Homilia do Santo Padre na Missa in Coena Domini: Bento XVI pede, para a Igreja, a
unidade, para que o mundo creia
(21/4/2011) A Igreja Católica começou nesta quinta feira a celebrar os dias mais
importantes do seu calendário litúrgico, que assinalam os momentos da morte e ressurreição
de Jesus, culminando na Páscoa. Um conjunto de celebrações que se desenrolam no
chamado Tríduo Pascal, que remontam ao século IV, seguindo as indicações evangélicas
sobre estes acontecimentos. A missa vespertina da ceia do Senhor, assinalou o início
do Tríduo. Esta celebração foi presidida pelo Papa Bento XVI na Basílica de S. João
de Latrão, igreja catedral de Roma Nesta Missa foi comemorada a instituição dos
sacramentos da Eucaristia e da Ordem e recordou-se o gesto do lava-pés, relatado pelos
Evangelhos. O Papa iniciou a sua homilia citando o versículo 15 do capitulo 22
do Evangelho de Lucas Amados irmãos e irmãs!
«Desejei ardentemente
comer convosco esta Páscoa, antes de padecer» (Lc 22, 15): com estas palavras Jesus
inaugurou a celebração do seu último banquete e da instituição da sagrada Eucaristia.
Jesus foi ao encontro daquela hora, desejando-a. No seu íntimo, esperou aquele momento
em que haveria de dar-Se aos seus sob as espécies do pão e do vinho. Esperou aquele
momento que deveria ser, de algum modo, as verdadeiras núpcias messiânicas: a transformação
dos dons desta terra e o fazer-Se um só com os seus, para os transformar e inaugurar
assim a transformação do mundo. No desejo de Jesus, podemos reconhecer o desejo do
próprio Deus: o seu amor pelos homens, pela sua criação, um amor em expectativa. O
amor que espera o momento da união, o amor que quer atrair os homens a si, para assim
realizar também o desejo da própria criação: esta, de facto, aguarda a manifestação
dos filhos de Deus (cf. Rm 8, 19). Jesus deseja-nos, aguarda-nos. E nós, temos verdadeiramente
desejo d’Ele? Sentimos, no nosso interior, o impulso para O encontrar? Ansiamos pela
sua proximidade, por nos tornarmos um só com Ele, dom este que Ele nos concede na
sagrada Eucaristia? Ou, pelo contrário, sentimo-nos indiferentes, distraídos, inundados
por outras coisas? Sabemos pelas parábolas de Jesus sobre banquetes, que Ele conhece
a realidade dos lugares que ficam vazios, a resposta negativa, o desinteresse por
Ele e pela sua proximidade. Os lugares vazios no banquete nupcial do Senhor, com ou
sem desculpa, há já algum tempo que deixaram de ser para nós uma parábola, tornando-se
uma realidade, justamente naqueles países aos quais Ele tinha manifestado a sua proximidade
particular. Jesus sabia também de convidados que viriam sim, mas sem estar vestidos
de modo nupcial: sem alegria pela sua proximidade, fazendo-o somente por costume e
com uma orientação bem diversa na sua vida. São Gregório Magno, numa das suas homilias,
perguntava-se: Que género de pessoas são aquelas que vêm sem hábito nupcial? Em que
consiste este hábito e como se pode adquiri-lo? Eis a sua resposta: Aqueles que foram
chamados e vêm, de alguma maneira têm fé. É a fé que lhes abre a porta; mas falta-lhes
o hábito nupcial do amor. Quem não vive a fé como amor, não está preparado para as
núpcias e é expulso. A comunhão eucarística exige a fé, mas a fé exige o amor; caso
contrário, está morta, inclusive como fé. Sabemos pelos quatro Evangelhos,
que o último banquete de Jesus, antes da Paixão, foi também um lugar de anúncio. Jesus
propôs, uma vez mais e com insistência, os elementos estruturais da sua mensagem.
Palavra e Sacramento, mensagem e dom estão inseparavelmente unidos. Mas, durante o
último banquete, Jesus sobretudo rezou. Mateus, Marcos e Lucas usam duas palavras
para descrever a oração de Jesus no momento central da Ceia: eucharistesas e eulogesas
– agradecer e abençoar. O movimento ascendente do agradecimento e o movimento descendente
da bênção aparecem juntos. As palavras da transubstanciação são uma parte desta oração
de Jesus. São palavras de oração. Jesus transforma a sua Paixão em oração, em oferta
ao Pai pelos homens. Esta transformação do seu sofrimento em amor possui uma força
transformadora dos dons, nos quais agora Jesus Se dá a Si mesmo. Ele no-los dá, para
nós e o mundo sermos transformados. O objectivo próprio e último da transformação
eucarística é a nossa transformação na comunhão com Cristo. A Eucaristia tem em vista
o homem novo, com uma novidade tal que assim só pode nascer a partir de Deus e por
meio da obra do Servo de Deus. A partir de Lucas e sobretudo de João,
sabemos que Jesus, na sua oração durante a Última Ceia, dirigiu também súplicas ao
Pai – súplicas que, ao mesmo tempo, contêm apelos aos seus discípulos de então e de
todos os tempos. Nesta hora, queria escolher somente uma súplica que, segundo João,
Jesus repetiu quatro vezes na sua Oração Sacerdotal. Como O deve ter angustiado no
seu íntimo! Tal súplica continua sem cessar sendo a sua oração ao Pai por nós: trata-se
da oração pela unidade. Jesus diz explicitamente que tal súplica vale não somente
para os discípulos então presentes, mas tem em vista todos aqueles que hão-de acreditar
n’Ele (cf. Jo 17, 20). Pede que todos se tornem um só, «como Tu, ó Pai, estás em Mim,
e Eu em Ti, que eles também estejam em nós, para que o mundo acredite» (Jo 17, 21).
Só pode haver a unidade dos cristãos se estes estiverem intimamente unidos com Ele,
com Jesus. Fé e amor por Jesus: fé no seu ser um só com o Pai e abertura à unidade
com Ele são essenciais. Portanto, esta unidade não é algo somente interior, místico.
Deve tornar-se visível; tão visível que constitua para o mundo a prova do envio de
Jesus pelo Pai. Por isso, tal súplica tem escondido um sentido eucarístico que Paulo
pôs claramente em evidência na Primeira Carta aos Coríntios: «Não é o pão que nós
partimos uma comunhão com o Corpo de Cristo? Uma vez que existe um só pão, nós, que
somos muitos, formamos um só corpo, visto participarmos todos desse único pão» (1
Cor 10, 16-17). Com a Eucaristia, nasce a Igreja. Todos nós comemos o mesmo pão, recebemos
o mesmo corpo do Senhor, e isto significa: Ele abre cada um de nós para além de si
mesmo. Torna-nos todos um só. A Eucaristia é o mistério da proximidade e comunhão
íntima de cada indivíduo com o Senhor. E, ao mesmo tempo, é a união visível entre
todos. A Eucaristia é sacramento da unidade. Ela chega até ao mistério trinitário,
e assim cria, ao mesmo tempo, a unidade visível. Digamo-lo uma vez mais: a Eucaristia
é o encontro pessoalíssimo com o Senhor, e no entanto não é jamais apenas um acto
de devoção individual; celebramo-la necessariamente juntos. Em cada comunidade, o
Senhor está presente de modo total; mas Ele é um só em todas as comunidades. Por isso,
fazem necessariamente parte da Oração Eucarística da Igreja as palavras: «una cum
Papa nostro et cum Episcopo nostro». Isto não é um mero acréscimo exterior àquilo
que acontece interiormente, mas expressão necessária da própria realidade eucarística.
E mencionamos o Papa e o Bispo pelo nome: a unidade é totalmente concreta, tem nome.
Assim, a unidade torna-se visível, torna-se sinal para o mundo, e estabelece para
nós mesmos um critério concreto. São Lucas conservou-nos um elemento concreto
da oração de Jesus pela unidade: «Simão, Simão, Satanás reclamou o poder de vos joeirar
como ao trigo. Mas Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça. E tu, uma vez
convertido, confirma os teus irmãos» (Lc 22, 31-32). Com pesar, constatamos novamente,
hoje, que foi permitido a Satanás joeirar os discípulos visivelmente diante de todo
o mundo. E sabemos que Jesus reza pela fé de Pedro e dos seus sucessores. Sabemos
que Pedro, que através das águas agitadas da história vai ao encontro do Senhor e
corre perigo de afundar, é sempre novamente sustentado pela mão do Senhor e guiado
sobre as águas. Mas vem depois um anúncio e uma missão. «Tu, uma vez convertido...».
Todos os seres humanos, à excepção de Maria, têm continuamente necessidade de conversão.
Jesus prediz a Pedro a sua queda e a sua conversão. De que é que Pedro teve de converter-se?
No início do seu chamamento, assombrado com o poder divino do Senhor e com a sua própria
miséria, Pedro dissera: «Senhor, afasta-Te de mim, que eu sou um homem pecador» (Lc
5, 8). Na luz do Senhor, reconhece a sua insuficiência. Precisamente deste modo, com
a humildade de quem sabe que é pecador, é que Pedro é chamado. Ele deve reencontrar
sem cessar esta humildade. Perto de Cesareia de Filipe, Pedro não quisera aceitar
que Jesus tivesse de sofrer e ser crucificado: não era conciliável com a sua imagem
de Deus e do Messias. No Cenáculo, não quis aceitar que Jesus lhe lavasse os pés:
não se adequava à sua imagem da dignidade do Mestre. No horto das oliveiras, feriu
com a espada; queria demonstrar a sua coragem. Mas, diante de uma serva, afirmou que
não conhecia Jesus. Naquele momento, isto parecia-lhe uma pequena mentira, para poder
permanecer perto de Jesus. O seu heroísmo ruiu num jogo mesquinho por um lugar no
centro dos acontecimentos. Todos nós devemos aprender sempre de novo a aceitar Deus
e Jesus Cristo como Ele é, e não como queríamos que fosse. A nós também nos custa
aceitar que Ele esteja à mercê dos limites da sua Igreja e dos seus ministros. Também
não queremos aceitar que Ele esteja sem poder neste mundo. Também nos escondemos por
detrás de pretextos, quando a pertença a Ele se nos torna demasiado custosa e perigosa.
Todos nós temos necessidade da conversão que acolhe Jesus no seu ser Deus e ser-Homem.
Temos necessidade da humildade do discípulo que segue a vontade do Mestre. Nesta hora,
queremos pedir-Lhe que nos fixe como fixou Pedro, no momento oportuno, com os seus
olhos benévolos, e nos converta. Pedro, o convertido, é chamado a confirmar
os seus irmãos. Não é um facto extrínseco que lhe seja confiado este dever no Cenáculo.
O serviço da unidade tem o seu lugar visível na celebração da sagrada Eucaristia.
Queridos amigos, é um grande conforto para o Papa saber que, em cada Celebração Eucarística,
todos rezam por ele; que a nossa oração se une à oração do Senhor por Pedro. É somente
graças à oração do Senhor e da Igreja que o Papa pode corresponder ao seu dever de
confirmar os irmãos: apascentar o rebanho de Cristo e fazer-se garante daquela unidade
que se torna testemunho visível do envio de Jesus pelo Pai. «Desejei ardentemente
comer convosco esta Páscoa». Senhor, Vós tendes desejo de nós, de mim. Tendes desejo
de nos fazer participantes de Vós mesmo na Sagrada Eucaristia, de Vos unir a nós.
Senhor, suscitai também em nós o desejo de Vós. Reforçai-nos na unidade convosco e
entre nós. Dai à vossa Igreja a unidade, para que o mundo creia. Amen.
No
momento do ofertório os presentes na Basílica de São João de Latrão foram convidados
a fazer um gesto de caridade em favor das vítimas do sismo e consequente tsunami de
11 de Março, no Japão, que deixou milhares de mortos e provocou elevados danos materiais. O
dinheiro recolhido foi entregue ao Papa.