2011-05-17 11:50:25

Levar a Palavra de Deus aos africanos


A recente beatificação de João Paulo II foi uma ocasião e um estímulo a rever o seu pensamento e as suas acções.
No que diz respeito à África, voltam à memória as suas numerosas viagens ao continente e o primeiro Sínodo dos bispos para a África, realizado em Abril de 1994 com o objectivo de reflectir sobre a missão evangelizadora da Igreja em África no limiar do terceiro milénio.

Na sequência do Concílio Vaticano II tinha sido criado o SCEAM - Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagáscar. Além disso, tinha amadurecido entre os bispos, religiosos, teólogos e leigos africanos o desejo de realizar um grande encontro eclesial a nível do continente para reflectir sobre o estado da evangelização em África. Tornando seu este desejo, o Papa João Paulo II anunciou, em Janeiro de 1989, a decisão de convocar um Sínodo para a África, uma “iniciativa de grande importância para a difusão do Evangelho” naquela região do planeta, como ele próprio o definiu. O tema da evangelização – explicou então o Papa – inscrevia-se no âmbito da preparação geral da Igreja para o Grande Jubileu do ano 2000, mas nascia também da certeza de que “Deus quer salvar a África” e de que a Igreja deve continuar a sua obra benéfica neste continente afectado por inúmeros problemas. Com o Sínodo, Wojtyla queria, portanto, dar uma nova esperança à África, reforçar a comunhão entre os membros das comunidades eclesiais locais e promover uma “solidariedade pastoral orgânica em todo o território africano e nas ilhas contíguas”, a fim de tornar a intervenção da Igreja mais eficaz e capaz de ajudar os africanos a empreender o caminho do desenvolvimento integral.

O Evangelho indica certamente o caminho a percorrer, põe em realce os valores positivos do África e, enraizando-se neles, transforma os corações das pessoas a as estruturas sociais. Porém, não obstante os progressos registados na obra de evangelização, milhões de africanos não conhecem ainda a mensagem de Cristo. A evangelização é, portanto, uma grande urgência. Para a realizar plenamente é necessário confrontar-se com a sociedade africana no seu conjunto, com todas as suas especificidades e complexidades, e ultrapassar muitos desafios que a Assembleia sinodal de 1994 resumiu em quatro temas principais: inculturação, diálogo, meios de comunicação, justiça e paz. O Sínodo deu um grande impulso à ideia de fazer da Igreja em África uma Igreja família de Deus, ou seja uma comunidade atenta às problemáticas de todos os seus filhos, exactamente como acontece em qualquer família modelo.

A tarefa não é fácil. Requer empenho, vontade, comunhão. Uma coisa, porém, é certa e constitui um forte encorajamento: os africanos têm sede e fome de Deus. Deram provas disso no passado ao acolher, com entusiasmo, a Palavra de Deus e proporcionando à Igreja, no decurso dos séculos, importantes figuras de papas, santos e mártires. E, seguramente, hão-de continuar a fazê-lo no futuro. Mas, embora a Igreja tenha a peito a dignidade da pessoa na sua totalidade, ainda antes de denunciar os males que afligem os africanos, ela tem a tarefa de lhes anunciar a Palavra de Deus. Por isso, a Igreja em África tem antes de mais de se auto-evangelizar e de formar operadores pastorais, sobretudo leigos, capazes de influenciar o seu meio ambiente, mudando para melhor a mente das pessoas e as estruturas sociais.

“Para fazer com que a Palavra de Deus seja conhecida, amada, meditada, conservada nos corações dos fiéis, é necessário intensificar os esforços para facilitar o acesso à Sagrada Escritura” – escreveu João Paulo II na Exortação Apostólica pós-sinodal “Ecclesia in África”. Nesse documento ele exortava a favorecer o apostolado bíblico com a ajuda do CEBAM – Centro Bíblico para a África e o Madagáscar, o organismo criado, em 1981, pelo SCEAM, para desenvolver o serviço de apostolado bíblico em África, tanto a nível cientifico como pastoral.

O primeiro Sínodo para a África e a respectiva Exortação Apostólica foram, portanto, de grande apoio à difusão da Boa Nova em África. Com efeito, nas suas intervenções, muitos bispos insistiram no apostolado bíblico como coluna vertebral da evangelização no continente. Ainda antes de difundir o Catecismo da Igreja católica - foi dito na Assembleia - é necessário fazer com que as pessoas conheçam a Bíblia.

E neste esforço de fazer chegar a Palavra de Deus a todos, da forma mais adequada possível, o CEBAM – explica o seu actual director, Padre Moíse Adeniran Adekambi – tem vindo nos últimos tempos a confiar, cada vez mais, a organização de seminários de animação bíblica aos coordenadores nacionais e regionais. Deste modo o Centro pode dedicar-se mais amplamente à reflexão e a publicações tendentes a reforçar e a orientar os operadores pastorais a nível da base no seu trabalho e à promoção, ao mesmo tempo, duma visão de conjunto da pastoral bíblica no continente. Tudo em sintonia com a realidade da Igreja local, da antropologia e da cultura africanas, sem descurar a exegese bíblica da Igreja católica universal.

Esta actividade é desenvolvida de forma dinâmica, com o suporte da “Ecclesia in África” e de ulteriores documentos eclesiais sobre a matéria. Em finais de 2010, o CEBAM realizou, em Yaoundé, um encontro de análise do documento final do Sínodo geral de 2008 sobre a Palavra de Deus, “Dei Verbum”, relacionando-o com o Apostolado Bíblico em África. Concluiu-se que o CEBAM está num bom caminho - refere o director do Centro.

Um caminho que não, é contudo, isento de dificuldades. Antes de mais a questão dos recursos humanos, que felizmente, pouco a pouco está a ser resolvido. Mas há também a difícil questão da comunicação que torna quase desconhecido o trabalho de apostolado bíblico desenvolvido a nível de cada diocese. Por fim a questão da escassez de meios financeiros. Felizmente, a nível diocesano e nacional já existem diversas iniciativas de auto-sustentamento da pastoral bíblica, mas a nível regional e continental as actividades de recolha de fundos são ainda bastante problemáticas. Uma outra dificuldades tem a ver com a disponibilidade de Bíblias, sobretudo em línguas africanas. A tradução da Bíblia requer pelo menos 10 anos de trabalho – e o caminho a percorrer neste sentido em África é ainda bastante longo. Há, todavia, a sublinhar que muitas dioceses e conferências episcopais já deram início a projectos concretos neste sentido. Mas, não obstante isso, acontece muitas vezes os operadores pastorais terem de desenvolver a pastoral bíblica… sem a Bíblia!
De salientar ainda que o Livro Sagrado é demasiado custoso para muitos africanos. Mas o P. Adekambi está convicto de que, uma vez descoberta a riqueza da Palavra de Deus, e tendo os africanos fome e sede de Deus, a Bíblia tornar-se-á numa prioridade e encontrarão a maneira de a adquirir, qualquer que seja o seu preço.

Mas que impacto tem tido a pastoral bíblica nestes 30 anos? Terá o CEBAM conseguido desencadear, efectivamente, aquela mudança nos corações, nas mentes e nas estruturas sociais que se espera da difusão do Evangelho?

É difícil dizê-lo porque embora se registem resultados positivos, os males que afligem o continente são ainda numerosos e fazem reflectir. Com efeito, as terríveis violências que se verificaram no continente já durante o primeiro Sínodo e o perdurar de conflitos e de injustiças sócio-económicas levaram João Paulo II a anunciar a intenção de realizar uma segunda Assembleia sinodal para a África sobre a urgente questão da paz, da justiça e da reconciliação. Sínodo que se veio a concretizar em Outubro de 2009, durante o pontificado do seu sucessor, Bento XVI, seu sucessor.

Quanto às marcas positivas impressas pelo apostolado bíblico nestes anos residem, antes de mais, no facto de os africanos terem sede e fome de Deus mas também nos frutos que essa pastoral está a dar mesmo em contextos difíceis como no caso das comunidades cristãs de base da África do Sul. No Ruanda, muitos pobres dizem ter descoberto no apostolado bíblico uma grande riqueza e que isto os ajuda concretamente no processo de reconciliação nacional. Simples fiéis estão, portanto, em condições de compreender melhor a natureza das dificuldades sociais que enfrentam e procuram melhorar a própria vida à luz do Evangelho. O Apostolado Bíblico contribui, portanto, não só para a evangelização em si, mas também para o desenvolvimento dos países e para a resolução dos problemas sócio-políticos do continente.

Pondo em realce os ensinamentos de João Paulo II, por ocasião da sua beatificação, Bento XVI recordou aos fiéis que João Paulo II é uma figura não só a admirar, mas também a imitar – realça o P. Adekambi, que define o Papa Wojtyla “um grande amigo da África”. Ele diz fazer tesouro dos seus ensinamentos e de não perder a ocasião para promover essa ideia junto dos seus colaboradores. Cita também, com apreço, a insistência do actual Pontífice na importância da Lectio Divina como forma de evangelização e de apostolado bíblico.

(Ao cuidado de Maria Dulce Araújo Évora – Programa Português para a África)







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