Documentos do Arquivo Secreto do Vaticano sobre Portugal revelam «realidade nua e
crua da Igreja»
(5/7/2011) O historiador José Eduardo Franco, coordenador da obra ‘Arquivo Secreto
do Vaticano – Expansão Portuguesa”, afirmou à ECCLESIA que os três volumes da investigação
que se estende até ao século XX revelam a “realidade nua e crua da Igreja”. “Este
arquivos são a expressão da realidade humana, que também é transversal à Igreja”,
refere o investigador, acrescentando que os documentos desvendam “conflitos e sucessos,
inveja e amor, ódio e guerra, vidas exemplares e vidas pouco exemplares”. O estudo,
que se baseou num trabalho desenvolvido por várias equipas durante 15 anos em Portugal
e no fundo da Nunciatura de Lisboa no Vaticano, mostra uma “realidade íntima, e também
secreta, do governo e da administração” eclesiais. Os três tomos, correspondentes
ao Brasil, Oriente, costa ocidental de África e ilhas atlânticas, abordam o "processo
de globalização do cristianismo e da Igreja Católica nas suas imbricações com as diferentes
culturas e o Estado”, descreve o especialista madeirense. O caráter expansionista
da Igreja “foi casado, em determinados momentos, com o ideário de alguns Estados,
nomeadamente das coroas ibéricas, no período da expansão portuguesa”, explica José
Eduardo Franco. Registaram-se também períodos de “tensão”, nomeadamente durante
o governo do Marquês de Pombal (séc. XVIII) e no século seguinte, com o confronto
entre poderes e ideologias defendidas pelo trono e pelo altar. O coordenador está
convencido de que o estudo é “um serviço à transparência da Igreja” e às suas relações
com o Estado, já que, como o arquivo manifesta, “a política está promiscuamente presente”
na atividade eclesial. A obra com cerca de três mil páginas e quase 14 mil documentos,
editada pela Esfera do Caos, patenteia também a importância precursora de Portugal
e Espanha na aproximação das culturas. “A realidade da globalização em que vivemos
deveu-se muito à existência de um ideário universalista que envolveu os povos ibéricos”,
permitindo “quebrar as fronteiras de um mundo compartimentado e que não dialogava
entre si”, considera José Eduardo Franco. A difusão do cristianismo também se integrou
neste dinamismo, por vezes marcado por erros: “O desejo de uniformização, em que muitas
vezes a Igreja Católica se identificou com a Europa no processo de domínio do mundo,
foi a parte menos positiva” da evangelização, refere o historiador. Os equívocos
não foram em vão, já que a Igreja, segundo José Eduardo Franco, soube aprender com
o passado, adotando a “inculturação” como “método de evangelização” que "respeita"
e "integra" os valores dos povos onde se insere. A retrospetiva permite também
uma análise mais enriquecida da realidade: “Podemos perceber melhor a dinâmica em
curso no presente”, considera o investigador, salientando que “a informação é um dos
capitais decisivos do processo de construção da Igreja”. O investigador diz que
“o Arquivo Secreto do Vaticano tem sido envolvido numa aura de mistério”, em parte
devido à “publicação de muita literatura de ficção”, mas refere que “de secreto só
tem o nome porque está acessível aos investigadores de todo o mundo”.