Cidade do Vaticano,
17 jun (RV) - Esta é a história de Franck Tayodjo, 32 anos. Jornalista de Camarões,
perseguido pelo regime do presidente Paul Biya, no poder desde 1982, por fazer críticas
ao governo em rádios e jornais. No dia mundial dos refugiados, comemorado na última
quarta-feira, Franck concedeu uma rara entrevista, na qual contou à Rádio Vaticano
como foi sua fuga. Tudo começou na cidade de Douala.
"Era o epicentro da revolução
que estava nascendo em Camarões. Lá não poderíamos mais ficar. Pensamos que poderíamos
ir para outra cidade de Camarões, nos escondermos e ficarmos tranqüilos por algum
tempo, para depois voltar. Mas ao contrário do que pensávamos, os conflitos armados
estavam espalhados por todo o país. Então, quando chegamos à Bamenda, depois de percorrer
cerca de 400 km, lemos num jornal que estávamos sendo procurados. Nossos amigos nos
disseram que não poderíamos ficar lá, que deveríamos sair de Camarões. Como Bamenda
faz limite com a Nigéria, decidirmos atravessar, mas a fronteira estava fechada. Com
o dinheiro que nosso editor-chefe havia nos dado para a fuga, subornamos os policiais
e conseguimos entrar no país. Entretanto, ainda temíamos pela nossa segurança e já
haviam nos dito que também não poderíamos ficar na Nigéria: seríamos mercadoria de
troca e se nos levassem de volta a Camarões, seria morte na certa. Encontramos então
falsificadores de documentos que nos disseram que poderíamos deixar a Nigéria para
chegar à Europa, em qualquer país, deveríamos escolher. Havíamos escolhido a Inglaterra,
mas não tínhamos dinheiro. O que queríamos era fugir, não importava para onde. Disseram-nos
então que existia um avião que se chama Alitalia, mas eu não sabia que seria uma companhia
aérea porque a Alitalia não voa para Camarões. Demos todo o dinheiro que tínhamos.
Os homens nos esconderam no bagageiro do avião. Disseram que depois voltariam para
nos levar onde estavam os demais passageiros, o que não aconteceu. Foram oito horas
de viagem de Lagos até Roma. Quando aterrissamos, logo fomos descobertos e a polícia
nos prendeu. Mas não conseguíamos caminhar, porque no bagageiro faz muito frio. Estávamos
congelados. Fomos presos, apreenderam nossos passaportes falsos, nos colocaram numa
sala fechada. Uma semana depois, conseguimos explicar nossa situação. Disseram-nos
então que poderíamos requerer asilo político. Preenchemos vários documentos. Só depois
soubemos que era o pedido de asilo".
Franck e seu grupo finalmente foram
libertados. Estavam livres, porém sozinhos numa cidade grande e desconhecida como
Roma. E o pior, sem falar italiano. Ainda no aeroporto souberam de um local que ajuda
imigrantes ilegais, mas teriam que encontrar por conta própria.
"Quando cheguei
à Estação Central de Roma, dormi lá por quatro noites até descobrir onde ficava o
Centro Astalli. Lá cuidaram de mim, recebi primeiros socorros e encontrei um lugar
pra dormir. Depois de um ano e meio, a comissão que trata dos pedidos de asilo me
chamou, contei toda a minha história, e após três meses, o Estado italiano reconheceu
meu status de refugiado político. Desde 2005 estou na Itália".
Mas nem mesmo
aos 60 anos da Convenção de Genebra sobre o asilo político foram capazes de fazer
com que a Itália criasse uma lei especifica para os refugiados. Justamente agora que
a península voltou a ser a principal porta de imigrantes para a Europa, especificamente
a ilha de Lampedusa, cenários dos desembarques.
Somente nos primeiros três
meses desse ano chegaram à Itália 14 mil refugiados. 2.500 morreram durante as travessias
do Mediterrâneo. Na condição de quem é refugiado e já viveu na pele os medos de uma
fuga, Franck fala sobre a Primavera Árabe e a fuga de seus compatriotas africanos.
"Tem uma coisa que devemos entender, tem uma coisa que o mundo deve entender.
Enquanto houver desigualdade existirão sempre os imigrantes em busca de melhores condições
de vida. Por exemplo, os tunisianos que chegam aqui, vêm porque um ditador que por
muitos anos abusou de seus direitos. Sem dizer que esses ditadores são muitas vezes
sustentados pelos governos europeus e quando a revolução acontece... eu abençoo as
revoluções". (RB/RV)