JMJ dão visibilidade à fé, são uma cascata de luz, uma sementeira de Deus, os frutos
não são contabilizáveis: Bento XVI falando com os jornalistas que o acompanhavam no
voo para Madrid
Ainda no rescaldo
da JMJ de Madrid, com a viagem pastoral de Bento XVI, de quinta a domingo passados,
vale a pena recordar aqui as declarações feitas pelo Papa no costumado encontro com
os jornalistas que o acompanhavam no voo de Roma até à capital espanhola. Uma espécie
de conferência de imprensa improvisada, em resposta a uma série de questões propostas
pelos jornalistas. A primeira pergunta dizia respeito precisamente ao significado
que assumem estes encontros periódicos de jovens de todo o mundo, que são as JMJ,
uma “fórmula” inventada por João Paulo II…
“Diria que estas JMJ são
um sinal, uma cascata de luz: dão visibilidade à fé, à presença de Deus no mundo e
criam assim a coragem de ser crente. Muitas vezes os crentes sentem-se isolados neste
mundo, quase perdidos . Aqui vêem que não estão sós, que há uma grande rede de fé,
uma grande comunidade de crentes no mundo, que é belo viver nesta amizade universal.
Nascem amizades, amizades para além dos confins das diversas culturas, dos diferentes
países. E este nascimento de uma rede universal de amizade, que liga o mundo e Deus,
é uma importante realidade para o futuro da humanidade, para a vida da humanidade
de hoje. Naturalmente, a JMJ não pode ser um acontecimento isolado: faz parte de um
caminho mais amplo, deve ser preparado também com este peregrinar da Cruz (das JMJ)
que vai de um país a outro e já aí une entre si os jovens, no sinal da Cruz e no maravilhoso
sinal que é Nossa Senhora. A preparação da JMJ é muito mais do que uma preparação
técnica, material, de um acontecimento que tem, sem dúvida, tantos problemas técnicos
(que têm que ser enfrentados e resolvidos convenientemente). Mas é essencial a preparação
interior, o pôr-se a caminho em direção aos outros, em direção a Deus. Depois, seguidamente,
criam-se grupos de amizade e haverá que manter este contacto universal que abre as
fronteiras das culturas, dos contrastes humanos, religiosos. Prossegue-se assim o
caminho que vai conduzindo a uma nova JMJ. Parece-me que as JMJ devem ser encaradas
neste sentido, como sinal, como parte de um grande caminho, que cria amizades, abre
fronteiras e torna visível que é belo estar com Deus, e que Deus está conosco. É neste
sentido que queremos prosseguir com esta grande ideia do Beato Papa João Paulo II.”
-
Santidade, os tempos mudam. A Europa e o mundo ocidental em geral, vivem agora uma
profunda crise económica, que manifesta ao mesmo tempo dimensões de grave mal-estar
moral e social, e de grande incerteza em relação ao futuro, factos que se revelam
como particularmente dolorosos para os jovens. Recentemente, vimos, por exemplo, o
que aconteceu na Grã Bretanha, com o desencadear de rebelião e de agressividade. Por
outro lado, há também sinais de empenho generoso e entusiasta, de voluntariado e de
solidariedade, de jovens crentes e não crentes… Que mensagens pode dar a Igreja para
fornecer esperança e encorajar os jovens, no mundo, sobretudo aqueles que se sentem
tentados pelo desânimo e pela rebelião?
Na atual crise
económica confirma-se o que já se tinha revelado na crise anterior: que a dimensão
ética não é algo de exterior aos problemas económicos, mas uma sua dimensão interior
e fundamental. A economia não funciona só com a auto-regulamentação mercantil. Tem
necessidade de uma razão ética para funcionar a bem do homem. Aparece de novo o que
o Papa João Paulo II tinha já dito na sua primeira encíclica social (“Laborem exercens”):
que deve ser o homem o centro da economia; que a economia não deve ser avaliada segundo
o máximo lucro, mas segundo o bem de todos; implica responsabilidade em relação ao
outro, só funciona verdadeiramente bem se funcionar de modo humano, no respeito pelo
outro. Responsabilidade em diversas dimensões: - responsabilidade em relação à própria
nação e não só pelo interesse pessoal, individual; - responsabilidade também pelo
mundo – isso porque cada nação, ou a própria Europa, não existem só em si, mas são
responsáveis também por toda a humanidade e deve pensar nos problemas económicos sempre
nesta chave da responsabilidade em relação às outras partes do mundo, nomeadamente
os que sofrem, os que têm fome e sede, os que não têm futuro. Sabemos que temos o
dever de proteger o nosso planeta, mas devemos proteger também – ao fim e ao cabo
– o funcionamento do serviço do trabalho económico a bem de todos, não esquecendo
nunca que o amanhã é também hoje. Se os jovens de hoje não encontram perspetivas para
a sua vida, quer dizer que o mundo de hoje não está certo, vai mal. Portanto, a Igreja,
com a sua doutrina social, com a doutrina sobre a responsabilidade de Deus, abre a
capacidade de renunciar ao máximo do lucro, para ver as coisas na sua dimensão humanística
e religiosa, isto é, sermos uns para os outros. Podem-se assim abrir caminhos. Por
exemplo, o grande número de voluntários que trabalham em várias partes do mundo, não
para si, mas para os outros, e que encontram assim o sentido da vida. Eles demonstram
que é possível fazer isto e que é fundamental para o futuro uma educação para estes
grandes objetivos, como a Igreja procura fazer.
- Santidade, os
jovens do mundo de hoje vivem geralmente em meios multiculturais e multi-confessionais.
Mais do que nunca é necessária a tolerância. O Santo Padre insiste sempre muito sobre
o tema da verdade. Não acha que insistir assim tanto sobre a verdade e sobre a única
Verdade que é Cristo é um problema para os jovens de hoje? Não lhe parece que esta
insistência corre o risco de os levar à contraposição e à dificuldade de dialogar
e de procurar conjuntamente com os outros?
O elo entre verdade
e intolerância, entre monoteísmo e incapacidade de diálogo com os outros, é um tema
que vem ao de cima muitas vezes, no debate atual sobre o cristianismo. Naturalmente
é um facto que ao longo da história também houve abusos, tanto no conceito de verdade
como no conceito de monoteísmo. Mas eram abusos. A realidade é totalmente diferente.
A questão é mal colocada, porque só na liberdade é que a verdade é acessível. Pode-se
impor, com a violência, comportamentos, observâncias, atividades, mas não a verdade!
A verdade abre-se só à liberdade, ao consentimento livre. Por isso, liberdade e verdade
estão intimamente unidas, uma é condição para a outra. Aliás, ao procurar a verdade,
procuramos os verdadeiros valores que dão vida e futuro. Não há alternativa. Não desejamos
a falsidade, não queremos o positivismo de normas impostas à força. Só os verdadeiros
valores conduzem ao futuro. Portanto, é necessário procurar os verdadeiros valores
e não deixar correr o arbítrio de alguns. Não deixar que se estabeleça uma razão positivista
que se impõe, sobre os problemas éticos, sobre os grandes problemas do homem. Não
há uma verdade racional. Seria na prática expor o homem ao arbítrio do quantos detêm
o poder. Precisamos de estar sempre à busca da verdade, dos verdadeiros valores. Temos
um núcleo de valores nos direitos humanos fundamentais. Há elementos fundamentais
desse género que são reconhecidos como tais. É precisamente nesta base que se torna
possível o diálogo um com o outro. A verdade é dialogal – de si mesma, como tal, porque
procura conhecer melhor, compreender melhor, e fá-lo dialogando com os outros. Assim,
procurar a verdade e a dignidade do homem é a maior defesa da liberdade.
-
Santidade, as Jornadas Mundiais da Juventude são um tempo belíssimo e suscitam muito
entusiasmo, mas depois ao jovens voltam a casa e encontram de novo um mundo em que
a prática religiosa se vai reduzindo muitíssimo. É provável que muitos deles não voltarão
a pôr os pés na igreja. Como dar continuidade aos frutos das JMJ? Acha que dão mesmo
resultados de longa duração, para além dos momentos de grande entusiasmo?
A
sementeira de Deus é sempre silenciosa, não aparece logo nas estatísticas. E com a
semente que o Senhor coloca na terra com as JMJ, as coisas passam-se como com a semente
de que fala o Evangelho: uma cai na terra e perde-se; outra cai na pedra e perde-se;
uma cai no meio dos espinhos… e perde-se; mas há uma semente que cai em terra boa
e dá muito fruto. É exatamente a mesma coisa com a sementeira da JMJ. Muito se perde,
isto é humano. Com outras palavras do Senhor: o grão de mostarda é pequenino, mas
depois cresce e torna-se numa grande árvore. Por outras palavras: claro que se perde
muita cosa. Não podemos dizer logo: a partir de amanhã recomeça um grande crescimento
da Igreja. Deus não age assim. Mas cresce em silêncio, e muito. Sei que das outras
JMJ nasceram tantas amizades, amizades para toda a vida. Tantas novas experiências
de que há Deus. E é neste crescimento silencioso que nós confiamos. Temos a certeza,
mesmo se as estatísticas não falarão muito disso, temos a certeza que a semente do
Senhor cresce mesmo, e será para muita gente o início de uma amizade com Deus e com
os outros, de uma universalidade do pensamento, de uma responsabilidade comum que
nos mostra que estes dias da JMJ dão fruto. Obrigado!