Paulo VI, breve perfil do pontificado, a 33 anos da sua morte
Há 33
anos, a 6 de Agosto de 1978, festa da Transfiguração do Senhor, tornava à Casa do
Pai o Papa Paulo VI. Humilde e corajosa testemunha da Verdade, apóstolo da paz, homem
do diálogo entre os povos e as culturas, que soube levar a cumprimento, com sabedoria
e abertura de espírito, o Concílio Vaticano II. Evocamos hoje brevemente, nesta rubrica
dedicada a “factos e personagens da história da Igreja”, esta nobre figura de homem
de Deus.
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“Fidem servavi” (conservei a fé): nesta
expressão paulina, pronunciada poucos dias antes da sua própria morte, está condensado
todo o pontificado de Paulo VI. Um Papa sereno e firme, enamorado da Verdade, que
guiou a barca de Pedro em anos tempestuosos para a Igreja e para o mundo. Eleito a
21 de Junho de 1963, o Papa Montini confrontou-se desde logo com um desafio histórico:
levar ao seu cumprimento o Concílio Vaticano II, nascido de uma intuição profética
de João XXIII, mas que após os entusiasmos iniciais corria o risco de se bloquear.
Na Missa do início do pontificado, a 30 de Junho de 1963, Paulo VI não esconde as
suas preocupações e propõe aos fiéis a sua visão da Igreja:
“Defenderemos
a santa Igreja dos erros de doutrina e de costumes, que dentro e fora dos seus confins
ameaçam a sua integridade e desfeiam a sua beleza; procuraremos conservar e incrementar
a virtude pastoral da Igreja, que a apresenta livre e pobre, na atitude que lhe é
própria, de mãe e mestra, amorosíssima com os seus filhos, os fiéis, respeitosa, compreensiva,
paciente”.
Três meses depois, a 29 de Setembro, Papa Montini preside à solene
abertura da segunda sessão do Concílio. No seu discurso, enumera as quatro finalidades
deste extraordinário acontecimento: - o aprofundamento e a exposição doutrinal do
mistério da Igreja; a sua renovação interior; o incremento da unidade dos cristãos
e o diálogo da Igreja com o mundo contemporâneo. Paulo VI, que tomara parte, como
arcebispo de Milão, na primeira sessão conciliar, não se limita a ser um mero, digamos
assim, “notário do Concílio”. Segue com cuidado e paixão os trabalhos conciliares,
intervém do melhor modo nas circunstâncias mais delicadas. E no discurso de encerramento
do Concílio Vaticano, o Pontífice exprime sentimentos de alegria e comoção.
“Este
Concílio confia à história a imagem da Igreja católica representada por esta assembleia,
cheia de Pastores que professam a mesma fé, que respiram a mesma caridade, associados
na mesma comunhão de oração, de disciplina, de actividade, e – aspecto admirável –
todos desejosos de uma só coisa – oferecerem-se a si próprios, como Cristo nosso Mestre
e Senhor, pela vida da Igreja e pela salvação do mundo”.
Nos seus quinze
anos de pontificado, Papa Montini empenhar-se-á decididamente a favor da paz no mundo,
também pelo reforço da dimensão missionária da Igreja, sublinhada na Exortação “Evangelii
nuntiandi”. Institui uma Jornada da Paz, a celebrar no primeiro de Janeiro de cada
ano. E faz-se apóstolo da paz até aos confins da terra, com as suas nove viagens apostólicas
internacionais que o levarão a tocar todos os continentes. Memorável o seu discurso
à assembleia das Nações Unidas, em Nova Iorque, a 4 de Outubro de 1965, com o seu
vibrante apelo contra a guerra:
“Nunca mais a guerra, numa mais a guerra!
É a paz, é a paz que deve guiar a sorte dos Povos e de toda a humanidade!”
Paulo
VI não é indiferente ao sofrimento das nações africanas dilaceradas pela miséria.
Em 1967 publica a Encíclica “Populorum progressio”. “O desenvolvimento – escreve –
é o novo nome da paz”. Mas – explica – há-de ser um “desenvolvimento integral”, visando
“a promoção de cada homem e do homem todo”. Com o Concílio, a Igreja actualiza-se
(“aggiornamento”), renova-se profundamente. Muitos, porém, querem dar uma interpretação
ou progressista ou conservadora, sem captar o autêntico significado do acontecimento.
As turbulências pós-conciliares muito farão sofrer Paulo VI, que nunca deixará
de testemunhar a Verdade, convencido, como Santo Agostinho, de que a felicidade… é
precisamente “a alegria da verdade” (“gaudium de veritate”). O caso mais evidente,
neste sentido, é a publicação em 1968 da “Humanae vitae”. Esta Encíclica, centrada
sobre o amor conjugal responsável, reafirma o “não” da Igreja ao uso dos sistemas
artificiais de contracepção. Naquele 68 – ano símbolo da contestação – Paulo VI torna-se
objecto, mesmo no interior da Igreja católica, de críticas cáusticas, que por vezes
degeneram mesmo em insultos. E contudo tinha sido, para o Papa Montini, uma decisão
bem pesada, longamente meditada. A 4 de Agosto de 1968, por ocasião do Angelus, o
Papa expõe com límpida coerência, as respectivas razões:
“A nossa palavra
não é fácil, não é conforme a um uso que hoje em dia se vai difundindo como cómodo
e aparentemente favorável ao amor e ao equilíbrio familiar. Queremos recordar que
a norma por nós reafirmada não é nossa, mas é própria das estruturas da vida, do amor
e da dignidade humana”.
Promotor da “civilização do amor” , Paulo VI aliará
aos seus esforços pela paz, um constante e frutuoso empenho ecuménico, na convicção
de que, só unidos, os cristãos poderão ser factor de reconciliação entre os povos.
Histórico o seu encontro em Jerusalém com o Patriarca de Constantinopla, Atenágoras,
em 1964. O seu abraço fraterno comove tanto os católicos como os ortodoxos. No ano
seguinte, é finalmente revogada a excomunhão que as duas Igrejas tinham cominado uma
à outra em 1054. Passos em frente se deram também no diálogo com os anglicanos. Em
1966, Paulo VI encontrou-se com o arcebispo de Cantuária, Michael Ramsey. Três anos
depois, em Genebra, visitava o Conselho Ecuménico das Igrejas. Dotado de grande
sensibilidade, em 1978, precisamente nos últimos meses da sua existência terrena,
Papa Montini vive um momento especialmente dramático de seu amigo Aldo Moro. Numerosos
e vibrantes foram os apelos que dirigiu directamente aos “homens das Brigadas Vermelhas”.
Homem
de grande cultura, amante da arte e da literatura, Paulo VI redescobriu o valor do
mecenatismo, da Igreja que encomenda obras de arte. O escultor Manzú e o arquitecto
Nervi foram alguns dos artistas mais conhecidos que trabalharam para a Santa Sé durante
o seu pontificado. O Papa Montini potenciou a Rádio Vaticano e a Academia das Ciências,
exortou os homens de cultura a servirem a verdade, a promoverem a dignidade do homem
criado à imagem de Deus. De entre os tantos frutos do seu ministério petrino, há que
recordar também a reforma litúrgica na sequência do Concílio Vaticano II, a reforma
da Cúria Romana e a celebração do Ano jubilar de 1975. A 29 de Junho de 1978,
praticamente a um mês da sua morte, Paulo VI podia afirmar, como São Paulo, ter combatido
a boa batalha do Evangelho:
“O nosso ofício é o mesmo de Pedro, ao qual Cristo
confiou o mandato de confirmar os seus irmãos: é o ofício de servir a verdade da fé…
Eis, Irmãos e Filhos, o desejo incansável, vigilante, esgotante, que nos moveu nestes
quinze anos de pontificado. ‘Fidem servavi’! (conservei a fé) podemos dizer hoje,
com a humilde e firme consciência de nunca ter atraiçoado a santa verdade”.