nossa soberba e
obstinação. Agradeçamos-Lhe pelo seu sacrifício, ajoelhemos diante do seu Nome e,
juntamente com os discípulos da primeira geração, proclamemos: «Jesus Cristo é Senhor,
para glória de Deus Pai» (Flp 2, 11). A vida cristã deve medir-se continuamente
pela de Cristo: «Tende entre vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus»
(Flp 2, 5) – escreve São Paulo ao introduzir o hino cristológico. E, alguns versículos
antes, exorta: «Se há em Cristo alguma consolação, algum conforto na caridade; se
existe alguma participação nos dons do Espírito Santo, alguns sentimentos de ternura
e misericórdia, então completai a minha alegria, mantendo-vos unidos nos mesmos sentimentos:
conservai a mesma caridade, uma alma comum, um mesmo e único sentir» (Flp 2, 1-2).
Assim como Cristo estava totalmente unido ao Pai e era-Lhe obediente, assim também
os seus discípulos devem obedecer a Deus e manter entre si um mesmo sentir. Queridos
amigos, com Paulo ouso exortar-vos: Tornai plena a minha alegria, permanecendo firmemente
unidos em Cristo! A Igreja na Alemanha vencerá os grandes desafios do presente e do
futuro e continuará a ser fermento na sociedade, se os sacerdotes, as pessoas consagradas
e os leigos que acreditam em Cristo, na fidelidade à vocação específica de cada um,
colaborarem em unidade; se as paróquias, as comunidades e os movimentos se apoiarem
e enriquecerem mutuamente; se os baptizados e os crismados, em união com o Bispo,
mantiverem alta a chama de uma fé intacta e, por ela, deixarem iluminar a riqueza
dos seus conhecimentos e capacidades. A Igreja na Alemanha continuará a ser uma bênção
para a comunidade católica mundial, se permanecer fielmente unida aos Sucessores de
São Pedro e dos Apóstolos, se tiver a peito de variados modos a cooperação com os
países de missão e se nisto se deixar «contagiar» pela alegria na fé das jovens Igrejas. Com
a exortação da unidade, Paulo associa o apelo à humildade: «Não façais nada por rivalidade,
nem por vanglória; mas, por humildade, considerai os outros superiores a vós mesmos,
sem olhar cada um aos seus próprios interesses, mas aos interesses dos outros» (Flp
2, 3-4). A vida cristã é uma «existência-para»: um viver para o outro, um compromisso
humilde a favor do próximo e do bem comum. Amados fiéis, a humildade é uma virtude
que hoje não goza de grande estima. Mas os discípulos do Senhor sabem que esta virtude
é, por assim dizer, o óleo que torna fecundos os processos de diálogo, fácil a colaboração
e cordial a unidade. Humilitas, a palavra latina donde deriva «humildade», tem a ver
com humus, isto é, com a aderência à terra, à realidade. As pessoas humildes vivem
com ambos os pés na terra; mas sobretudo escutam Cristo, a Palavra de Deus, que ininterruptamente
renova a Igreja e cada um dos seus membros. Peçamos a Deus a coragem e a humildade
de prosseguirmos pelo caminho da fé, de nos saciarmos na riqueza da sua misericórdia
e de mantermos o olhar fixo em Cristo, a Palavra que faz novas todas as coisas, que
é para nós «o caminho, a verdade e a vida» (Jo 14, 6), que é o nosso futuro. Amen.