Belo Horizonte, 25 mar (RV) - A harmonia com a natureza para preservação e
promoção da vida no planeta é uma questão de fidelidade a valores. Fidelidade que
tem um santuário próprio, o da interioridade. A consciência dita a dinâmica da conduta
pessoal e social para tecer o cenário que revela a vida vivida com dignidade, e o
consequente respeito à criação, dom de Deus para o bem de todos. Portanto, é indispensável
ser fiel a valores que norteiam e mantêm condutas no horizonte e nas dinâmicas da
pretendida harmonia com a natureza. E também as relações dignas e cidadãs, tanto no
que é pessoal quanto na família e nas instituições, que organizam e configuram a sociedade
contemporânea.
As reviravoltas surpreendentes da natureza são desafios que
suscitam sérios questionamentos, com as indagações religiosas e os entendimentos científicos.
Essas permitem planejamentos e apontam na direção de ações e atitudes que possam garantir
o indispensável respeito à natureza e ao mais recôndito de sua gênese, com propósito
de evitar catástrofes e dolorosos sofrimentos. Semelhante a placas tectônicas, a consciência
coletiva de indivíduos, que pautam suas vidas no compromisso com a verdade e na fidelidade
aos valores que balizam a vida, se remexem. Não pode ser desconsiderado, nos muitos
movimentos da história política e cultural da humanidade, o que recentemente tem merecido
atenção de cientistas políticos, de lideranças mundiais, e de todos os que vivem sua
vida e exercem suas responsabilidades. Trata-se de insurreições significativas do
mundo árabe, alavancadas pela iluminação que vem de valores irrenunciáveis como democracia,
participação cidadã, condições dignas de vida para todos, em contraposição às fortunas
ajuntadas por dirigentes de governos e outros, o que perpetua situações injustas de
exclusão e de miséria. Essas insurreições, contracenando com tantos descalabros políticos,
empresariais e outros, é sinal de que está reavivada na consciência cidadã a necessidade
de pautar a vida na fidelidade e na vivência de valores. Valores que balizem mudanças
em cenários inaceitáveis de arbitrariedades e de usurpações no exercício do poder
e no usufruto dos bens da criação. Isso causa descontentamento e provoca reações que
urgem e impõem mudanças mais rápidas na direção dessa terapêutica fidelidade.
Nesse
mesmo horizonte localiza-se o adiamento da aplicação da Lei da Ficha Limpa, agora,
apenas considerada como lei do futuro. O processo de sua interpretação merece considerações,
tratando-se da Suprema Corte, que avalia, configurando um empate, decidido por um
voto que considera sua imediata aplicação um desrespeito à Constituição. Cinco ministros
não votaram assim, revelando que o caminho da interpretação é importante e dele se
esperam avanços na direção de uma aplicação, não retardada, de normas que corrijam,
imediatamente, sem delongas, os desvarios políticos, as falcatruas financeiras e as
condutas de corrupção.
Insurreições do povo no mundo árabe, lutas dos movimentos
populares, empenhos por normas como a Ficha Limpa, avanços jurídicos que coíbem desmandos
e imoralidades e outras bandeiras, como a defesa da vida em todas as suas etapas -
desde a fecundação até a morte com o declínio natural -, vão tornando patente que
há um anseio, até muitas vezes adormecido no coração humano. Anseio exigente e convencido
de moralização, de encaminhamentos pautados em valores com força de ressurreição e
configurações novas de dinâmicas da vida. É preciso dar passagem larga a essas demandas,
deixando espaços estreitos, ou quase nenhum, para entendimentos tacanhos que atrasam
conquistas de instituições sociais, políticas e religiosas.
Tais sinais nos
desejos de mudança têm pouco a ver com uma obsoleta compreensão de reivindicações.
Especialmente aquelas, cujo discurso tem teor ultrapassado, que parecem projetar o
presente num tipo de passado que teve sua vez e não atende mais às demandas contemporâneas.
Entre as dinâmicas que atrasam sonhos e comprometimentos - frutos de fidelidades a
valores - há uma visão estreita de interesses e necessidades de instituições e grupos,
sobre projetos importantes para os avanços da sociedade, fecundado por uma falta de
espiritualidade e de humanismo que aprisiona pessoas que poderiam, com um pouco mais
de altruísmo, suportar pesos e ajudar a levar em frente a abertura de novos horizontes
para a cultura, a sociedade e as instituições todas.
É hora de gestos mais
corajosos, ancorados na clarividência e na fidelidade a valores que qualificam as
condutas. Gestos descolados de protestos por razões de pequenez, ou de propostas,
que têm o tamanho diminuto da compreensão, fruto de um fechamento que mantém a esterilidade
de determinados discursos e a função inócua de certas propostas e intervenções. A
fidelidade a valores é a meta da Campanha da Fraternidade 2011. No horizonte rico
do Evangelho de Jesus Cristo, é a condição indispensável para compreender o alcance
e a medida justa que a vida no planeta depende dessa vivência, permitindo e mantendo
o que é harmonia com a natureza.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo
metropolitano de Belo Horizonte