Rio de Janeiro, 19 mar (RV) - Que bom seria se a mortificação desta primeira
semana reavivasse a nossa fé e nos fizesse prontos para reconhecer os becos sem saída
dos nossos atalhos para chegar ao caminho promissor do Evangelho. Do deserto da tentação,
a liturgia nos faz dar um salto até o Tabor, o monte da Transfiguração. Um salto importante,
porque nos faz saborear uma antecipação da meta para a qual caminhamos. Esse "salto
espiritual" do deserto ao Tabor nos coloca diante dos olhos um Evangelho que dá nova
luz àquela imagem cinzenta escura e às vezes mofada que alguns têm da Quaresma, e
que pode ter se instalado em nosso imaginário espiritual. A autêntica mortificação
quaresmal é para a vivificação e não para a tristeza. Se me mortifiquei é para fazer
crescer a vida do Espírito em mim: é porque eu preciso dizer uns "não" para ampliar
o coração a alguns "sim" maiores e mais maduros; é porque em mim existe algo que deve
morrer para poder dar frutos. Pedro, Tiago e João são conduzidos por seu Rabi
para a parte superior do Tabor. Deveriam estar subindo pensativos, pois o anúncio
da Paixão feito seis dias antes apertava os seus corações. A palavra de Jesus sobre
o seu futuro de paixão, de morte e ressurreição permaneceu indigesta. Não entendem,
mas põem a confiança no Mestre. Não entendem, mas caminham sobre seus passos. Não
entendem, mas sabem que devem estar nos passos de Jesus. Enquanto sobem ao Tabor,
os pensamentos estão em turbulência: confusão, desânimo, trevas. A respiração mais
curta da subida marca o ritmo de um milhão de pensamentos que se chocam no coração
e na mente. E de repente, para romper a escuridão que os discípulos trazem dentro
de si, eis uma luz: um “flash” de beleza! Os olhos estão abertos e o coração bate
a mil. Pedro, Tiago e João receberam o dom de assistir a uma antecipação da glória
da Ressurreição. Jesus revela a outra face do seu mistério: não só a Cruz, mas também
a glória. Jesus abre seus olhos para reconhecer a sua beleza, para revelar a sua identidade.
O Sumo Pontífice Bento XVI, que nesta semana reflete acerca da santidade do seu
Venerável Predecessor, o Servo de Deus João Paulo, nos fala, em sua mensagem quaresmal,
sobre a Transfiguração: “O Evangelho da Transfiguração do Senhor põe diante dos nossos
olhos a glória de Cristo, que antecipa a ressurreição e que anuncia a divinização
do homem. A comunidade cristã toma consciência de ser conduzida, como os apóstolos
Pedro, Tiago e João, «em particular, a um alto monte» (Mt 17, 1), para acolher de
novo em Cristo, como filhos no Filho, o dom da Graça de Deus: «Este é o Meu Filho
muito amado: n’Ele pus todo o Meu enlevo. Escutai-O” (v. 5). Nós vos pedimos, Senhor
Jesus, nos iluminar com a luz da vossa beleza. Na companhia de Pedro, Tiago e João,
contemplando o vosso rosto transfigurado com amor. Não queirais jamais nos deixar
sozinhos, pois sabeis que somos debilitados e frágeis. Vós conheceis as nossas fatigas
e nos chamastes para vós para nos dar força e coragem com a vossa Palavra e o vosso
Pão de vida. Fazei que, mesmo em meio a lutas diárias, nunca nos sintamos sozinhos
e que a memória da vossa beleza não permita vacilar o nosso coração para as ilusões
e falsas promessas do mundo. Com a força do Espírito de Santidade, guiai-nos no nosso
caminho quaresmal de conversão. Maria, acrescente o que falta às nossas orações. Amém!
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Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de
Janeiro, RJ