Belo Horizonte, 23 set (RV) - Uma possível análise mostra que a sociedade brasileira
encontrava-se em estado de letargia diante da corrupção. Talvez por certo cansaço
de lutar contra um mal que tem força hercúlea.
No entanto, recentemente, muitos
brasileiros se levantaram e foram às ruas para protestar contra o descalabro da corrupção,
particularmente na Festa da Independência, inconformados ao ver a corrosão do erário
público. A tristeza da malversação de recursos ante as urgências de modernização e
a ausência de melhor e mais adequada infraestrutura no atendimento de necessidades
básicas como a saúde, o transporte e a habitação perpetuam cenários de déficits comprometedores
para o futuro dessa sociedade.
Essa indignação tem razões variadas. Não pode
ser outro o sentimento e a conduta senão de repulsa quando se considera a escalada
sem igual de escândalos de corrupção e absurdos de imoralidades. Seja a permissividade
pela relativização de valores morais, seja pela ganância. O sistema político está
atingido frontalmente pela sucessão de escândalos. Por isso mesmo, a reação - que
vem como um grito - rejeita as cores partidárias. O partidário muitas vezes, quando
na oposição, faz frente à corrupção empunhando a bandeira da transparência e, noutra
ocasião, acoberta situações absurdas.
Os atuais movimentos nos remetem a outros
fatos, como a conquista da Lei de Iniciativa Popular Ficha Limpa, vergonhosamente
desrespeitada por instâncias do poder, em absolvições coniventes. A indignação não
pode ser usada como bandeira eleitoral, cobertura para camuflagens e esconderijos
de corruptos. Ou simples linguagem para perpetuar o discurso inócuo da demagogia.
Esta aversão precisa se configurar como indignação sagrada, entendida como aquela
que corria no sangue dos profetas de Israel, na condição exemplar de Isaías. Sua veemente
crítica social nada tem a ver com um discurso panfletário qualquer que aponta os outros
como responsáveis ou profetiza a mudança profunda e radical apenas nas estruturas
e nas configurações institucionais.
O início de sua profecia, capítulo primeiro,
“vosso país está arrasado, vossas cidades destruídas pelo fogo, e as terras, bem diante
dos vossos olhos, devoradas por estrangeiros”, remete à solução, iluminada pela claridade
do entendimento da realidade, a uma consciência individual que se desdobra no âmbito
social e político. Esta consciência alavanca uma conduta social sustentada pela moralidade.
Uma configuração indispensável para se vencer a corrupção. Isaías, então, diz: “Lavai-vos,
limpai-vos, tirai da minha vista as injustiças que praticais. Parai de fazer o mal,
aprendei a fazer o bem, buscai o que é correto, defendei o direito do oprimido, fazei
justiça para o órfão, defendei a causa da viúva”.
A conduta ética e transparente
é o segredo para que a indignação ganhe lastro de transformação radical nas dinâmicas
da sociedade que precisa se livrar de todo tipo de corrupção. O segredo é, pois, a
moralidade que delineia a conduta de cada um. Configuração que alimenta e exige o
sentido de respeito em todas as circunstâncias. Uma superação desse mundo de mentiras
e enganos que vão construindo situações e circunstâncias que são, na verdade, apenas
um faz de conta.
A corrupção se combate com a superação de toda mentira e enganação.
Essa indignação precisa ganhar corpo com práticas individuais e coletivas que possam
substituir o interesse espúrio pela transparência e sinceridade.
Nessa hora,
somos chamados a cultivar valores e princípios. E também a retomar o Sermão da Montanha,
diariamente, como oração e meditação, capítulos 5 a 7 do Evangelho de Mateus. Será,
sem dúvida, um grande exercício de correção e conversão que pode, com êxito, fazer
desse movimento dos brasileiros um caminho rumo à moralidade.
Dom Walmor Oliveira
de Azevedo Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte