CRUZ VERMELHA AJUDA A ENFRENTAR AS CONSEQUÊNCIAS HUMANITÁRIAS DA VIOLÊNCIA ARMADA
NO RIO DE JANEIRO
Cidade do Vaticano, 05 set (RV) - O Cômite Internacional da Cruz Vermelha (CICV)
está presente no Rio de Janeiro há quase quatro anos e desenvolve programas para reduzir
as consequências humanitárias da violência armada sobre os moradores em meio urbano.
O chefe do projeto Rio de Janeiro, Stephan Sakalian, explica como e porque o CICV
atua em sete comunidades ou conjuntos de comunidades: Cantagalo/Pavão-Pavãozinho,
Cidade de Deus, Complexo da Maré, Complexo do Alemão, Parada de Lucas, Vigário Geral
e Vila Vintém.
Como o CICV descreve a situação nas comunidades do Rio de Janeiro,
chamada muitas vezes pela mídia como "guerra"?
É uma situação de violência
armada em meio urbano, o que não chega ao nível de um conflito armado segundo a definição
estabelecida pelo Direito Internacional Humanitário. Há situações de violência armada
entre narcotraficantes e milícias ou entre as polícias e as Forças Armadas e essas
facções. Infelizmente, esse tipo de violência armada em meio urbano está presente
não apenas no Rio de Janeiro, mas também em países onde há uma combinação de fatores
como alta urbanização, fortes desigualdades sociais e presença de grupos criminosos
armados e altamente organizados. Qual o impacto dessa violência armada em
meio urbano sobre a população?
A população de algumas áreas da cidade sofre
há décadas uma exposição contínua à violência armada. Em primeiro lugar, há o sofrimento
e o sentimento de impotência das vítimas, seja de pessoas feridas ou daqueles que
vivem essa violência no seu lar. Outro aspecto são as feridas menos visíveis: o pesadelo
da violência, o fato de as pessoas terem de lidar diariamente com o estresse, a ansiedade,
a ausência das pessoas amadas, o medo de perder um ente querido. Devido à violência
a que aos moradores estão expostos, os profissionais da saúde e da educação têm condições
de trabalho difíceis - às vezes perigosas - e os serviços públicos não podem ser oferecidos
plenamente, causando a marginalização dessa população, que perde acesso a uma série
de serviços públicos ou privados, assim como a possibilidade de exercer seus direitos.
Por
que o CICV realiza atividades no Rio de Janeiro?
Ao atuar em guerras há
mais de 150 anos, o CICV tem ampla experiência no trabalho humanitário em situações
de violência armada. Por isso, acreditamos que podemos aproveitar essa experiência
para melhorar a resposta aos problemas urbanos, inclusive no Rio de Janeiro, onde
não há uma guerra.
Que programas o CICV desenvolveu para as populações
mais vulneráveis?
Procuramos focar nosso trabalho nas pessoas mais vulneráveis
da comunidade, seja em relação à violência ou ao alto nível de vulnerabilidade social.
Entre os programas desenvolvidos, estão: Primeiros socorros comunitários, Apoio de
saúde mental, Acesso à saúde, Apoio às mães adolescentes e suas crianças e Abrindo
Espaços Humanitários (AEH), desenvolvido em escolas. Além disso, dialogamos com policiais,
Forças Armadas e facções armadas ilegais e temos acesso aos detidos (leia
quadro abaixo). É importante destacar que a maioria de nossos programas
é realizada em parceria com autoridades governamentais, instituições públicas, a Cruz
Vermelha Brasileira (CVB) e ONGs locais.
Quais são os resultados das atividades
iniciadas em 2008?
Hoje, o CICV está presente e atua diariamente em sete
comunidades cariocas, com boa aceitação por parte da população e dos atores armados
nessas áreas. Vemos, ademais, que os professores das escolas estaduais onde trabalhamos
se sentem mais capacitados para enfrentar as situações difíceis do dia a dia, assim
como os agentes de saúde que participaram de nossas oficinas. Um
dos objetivos dos programas é "empoderar" a comunidade. Assim, um passo relevante
que demos foi a ampliação de espaços de reflexão sobre as consequências da violência
armada nas comunidades, visibilizando o problema da violência ao tentar quebrar a
"lei do silêncio", o medo e a vergonha. Vemos que, em muitos casos, a violência, que
antes era um tabu, passou a ser um assunto discutido, o que permitiu minimizar seus
efeitos. Além disso, programas como "Primeiros Socorros Comunitários" têm resultados
concretos, com mais de 300 pessoas treinadas, que podem ajudar familiares e vizinhos
no primeiro atendimento e no transporte adequado em casos em que os serviços de emergência
não conseguem chegar a tempo. Outra de nossas prioridades foi
criar vínculos entre instituições que atuam nessas comunidades. Por exemplo, iniciamos
um diálogo entre autoridades médicas e policiais sobre a necessidade de respeitar
a missão de saúde. Também estimulamos a interação entre professores e alunos, para
que possam refletir sobre violência e proteger melhor as escolas.
O CICV
tem contato com todos os atores armados?
O CICV está convencido de que,
para minimizar os efeitos da violência, além da assistência humanitária, é essencial
estabelecer um diálogo com os portadores de armas, sejam eles do Estado, como a polícia
e o Exército, ou de facções armadas ilegais. Com base em seus princípios de neutralidade,
imparcialidade e independência, o CICV se aproxima dos atores armados para sensibilizá-los
e responsabilizá-los sobre as consequências humanitárias da violência armada. A necessidade
de respeitar os profissionais da saúde e a comunidade escolar, o imperativo de permitir
o pronto atendimento aos feridos ou o princípio humanitário de tratar os corpos das
pessoas mortas com dignidade são alguns dos temas prioritários abordados pelo CICV. Como
se assegura que todos os atores armados concordem com a presença do CICV?
Explicamos
com muita transparência a todos os moradores, lideranças e instituições presentes
nas comunidades o que é CICV, como agimos e quais são nossos objetivos específicos.
Desse modo, conseguimos obter mais facilmente a aceitação dos atores armados nas comunidades
em que atuamos. Em paralelo ao diálogo institucional com forças
de segurança sobre a situação humanitária, buscamos também um contato direto com facções
armadas ilegais para abordar nossas preocupações. No entanto, para desenvolver e manter
um diálogo de qualidade é preciso tempo e confiança. No Rio de Janeiro, como em todos
os contextos do mundo onde o CICV atua, a confidencialidade é uma ferramenta essencial
que possibilita ter acesso seguro às pessoas afetadas pela violência. Em consequência,
todos os assuntos delicados discutidos, por exemplo, com o Exército e a polícia ou
facções armadas ilegais, são tratados de maneira confidencial pelo CICV e não podem
ser divulgados publicamente.
Primeiros Socorros Comunitários
Em
parceria com a Cruz Vermelha Brasileira (CVB), o CICV capacita em primeiros socorros
voluntários da CVB e moradores das comunidades onde os serviços de saúde de emergência
têm dificuldade de acesso, em muitas ocasiões, devido à violência armada. São formados
instrutores para serem multiplicadores nas comunidades. Além disso, os moradores aprendem
noções básicas de como agir em casos de perfurações por armas de fogo (PAF) e acidentes
domésticos ou de trânsito, entre outras situações de emergência.
Abrindo
Espaços Humanitários (AEH)
O programa AEH promove o diálogo entre alunos
e professores sobre os princípios humanitários, o respeito à vida e à dignidade humana,
orientações de autoproteção em situações de risco, noções básicas de primeiros socorros
e prevenção da violência. Essas temáticas são desenvolvidas por meio de oficinas,
que integram o calendário letivo. Criado pelo CICV e pela Secretaria de Estado de
Educação do Rio de Janeiro (Seeduc) em 2009, o AEH é dirigido a alunos de escolas
do Ensino Médio.
Acesso à Saúde
O CICV busca facilitar o acesso
dos moradores de comunidades atingidas pela violência armada ao sistema de saúde,
em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro (SMSDC).
Nesse âmbito, oferece orientações sobre comportamento mais seguro para as equipes
do Programa Saúde da Família (PSF), entre outras iniciativas.
Assistência
de Saúde Mental
A fim de aliviar o sofrimento emocional de pessoas afetadas
pela violência armada nas comunidades, o CICV, em parceria técnica com as equipes
do PSF da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro (SMSDC),
presta assistência de saúde mental por meio de grupos de apoio terapêutico e outras
atividades. Essa cooperação técnica promove ações de apoio mútuo e aumenta a integração
das pessoas afetadas na comunidade.
Mães Adolescentes e suas Crianças
Por
meio de visitas domiciliares e encontros de grupo, o CICV, em parceria com a SMSDC,
acompanha adolescentes gestantes e suas crianças, a fim de promover seu desenvolvimento
saudável e facilitar o acesso a cuidados de saúde adequados e atendimento psicossocial.
A organização também busca melhorar a proteção do ambiente familiar em contextos de
vulnerabilidade social e violência armada. Por fim, capacita profissionais da rede
pública de saúde para atuarem nessa área e darem sustentabilidade à ação. Diálogo
com atores armados
O diálogo com forças policiais sobre a importância do
respeito à vida e à dignidade humana é também uma forma de atuar do CICV. Além de
promover e reforçar suas ações e programas, a organização busca integrar as normas
internacionais de direitos humanos aplicáveis à função policial no ensino, doutrina
e treinamento para a Polícia Militar e a Polícia Civil. Dessa maneira, promove o conhecimento
e a melhor compreensão por parte de forças policiais sobre os direitos humanos e o
respeito às normas internacionais que regem o uso da força e das armas de fogo e apoia
a conscientização quanto aos valores humanitários. O CICV visa igualmente estabelecer
um contato direto com facções armadas ilegais para estabelecer um diálogo sobre preocupações
humanitárias.
Acesso aos detidos
Com o objetivo de garantir que
os detidos sejam tratados com dignidade e humanidade, o CICV coopera com o Núcleo
de Controle de Presos (Nucop) da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ)
em três carceragens do Estado: Grajaú, Neves e Magé. Por meio de visitas regulares
de monitoramento e de diálogos privados com as autoridades responsáveis, a instituição
busca soluções adaptadas para os problemas humanitários identificados. (CICV-RB)