Tóquio, 14 abr (RV) - “Quando nós precisamos de vocês, vocês nos abandonam.”
Depois
de 43 anos de atividades com migrações internas, internacionais, refugiados e marinheiros,
tendo como foco a pessoa do migrante, defendendo-o, lutando para que ele fosse bem
acolhido nas igrejas e no país de destino, algumas observações feitas por oficiais
de imigração e nacionais japoneses causaram-me questionamentos e me fizeram descobrir
alguns detalhes da cultura nipônica. Por isso hoje, dia 11 de abril, que marca um
mês depois do terremoto, tsunami e o desencadeamento de problemas na usina nuclear
de Fukushima, parei para equacionar as experiências vividas nesses 30 dias de réplicas
sísmicas freqüentes,mais de 900 até hoje. Está sendo um excelente aprendizado morar
neste país num momento de dor, de sofrimentos, de perdas e de incertezas. Nas circunstâncias
presentes, não posso deixar de colocar-me do lado deste povo recatado, silencioso
e comedido para tentar sentir o que ele sente diante de nossas atitudes e decisões
como estrangeiros.
Depois de ouvir dezenas de vezes a pergunta, “você vai embora?”,
especialmente quando foi noticiado que milhares de migrantes estavam saindo do país
para voltar em tempos de calma, pus-me a pensar e ligar a pergunta com expressões
e outras perguntas que me dirigiram. Três dias depois do terremoto, ao ir ao Centro
de Imigração dar apoio aos detentos para serem deportados, observei uma multidão de
estrangeiros crescendo a cada dia, ocupando todos os passeios ao redor do edifício
e ruas adjacentes. Eram pessoas assustadas pelo terremoto, tsunami, medo de sofrer
radiações e sob pressão de familiares deixados nos países de origem, que iam buscar
a permissão para voltar (reentry). Dois oficiais do Departamento de Imigração aproximaram-se
de mim e de uma colega de trabalho, quando observávamos tudo do 7º. andar do edifício
e nos disseram: “Quando existe algum problema, os estrangeiros podem voltar para seus
países; nós japoneses não temos outro país para ir”.
Percebi que o trabalho
em equipe está na base de sua educação e cultura, especialmente em tempos de desastres
e crises. Nas fábricas e escritórios, os japoneses caracterizam-se pelo espírito de
união e colaboração com o superior. Quando sucede algum desastre, este vínculo com
ele é considerado ainda mais necessário, pois é dele que emana a coordenação das ações
para enfrentar os inconvenientes e dissabores. “Por que vocês vão embora? Vocês não
confiam em nós e em nosso governo?” perguntou um japonês, ao perceber que trabalhadores
estrangeiros da sua fábrica decidiram sair do país depois do terremoto, tsunami e
radiações na Usina de Fukushima.
Uma boa parte da sociedade considera os estrangeiros
como egoístas, gananciosos, ingratos, e oportunistas. “Vocês vêm para ganhar dinheiro,
mas quando as coisas vão mal, vocês nos abandonam. Nós ficamos aqui trabalhando para
arrumar tudo. Quando estiver tudo bonito e organizado outra vez, então vocês vão querer
voltar”, São as manifestações de desgosto de muitos cidadãos japoneses. Há também
os mais radicais, dizendo que quem foge neste momento não deveria receber permissão
de voltar em tempos melhores.
Pela sua importância, em Tóquio estão presentes
escritórios de grandes empresas multinacionais. Alguns executivos, logo no dia seguinte
do terremoto, enviaram suas famílias para outros países considerados seguros, como
Singapura, Tailândia, Hong Kong, Malásia, Itália(por ironia, nenhum é socialmente
mais seguro do que o Japão), para depois se unirem a elas. À distância, acompanhavam
os trabalhos por internet e telefone, deixando os funcionários sozinhos. Dentro da
concepção dos japoneses, tal procedimento significa dar as costas e abandoná-los.
Aquele era o momento quando mais precisavam da presença do superior. A observação
mais ouvida, segundo um grupo de executivos com quem tive a oportunidade de conversar
depois que eles voltaram ao Japão, foi e continua sendo: “Quando nós precisamos vocês
nos abandonam”. É desnecessário dizer que o ambiente humano no lugar de trabalho mudou
muito a partir do retorno dos diretores dessas empresas.
Papel pouco solidário
tiveram também representações diplomáticas de “países amigos” que decidiram transferir
seus escritórios quinhentos quilômetros mais ao sul, fora da área por elas considerada
perigosas. Algumas embaixadas até suspenderam as atividades pelo mesmo motivo e seus
oficiais retornaram aos seus países. Merecem louvor aquelas representações que, além
de permanecerem em suas sedes, uniram-se ao povo japonês para socorrer as vítimas
das áreas devastadas. Entre elas, tem destaque embaixada do Brasil em Tóquio.
É
interessante contextuar tudo isso, na terceira maior economia do mundo, num dos países
mais seguros da Terra, muito organizado, educado, respeitoso, com poucos problemas
sociais, em paz, caracterizando um contraste abismal com a situação dos países de
origem de quase todos os migrantes no Japão. Com certeza, a debandada de milhares
de estrangeiros, é um mistério que o povo japonês tem dificuldade de entender.
A
Terra do Sol Nascente precisa do trabalho dos estrangeiros. Não sabemos qual será
a atitude de seu povo com as novas levas que aqui virão ganhar o pão de cada dia nos
próximos anos. Tudo indica que haverá desafios para a sociedade japonesa e para os
imigrantes.
Missionário Padre Olmes Milani CS. Para ouvir o artigo de Pe.
Olmes, na voz de Silvonei José, clique aqui: