IMPUNIDADE E DESCASO CÚMPLICES DA VIOLÊNCIA NA AMAZÔNIA
Brasília, 31 mai (RV) - O Governo vai analisar lista de ambientalistas ameaçados
de morte no Norte do país. A informação é do secretário-executivo do Ministério da
Justiça, Luiz Barreto. O objetivo é verificar a necessidade de proteção policial a
essas pessoas. “Vamos estudar caso a caso e intensificar a proteção para aquelas pessoas
que estão sendo mais ameaçadas” – disse.
Em menos de uma semana, quatro ativistas
foram mortos na região, três delas no Pará e uma em Rondônia. De acordo com a Comissão
Pastoral da Terra, o casal de ambientalistas assassinado no Pará - José Claudio Ribeiro
da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva - estava na lista das pessoas ameaçadas
de morte. Eles eram conhecidos por denunciar a ação ilegal de madeireiros na região.
O
Governo federal anunciou ainda a criação de um grupo interministerial para discutir
as ações a serem tomadas para conter a violência no campo. Hoje, em Brasília, a ministra
da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Maria do Rosário recebe uma delegação
da Pastoral da Terra.
Entretanto, a coordenação nacional da CPT divulgou
Nota Pública sobre os assassinatos e os dados de pessoas ameaçados de morte desde
o ano 2000 que acabaram sendo assassinadas.
Esta é a integra da nota:
O
Estado não pode lavar as mãos diante de mortes anunciadas.
A Coordenação Nacional
da Comissão Pastoral da Terra reputa como muito estranhas as afirmativas de representantes
da Secretaria Estadual de Segurança Pública do Pará, do Ibama e do Incra que disseram
no dia 25 de maio desconhecer as ameaças de morte sofridas pelos trabalhadores José
Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, assassinados a mando
de madeireiros no dia 24, em Nova Ipixuna (PA).
O ouvidor agrário nacional,
Gercino José da Silva Filho, chegou a afirmar que o casal não constava de nenhuma
relação de ameaçados em conflitos agrários, elaborada pela Ouvidoria ou pela Comissão
Nacional de Combate à Violência no Campo.
A CPT, que desde 1985 presta um serviço
à sociedade brasileira registrando e divulgando um relatório anual dos conflitos no
campo e das violências sofridas pelos trabalhadores e trabalhadoras, com destaque
para os assassinatos e ameaças de morte, desde 2001 registrou entre os ameaçados de
morte o nome de José Claudio.
Seu nome aparece nos relatórios de 2001, 2002
e 2009. E nos relatórios de 2004, 2005 e 2010 constam o nome dele e de sua esposa,
Maria do Espírito Santo. Pela sua metodologia, a CPT registra a cada ano só as ocorrências
de novas ameaças.
Também o nome de Adelino Ramos, assassinado no dia 27 de
maio, em Vista Alegre do Abunã, Rondônia, constou da lista de ameaçados de 2008. Em
22 de julho de 2010, o senhor Adelino participou de audiência, em Manaus, com o Ouvidor
Agrário Nacional, Dr. Gercino Filho, e a Comissão de Combate à Violência e Conflitos
no Campo e denunciou as ameaças que vinha sofrendo constantemente, inclusive citando
nomes dos responsáveis pelas ameaças.
No dia 29 de abril de 2010, a CPT entregou
ao ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, os dados dos Conflitos e da Violência
no Campo, compilados nos relatórios anuais divulgados pela pastoral desde 1985. Um
dos documentos entregue foi a relação de Assassinatos e Julgamentos de 1985 a 2009.
Até
2010, foram assassinadas 1580 pessoas, em 1186 ocorrências. Destas somente 91 foram
a julgamento com a condenação de apenas 21 mandantes e 73 executores. Dos mandantes
condenados somente Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, acusado de ser um dos mandantes
do assassinato de Irmã Dorothy Stang, continua preso.
As mortes no campo podem
se intitular de Crônicas de mortes anunciadas. De 2000 a 2011, a CPT tem registrado
em seu banco de dados ameaças de morte no campo, contra 1.855 pessoas. De 207 pessoas
há o registro de terem sofrido mais de uma ameaça. E destas, 42 foram assassinadas
e outras 30 sofreram tentativas de assassinato. 102 pessoas, das 207, foram ou são
lideranças e 27 religiosos ou agentes de pastoral.
O que se assiste em nosso
país é uma contra-reforma agrária e é uma falácia o tal desmatamento zero. O poder
do latifúndio, travestido hoje de agronegócio, impõe suas regras afrontando o direito
dos posseiros, pequenos agricultores, comunidades quilombolas e indígenas e outras
categorias camponesas. Também avança sobre reservas ambientais e reservas extrativistas.
O apoio, incentivo e financiamento do Estado ao agronegócio, o fortalece para seguir
adiante, acobertado pelo discurso do desenvolvimento econômico que nada mais é do
que a negação dos direitos fundamentais da pessoa, do meio ambiente e da natureza.
Isso ficou explícito durante a votação do novo Código Florestal que melhor poderia
se denominar de Código do Desmatamento. Além de flexibilizar as leis, a repugnante
atitude dos deputados ruralistas, que vaiaram o anúncio da morte do casal, vem reafirmar
que o interesse do grupo está em garantir o avanço do capital sobre as florestas,
pouco se importando com as diferentes formas de vida que elas sustentam e muito menos
com a vida de quem as defende. A violência no campo é alimentada, sobretudo, pela
impunidade, como se pode concluir dos números dos assassinatos e julgamentos.
O
poder judiciário, sempre ágil para atender os reclamos do agronegócio, mostra-se pouco
ou nada interessado quando as vítimas são os trabalhadores e trabalhadoras do campo.
A
morte é uma decorrência do modelo de exploração econômica que se implanta a ferro
e fogo. Os que tentam se opor a este modelo devem ser cooptados por migalhas ou promessas,
como ocorre em Belo Monte, silenciados ou eliminados.
A Coordenação Nacional
da CPT vê que na Amazônia matar e desmatar andam juntos. Por isso exige uma ação forte
e eficaz do governo, reconhecendo e titulando os territórios das populações e comunidades
amazônidas, estabelecendo limites à ação das madeireiras e empresas do agronegócio
em sua voracidade sobre os bens da natureza. Também exige do judiciário medidas concretas
que ponham um fim à impunidade no campo.
Goiânia, 30 de maio de 2011. A
Coordenação Nacional da CPT (CM)