Cidade do Vaticano, 23 jun (RV) - Leia abaixo um artigo de Dom Luciano Mendes
de Almeida (falecido em 2006), publicado na Folha de S.Paulo, em 5 de junho de 1999.
"Estamos
na semana da festa de Corpus Christi, celebração litúrgica do "corpo de Cristo entregue
e do sangue derramado por nós". É a solene comemoração do amor do Filho de Deus, que
deu a vida para nos salvar.
1) Na Quinta-Feira Santa recordamos a última ceia,
na qual Jesus instituiu o Sacrifício da Nova Aliança e a selou com seu próprio sangue,
aceitando a morte violenta na cruz. O apóstolo João faz a apologia desse "amor primeiro"
pelo qual Jesus Cristo -antes de qualquer resposta de nossa parte- entregou-se a Deus
pai por nós (1 Jo 4,8). A ênfase litúrgica é colocada no amor de Cristo por nós. "Não
há maior amor do que dar a vida pelo amado" (Jo 15, 13).
2) Na festa do "corpo
de Cristo" louvamos a Deus pelo grande dom da eucaristia. Um aspecto primordial nessa
celebração é a resposta da nossa parte à doação do salvador. "Deu a vida por nós",
diz são João, que conclui: "Também nós devemos dar a vida pelos irmãos" (1 Jo 3,16).
Amor com amor se paga. Assim, a mensagem e o significado do "corpo entregue de Cristo"
é a descoberta de que, ao amor gratuito e "primeiro" de Deus para conosco, deve corresponder
o nosso "amor primeiro" aos irmãos: "Amai-vos uns aos outros como eu vos amo" (Jo
13,35). Entrar em comunhão com Cristo pela eucaristia é imitar o divino salvador e
comprometer-se em empenhar-se a fim de que todos tenham vida.
3) Em cada celebração
eucarística, estamos pedindo a Deus que nos auxilie a cumprir o mandamento da nova
lei, amando "primeiro" -com plena gratuidade- aos irmãos, a começar dos mais necessitados.
A eucaristia é, assim, fonte de doação fraterna e tende a se expressar em gestos de
solidariedade e partilha, lançando, ainda nesta vida, as bases para um tipo novo de
sociedade, marcada pela justiça, concórdia e paz.
4) Concentra-se, portanto,
na eucaristia um enorme potencial de doação e serviço ao próximo, nascido do mandamento
do amor, que deveria dinamizar cada um de nós e a comunidade cristã para atender às
necessidades espirituais e materiais do nosso povo. Nessa perspectiva insere-se o
trabalho de evangelização como forma de aproximação mais pessoal, como visitas domiciliares,
roteiros de reflexão para grupos de famílias, catequese crismal para os jovens, cursos
de teologia para leigos, preparação e acompanhamento de casais, diálogo ecumênico
e inter-religioso.
Na mesma vontade de servir vão as comunidades descobrindo
como ir ao encontro das situações de injustiça social e pobreza. Crescem a consciência
da cidadania e o compromisso político como forma qualificada do amor cristão. Entre
as iniciativas imediatas mais frequentes, intensificam-se as atividades da Pastoral
das Crianças, os cuidados para deficientes, enfermos e idosos. Recente é o método
de atendimento em família aos portadores de HIV. Várias comunidades, neste ano, criaram
bancos de emprego, recebendo pedidos e habilitando candidatos. Há união de esforços
para construção de casas em mutirão, assentamento de famílias, organização de trabalhos
artesanais e distribuição de alimentos, roupas e remédios.
São formas de expressar
a fraternidade cristã e de promover o bem comum que nascem do zelo em imitar o coração
de Jesus realmente presente na eucaristia. O corpo entregue e o sangue derramado de
Cristo permanecem para sempre como o grande exemplo de amor a ser seguido. São também
o alimento que nos fortalece a fim de sermos capazes de cumprir a missão de tornar
visível no mundo de hoje o amor primeiro que o Espírito Santo em nós infunde".