«Jesus de Nazaré»: Traição continua na história da Igreja, diz Bento XVI que analisa
a figura de Judas e alerta para o «poder das trevas»
(25/3/2011) O novo livro de Bento XVI, «Jesus de Nazaré. Da Entrada em Jerusalém
até à Ressurreição», classifica o discípulo Judas como um “traidor”, afirmando que
essa traição continua na história da Igreja. “Com a traição de Judas, não terminou
o sofrimento pela deslealdade”, escreve o Papa, para quem “a ruptura da amizade chega
mesmo à comunidade sacramental da Igreja, onde há sempre de novo pessoas que partilham
«o seu pão»” e atraiçoam Jesus. Numa passagem deste segundo volume da obra de Joseph
Ratzinger, o actual Papa fala no «mistério do traidor» que antecedeu a morte de Cristo. “Naquela
hora, Jesus carregou a traição de todos os tempos, o sofrimento que deriva de ser
atraiçoado em cada tempo, suportando assim até ao fundo a miséria da história”, observa. “Quem
rompe a amizade com Jesus, quem se recusa a carregar o seu «jugo suave» não chega
à liberdade, não se torna livre, antes pelo contrário torna-se escravo de outras potências;
ou mesmo: o facto de atraiçoar essa amizade já resulta da intervenção de outro poder,
ao qual se abriu”, sublinha. Partindo do Evangelho segundo João, Bento XVI diz
que o “anúncio da traição suscita, compreensivelmente, agitação e, ao mesmo tempo,
curiosidade entre os discípulos”, reunidos para a “Última Ceia”. A intervenção
de Jesus, diz o Papa, segue o seu “estilo característico”: “Com palavras da Escritura,
alude ao seu destino, inserindo-o ao mesmo tempo na lógica de Deus, na lógica da história
da salvação”. “Jesus tem de experimentar a incompreensão, a infidelidade até no
âmbito do círculo mais íntimo dos amigos e assim «cumprir a Escritura»”, acrescenta. Neste
ponto, Bento XVI centra a sua atenção em Judas Iscariotes, um dos doze discípulos,
o qual, segundo os Evangelhos, traiu Jesus a troco de dinheiro, denunciando-o às autoridades
judaicas. “João não nos oferece nenhuma interpretação psicológica do comportamento
de Judas; o único ponto de referência que nos dá é a alusão ao facto de que Judas,
como tesoureiro do grupo dos discípulos, teria roubado o seu dinheiro”, refere o Papa. Para
o evangelista João, diz Bento XVI, “aquilo que aconteceu a Judas já não é explicável
psicologicamente”. O Papa cita outras passagens dos Evangelhos para indicar o discípulo
se arrependeu do seu comportamento, mas voltou a errar por não “conseguir acreditar
num perdão”. Várias teorias sobre a acção deste discípulo têm surgido, ao longo
da história, procurando ilibá-lo do seu comportamento ou mesmo inserir o seu gesto
de traição no «plano» de Jesus. Joseph Ratzinger opta por sublinhar as opções tomadas
pelo discípulo e frisa a carga simbólica que teve a saída da sala onde decorria a
ceia, observando que Judas “vai para fora num sentido mais profundo: entra na noite,
vai-se embora da luz para a escuridão”. “O «poder das trevas» apoderou-se dele”,
conclui. Em 2006, no Vaticano, o Papa falara da traição de Judas, afirmando
que para este “só o poder e o sucesso são realidades, o amor não conta”.