O Evangelho é a maior força de transformação do mundo, mas não é uma utopia, nem uma
ideologia. Bento XVI aos representantes do mundo da cultura, da arte e da economia.
(8/5/2011) “Água”, “Saúde” e “Sereníssima”: foram estas “três palavras ligadas a
Veneza” o fio condutor do discurso que Bento XVI pronunciou na igreja de Santa Maria
da Saúde, em frente da Praça de São Marcos, com representantes do mundo da cultura,
da arte e da economia.
Antes de mais, Veneza é “Cidade de água”. Observando
que se trata de um símbolo ambivalente, de vida e de morte, o Santo Padre evocou “um
célebre sociólogo contemporâneo (o polaco Zygmunt Bauman), que definiu como “líquida”
a nossa sociedade, assim como a cultura europeia, para exprimir a sua “fluidez”, a…
ausência de estabilidade, a mutabilidade, a inconsistência que por vezes a caracteriza.
No caso de Veneza, mais do que como cidade “líquida”, o Papa prefere encará-la como
cidade “da vida e da beleza”. Trata-se de uma escolha, mas na história há que fazer
escolhas…
“Trata-se de escolher entre uma cidade líquida, pátria de
uma cultura que aparece cada vez mais como a cultura do relativo e do efémero, e uma
cidade que renova constantemente a sua beleza, bebendo das nascentes benéficas da
arte, do saber, das relações entre os homens e entre os povos”.
Passando à
segunda “palavra” escolhida para estruturar o seu discurso ao mundo da cultura, Bento
XVI fez notar o facto de este encontro se realizar na basílica de Santa Maria da Saúde,
uma das mais conhecidas igrejas de Veneza, edificada em cumprimento de uma promessa
a Nossa Senhora pela libertação da peste de 1630. “Da Virgem de Nazaré – reflectiu
Bento XVI – tem origem Aquele que dá a saúde, que é aliás uma realidade abrangente…
“Saúde
é uma realidade omnicompreensiva, integral: vai do sentir-se bem, que nos permite
viver serenamente uma jornada de estudo e de trabalho, ou de férias, até à salus
animae, de que depende o nosso destino eterno”.
Deus interessa-se e “cuida
de tudo isto, sem nada excluir. Toma a seu cuidado a nossa saúde, no sentido pleno”
– prosseguiu o Papa, recordando como os Evangelhos apresentam Jesus que salva o homem,
não só da doença, mas do pecado que o paralisa e desfigura. Na verdade, a nossa saúde,
é o próprio Senhor Jesus…
“Jesus salva o homem colocando-o novamente na relação
salutar com o Pai, na graça do Espírito Santo. Imerge-o nesta corrente pura e vivificante
que liberta o homem das suas paralisias físicas, psíquicas, espirituais. Cura-o
da dureza de coração, do dobrar-se de modo egocêntrico sobre si mesmo, e fá-lo apreciar
a possibilidade de se encontrar verdadeiramente a si mesmo perdendo-se por amor de
Deus e do próximo”.
Como diz Santo Ireneu numa célebre expressão, “Gloria
Dei vivens homo, vita autem hominis visio Dei”. Ou seja, “glória de Deus é a saúde
plena do homem, e esta consiste em estar em relação profunda com Deus”. Ou então,
“em termos caros ao neo-beato João Paulo II: o homem é a via da Igreja, e o Redentor
do homem é Cristo”.
Passando ao terceiro e último ponto do seu discurso,
centrado sobre o “estupendo” título atribuído à República de Veneza – “Sereníssima”,
Bento XVI observou que, embora seja um termo utópico, em relação à realidade terrena,
é todavia capaz de suscitar não só memórias de glórias passadas, mas também ideais
estimulantes na projetação do futuro da Cidade e da Região…
“O nome Sereníssima
fala-nos de uma civilização da paz, assente no respeito mútuo, no conhecimento recíproco,
nas relações de amizade. Veneza tem uma longa história e um rico património humano,
espiritual e artístico, para ser capaz, também hoje, de oferecer um precioso contributo
que ajude os homens a crerem num futuro melhor e a empenharem-se em construí-lo”.
Para
tal, contudo – advertiu o Papa – Veneza “não deve ter medo de um outro elemento emblemático,
contido no brasão de São Marcos: o Evangelho”.
“O Evangelho é a maior força
de transformação do mundo, mas não é uma utopia, nem uma ideologia. As primeiras gerações
cristãs chamavam-lhe antes “o caminho”, isto é, o modo de viver que Cristo tinha praticado
e que nos convida a seguir”.
É por este caminho – a vida da caridade na verdade
(concluiu o Papa) - que se chega à cidade sereníssima (a cidade celeste, a
nova Jerusalém de que fala o livro do Apocalipse). Sem nunca esquecer, como recorda
o Concílio Vaticano II, que “não há que caminhar pela estrada da caridade só nas grandes
coisas, mas sim e sobretudo nas circunstâncias ordinárias da vida” e que, a exemplo
de Cristo, “é necessário levara também a cruz, aquele que a carne e o mundo colocam
aos ombros dos que procuram a justiça e a paz”.