Rio de Janeiro, 23 abr (RV) - Com a celebração do tríduo pascal culminando
na vigília do sábado para domingo nós iniciamos o tempo pascal. Na realidade o evento
pascal ilumina e motiva toda a vida cristã. É central em nossa espiritualidade. Por
isso mesmo, “fazer Páscoa” anualmente é essencial para o cristão poder viver o seu
dia a dia alimentado pela presença do Cristo Vivo e Ressuscitado. O Tríduo Pascal
é a celebração da Páscoa sob três dimensões: a da instituição da Eucaristia na Última
Ceia, o sacrifício de Cristo na Cruz derramando o seu Sangue Precioso e a Sua presença
Ressuscitado anunciando a vida que venceu a morte! Nós iniciamos na quinta feira santa
à noite para concluirmos com a bênção final no sábado santo. E com essa celebração
iniciaos a oitava da Páscoa abrindo o tempo pascal. Apesar de Jesus ter antecipadamente
anunciado que seria preciso passar pela paixão antes de entrar em sua glória (cf.
Lc 24,26), os discípulos não tinham conseguido assimilar toda a dimensão e o sentido
dos fatos ligados à paixão e morte do Mestre. O mistério da morte é sempre difícil
de ser compreendido, mesmo quando iluminado pela fé na ressurreição. Era preciso que
o Cordeiro de Deus fosse imolado para entrar na glória (cf. Jo 1,29). No querigma
anunciado por Pedro na manhã de Pentecostes, fica evidente a vontade salvífica do
Pai: “Deus, em seu desígnio e previsão, determinou que Jesus fosse entregue pelas
mãos dos ímpios, e vós o matastes, pregando-o numa cruz. Mas Deus o ressuscitou, libertando-o
das angústias da morte, porque não era possível que ela o dominasse” (cf. At 2,23-24).
Cristo crucificado torna explícito o simbolismo da serpente de bronze no deserto (cf.
Nm 21,4-9): “Quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim” (cf. Jo 12,32).
A celebração da Páscoa nos convida a morrermos com Cristo para com ele entrarmos
na vida nova por ele inaugurada (cf. Rm 6,8). O simbolismo nos conduz ao Batismo e
à vida batismal, ao êxodo, ao retorno do exílio, a passagem do inverno para a primavera,
porém agora atingindo a nova e eterna aliança no sangue de Cristo, vencendo o pecado
que causa morte e levando a pessoa humana para a vida divina. A vivência do mistério
pascal requer abandonar o velho fermento do pecado, da maldade, ou da iniqüidade para
nos tornar pães ázimos da sinceridade e da verdade (cf. 1Cor 5,7-8). Só então será
possível inaugurar a vida nova com o novo fermento da graça e da fidelidade a Cristo. Com
a Páscoa, estamos no centro da espiritualidade cristã. Muitas pessoas pensam neste
tempo apenas como se fosse um feriado prolongado! Acabam perdendo a oportunidade de
celebrara Páscoa. Envolvida por esse ambiente consumista, a celebração da Páscoa,
infelizmente, não constitui, para muitos cristãos, o acontecimento central de sua
vida religiosa. Para tantos outros os eventos celebrados não passam de ritos tradicionais,
quando muito acompanhados, mas não vivenciados. Falta-nos a iniciação “aos mistérios”
de nossa fé! O respeito ao jejum, abstinência de carne já foi esquecido, bem como
da contemplação e do silêncio na sexta-feira santa. Nesse mundo plural sabemos que
as festa, as orgias continuam como se nada estivesse ocorrendo. E muitos dos que estão
nessa vida foram um dia por nós batizados. O mistério pascal constitui o fundamento
e o centro, a chave de leitura do culto e da vida cristã. A liturgia, particularmente
a Sagrada Eucaristia, é o memorial da morte e ressurreição de Cristo. Quando, na última
Ceia, Jesus conclamou seus discípulos a fazerem o que ele fez – fazei isto em memória
de mim – estabeleceu não apenas um rito comemorativo, mas um compromisso de fidelidade.
Por isso, aclamamos: “Todas as vezes que comemos deste pão e bebemos deste cálice,
anunciamos, Senhor, a vossa morte, enquanto esperamos a vossa vinda”. Portanto,
a ordem de Jesus “Fazei isto em memória de mim” vai muito além de mera repetição ritual
comemorativa da Última Ceia: participamos realmente dos frutos da paixão, morte e
ressurreição do Senhor. Na Eucaristia Jesus se dá como alimento. Ele é o verdadeiro
viático, isto é, o alimento da nossa peregrinação em busca do Reino definitivo. Quando
celebramos o mistério da entrega total de Cristo por nós, nos comprometemos a dar
nossa vida como oferta agradável ao Senhor. O Corpo dado por nós e o sangue por nós
derramado selam nosso compromisso pessoal e definitivo de darmos também nós a vida
por Cristo e pelos irmãos em vista da transformação da sociedade humana. A páscoa
de Cristo deve ser entendida como sinal e antecipação de um mundo novo, povoado por
um povo novo num processo de regeneração universal. É o início do “oitavo dia”! Como
discípulo de Cristo, o cristão deve ser novo fermento para nova humanidade. À medida
que celebramos a vida nova interiorizamos o mistério pascal e nos tornamos templos
novos do Senhor. Não nos encontramos com um deus impessoal, genérico, motor imóvel,
mas com o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. É preciso subir das coisas inferiores
para as superiores, das realidades exteriores às interiores (cf. Cl 3,1-2). A
espiritualidade pascal não se restringe ao tempo pascal. Necessariamente se expande
por todo o ano litúrgico e se desdobra nas diferentes celebrações do mistério de Cristo,
na certeza de que “se morremos com Cristo, cremos que também viveremos com ele. Sabemos
que Cristo, ressuscitado dos mortos, não morre mais. A morte não tem mais poder sobre
ele. Pois aquele que morreu, morreu para o pecado, uma vez por todas, e aquele que
vive, vive para Deus. Assim, vós também, considerai-vos mortos para o pecado e vivos
para Deus, no Cristo Jesus” (cf. Rm 6,8-11). A espiritualidade pascal nos convoca
constantemente renovar a nossa adesão a Cristo morto e ressuscitado por nós: a sua
Páscoa é também a nossa Páscoa, porque em Cristo ressuscitado é nos dada a certeza
da nossa ressurreição. A notícia da sua ressurreição dos mortos não envelhece e Jesus
está sempre vivo; e vivo é o seu Evangelho. "A fé dos cristãos observa Santo Agostinho
é a ressurreição de Cristo". Os Atos dos Apóstolos explicam-no claramente: "Deus
ofereceu a todos um motivo de crédito com o fato de O ter ressuscitado dentre os mortos"
(17, 31). A morte do Senhor demonstra o amor imenso com que Ele nos amou até ao sacrifício
por nós; mas só a sua ressurreição é "prova certa", é certeza de que quanto Ele afirma
é verdade que vale também para nós, para todos os tempos. Ressucitando-o, o Pai glorificou-o.
São Paulo assim escreve na Carta aos Romanos: "Se confessares com a tua boca o Senhor
Jesus e creres no teu coração que Deus O ressuscitou dentre os mortos, serás salvo"
(10, 9). A Páscoa é a exaltação ou glorificação do Crucificado. De fato, no Evangelho
de João, Jesus exclama: "E quando for levantado da terra, atrairei todos a Mim" (12,
32; cf. 3, 14; 8, 28). No hino inserido na Carta aos Filipenses, depois de ter descrito
a profunda humilhação do Filho de Deus na morte de cruz, Paulo celebra assim a Páscoa:
"Por isso é que Deus O exaltou e Lhe deu um nome que está acima de todo o nome, para
que ao nome de Jesus, todo o joelho se dobre nos Céus, na Terra e nos Infernos, e
toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor para glória de Deus Pai" (2, 9-11).
Que a espiritualidade pascal nos insira na vivência das alegrias do Ressuscitado!
Feliz Páscoa!
† Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo Metropolitano
de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ