Rio de Janeiro, 21 mai (RV) - No próximo domingo, 5º da Páscoa, a Igreja no
Brasil terá a grande alegria de ver subir às honras dos altares, como Beata ou Bem-Aventurada,
aquela que já em vida foi cognominada o “anjo bom da Bahia” – a Irmã Dulce –, amiga
e companheira dos pobres e desvalidos. Seu itinerário de santidade, no qual a Igreja
reconhece as suas virtudes heróicas, é um caminho marcado humana e naturalmente por
incompreensões de tantos, mas que, sobrenaturalmente, foi capaz de tocar os corações
endurecidos, para que na meiguice de quem pedia não se deixasse faltar o essencial
aos mais pobres, ensinando a todos a partilhar, mesmo o pouco que tinham.A data coincide
com a Memória de Santa Rita que, como cai no domingo, neste ano não é celebrada, mas
nos mostra também outra mulher forte que em outra época e situação viveu a fé e é
sinal até hoje da providência de Deus em sua vida.
Em nossa mudança cultural,
a mídia utilizou o termo “beata” de uma maneira imprópria e, em nosso linguajar comum,
acabamos acolhendo esse tipo de interpretação que, inclusive, está em nossos dicionários.
Cabe a nós restaurarmos o verdadeiro uso da palavra e valorizá-la. Muitos vocábulos
importantes já foram deturpados em nossa língua. Que a Beata Irmã Dulce interceda
por nós para que consigamos anunciar o Evangelho e levar as pessoas a fazer da nossa
cultura uma cultura de valores humanos e cristãos que ajudem a transformar esta situação
de violência, corrupção, medo, destruição e divisão que ora ocorre.
A constituição
pastoral Lumen gentium do Concílio Ecumênico Vaticano II recorda, em seu quinto capítulo,
a vocação universal à santidade, ou seja, ser santo é o caminho que todo aquele que
renasce pela água do batismo deve percorrer. O Beato João Paulo II, quando em sua
visita ao Brasil, disse que o Brasil precisava de Santos. Eles existem, não é a Igreja
que os “fabrica”, mas apenas constata com um processo minucioso a vida e as virtudes
daqueles e daquelas que o povo já tem em conta de “santos”. E vai muito mais além,
para a beatificação e canonização supõe também um milagre por intercessão e da invocação
do nome de quem pedimos a Deus. Milagre esse comprovado por médicos e cientistas,
demonstrando que não tem outra explicação que não seja uma intervenção especial.
Quando professamos a nossa fé, pronunciamos que acreditamos na Igreja Santa, ou seja,
a santidade é uma nota teológica na Igreja, mesmo sabendo que, embora santa, ela possui
em seu seio membros pecadores que são continuamente chamados à conversão.
Temos
uma beata muito perto de nós, uma brasileira como nós, que escolhendo radicalmente
a Cristo, percebeu, no quotidiano de sua missão, a singular presença que Ele manifestava
naqueles que não tinham nome, nem muitas vezes propriamente um rosto para a sociedade.
Acredito que em nossas comunidades existam muitas outras pessoas, homens e mulheres,
jovens e adultos, crianças e idosos, leigos e consagrados, que viveram uma vida heróica
e poderiam ser colocados como exemplos de vida para todos nós. O Beato João Paulo
II nos recordou que “santo é aquele que faz de modo extraordinário, as coisas ordinárias”;
nesse contexto, sem dúvida, pode ser inserida a vida daquela que dentro em breve,
por sua santidade, não será simplesmente o anjo bom da Bahia, mas o anjo bom do Brasil.
Ir.
Dulce fez, de modo extraordinário, aquilo que cada cristão deve fazer ordinariamente,
ou seja, no cotidiano, no dia a dia: exercer a caridade, fazer-se oferta pelo outro,
ver no outro a presença do Cristo Ressuscitado, sobretudo daqueles que mais sofrem
e que estão à margem, dando-lhes a certeza de que possuem sua dignidade e que Deus
lhes manifestará com predileção o seu amor, pois vem em socorro dos que são pobres
e oprimidos.
Tirar o pobre da sua mais profunda miséria dos bens materiais,
daquele mais básico, da fome, foi aquilo que fez o “anjo bom do Brasil”, sem que tivesse,
entretanto, bens matérias, nunca deixou de acreditar na Providência Divina, que jamais
lhe faltou, pois nela confiava, e quando a ela rogava tudo lhe chegava, mesmo o pouco,
pois mesmo isso, diante de Deus é muito, nunca acumulando, mas partilhando e fazendo
multiplicar para salvar a fome de tantos.
A razão principal de sua ação foi
justamente o seu encontro com Jesus, o Cristo Senhor Ressuscitado, que deu sentido
a toda a sua vida e trabalho. O segredo de uma vida doada aos irmãos tem sempre como
centro o Cristo. Aberta à ação do Espírito Santo, a nossa querida Ir. Dulce deixou-se
conduzir pelos caminhos da fraternidade e, mesmo em dificuldades econômicas extremas,
demonstrou a providência de Deus atuando e agindo. Neste tempo de tantos questionamentos
sobre os valores cristãos, a sua vida é uma demonstração daquilo que um cristão, com
a graça de Deus, consegue amenizar da pobreza e da dor humana. A Igreja, através de
seus santos e santos, dá uma resposta ao mundo de como a vida de santidade e a busca
de Deus, seguindo a Cristo e vivendo a Sua Palavra, não só transforma os corações,
mas faz da pessoa um sinal de paz e de vida para os seus irmãos e irmãs. E tudo isso
é dom, é graça do Senhor.
Preocupar-se com os que estão à margem e comprometer-se
com a necessidade de mudança, em um país como o nosso, com tantas dádivas de Deus,
não poderíamos ter pessoas que passam fome se houvesse uma justiça mais distributiva,
que nasce da capacidade de por em comum os bens que a todos pertencem. Se uma pobre
como a Irmã Dulce pôde fazer tantas coisas para tantos, como não poderia ser diferente
o nosso país se todos tivessem a mesma disponibilidade de pensar no seu irmão com
responsabilidade, e assim multiplicar os dons que Deus nos concede.
Cuidar
do pobre e do faminto, como fazia a Irmã Dulce, não é um convivente para que nesse
estado de miséria esses se mantenham, é conduzi-los à sua dignidade de Filhos de Deus,
dando-lhes a certeza de que os bens desse mundo são transitórios, efêmeros, e que
não é da vontade Dele que homens e mulheres morram de fome, não tenham onde morar.
Sabemos
que a ação social para as pessoas necessitadas precisa resolver com urgência a fome,
e por isso parece como se fosse apenas assistencialista, mas sabemos que esse primeiro
passo leva à formação e questiona a transformação social, econômica e política. A
consciência dos cristãos leva-os a se comprometerem com o “mundo novo”, onde reine
a presença de Deus que conduz à paz e à vida em plenitude. Os que questionam a assistência
aos pobres também não aceitam quando reclamamos das injustiças e da necessária mudança
social. Os Santos e Santas fazem tudo isso com uma vida de simplicidade e virtudes,
sendo sinal de contradição para o seu tempo.
A Igreja do Rio de Janeiro se
une à Igreja Mãe de São Salvador da Bahia na ação de graças pela beatificação da mulher
que cuidou dos mais pobres. Cumprimento Excelentíssimo Senhor Arcebispo, Dom Murilo
Sebastião Ramos Krieger, SCJ, e o Legado Pontifício, Sua Eminência Geraldo Majela,
Cardeal da Santa Igreja Romana, Agnelo, pela alegria eclesial que proporcionam ao
povo da Bahia e do Brasil pela santidade da fidelidade e do serviço da religiosa elevada
às glórias dos altares.
Que interceda por nós o “anjo bom do Brasil”, a bem-aventurada
Irmã Dulce, para que todos, desde os mais simples até os mais importantes, que em
verdade deveriam estar à testa para servir, sejam capazes de aprender a partilhar,
a fazer de modo extraordinário, o ordinário de repartir o pão com os necessitados.
Beata Irmã Dulce, interceda por nós!
† Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo
Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ