Cidade do Vaticano, 11 mar (RV) - Iniciamos, com a Quarta-feira de Cinzas,
o tempo favorável de conversão e de penitência, no qual somos chamados a reviver a
nossa vida batismal, consequentemente renovando a nossa vida cristã. Como o Batismo
é a porta de entrada para essa vida, acreditamos que todos os demais atos de nossas
vidas, com os sacramentos que os acompanham, também serão renovado à medida que a
nossa vida se transforme e seja mais coerente.
Com a queima dos ramos bentos
do ano passado, transformados em cinzas que recebemos nesta quarta feira, a Igreja
retira também da liturgia muitos sinais, cânticos, aclamações para que, no final deste
tempo, nós os recebamos de volta com uma vida que seja um pouco mais de acordo com
aquilo que celebramos. A mensagem papal para este tempo recorda-nos a vida batismal:
“Sepultados com Ele no batismo, foi também com Ele que ressuscitastes” (Cf. Cl 2,
12).
Que o período quaresmal, em que a Liturgia da Igreja apresenta à nossa
reflexão os grandes mistérios da salvação, seja vivido por nós todos em atitude de
penitência e de sacrifício para nos prepararmos dignamente para o encontro pascal
com Cristo. Vivei sempre animados pelo ideal altíssimo proclamado por Jesus: O meu
mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei. Ninguém tem maior
amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos (cf. Jo 15, 12-13). Nestes
quarenta dias nos acompanham o jejum, a abstinência, a penitência, a oração, a esmola,
as reuniões de grupo nas casas, as vias sacras pelas ruas, a celebração penitencial,
a lectio divina, o silêncio de quem entrou no deserto com Cristo para fazer uma intensa
experiência de Deus.
A Sagrada Escritura apresenta, com frequência, o período
de 40 dias ou anos para indicar períodos especiais, que criam um clima adequado para
preparar para algo importante que irá acontecer. Nesse sentido, o povo de Israel caminhou
durante quarenta anos no deserto, antes de adentrar na Terra Prometida. Esse período
favorável foi uma experiência de purificação dos falsos deuses, de adesão aos mandamentos
(Aliança) e de solidariedade no deserto. O Profeta Elias caminhou 40 dias e 40 noites
até o Monte sagrado de Horeb. Por quarenta dias foi o tempo em que se purificou a
humanidade corrompida pelo pecado com o Dilúvio. Moisés rezou por 40 dias no Sinai
antes de receber a Lei. E, por fim, Nosso Senhor Jesus Cristo por quarenta dias rezou
no deserto antes de iniciar a sua vida pública.
Assim, os próximos quarenta
dias são apresentados para nós como tempo propício para a conversão - eis o tempo
favorável: deixai-vos reconciliar com Deus! Exorto que todos se empenhem para viver
este tempo e aprofundar em sua vida, família e comunidade as consequências da vida
batismal. Será muito importante também que os grupos de reflexão se multipliquem neste
tempo e todos se encontrem com seus vizinhos para uma reflexão quaresmal e da campanha
da fraternidade.
A Quaresma é uma ocasião providencial de conversão, ajuda-nos
a contemplar o supremo mistério de amor. Ela constitui um retorno às raízes da fé,
porque meditando sobre o dom incomensurável de graça, que é a Redenção, não podemos
deixar de constatar que tudo nos foi dado por iniciativa amorosa de Deus. O Papa Bento
XVI frisou, na catequese desta Quarta-feira de Cinzas, que com "a imposição das cinzas
iniciamos o Tempo da Quaresma, autêntico itinerário espiritual que nos prepara para
celebrar o mistério pascal de Cristo". "As leituras da Quaresma deste ano são uma
esplêndida catequese que nos ajudam a redescobrir a graça do Batismo. Elas nos convidam
a renovar a nossa fidelidade a Deus e abandonar as nossas seguranças humanas para
nos confiar completamente no Senhor" – disse ainda Bento XVI.
O Profeta Joel
dá a tônica para o tempo quaresmal: "Rasgai os vossos corações, não as vossas vestes".
(Jl 2,12-18). Nesse sentido, quero exortar aos meus caríssimos sacerdotes que se dediquem
com esmero e dedicação ao mister salutar de ouvir confissões individuais, facilitando,
na medida do possível, em horários diversos ao atendimento das confissões auriculares
em suas paróquias, em iniciativa da forania acorram aos “mutirões de confissões”,
facilitando assim a todos os fiéis para recorrerem à penitência e à reconciliação.
Que sejam atendidos de bom grado e possam abrir o seu coração ao Deus Vivo, o Ressuscitado,
experimentando a misericórdia de Deus e inserindo-se ainda mais na vida eclesial com
renovado entusiasmo. Exorto a todos que o tripé quaresmal seja bem observado. Primeiro,
a Oração que, com clareza espiritual, nos leva a uma EXPERIÊNCIA pessoal com Deus.
Segundo, o Jejum nos leva a um gesto concreto de conversão: privar-se de algo para
uma liberdade interior maior. E repassar o que deixamos de comer e de beber a quem
não tem o que comer e beber. A Esmola nos leva a nos doarmos aos irmãos no serviço
fraterno, em gesto de solidariedade e de partilha, sinalizando um despojando do falso
deus da riqueza.
Vivemos uma mudança de época, em que o sagrado vai sendo substituído
pelo ter, pelo ser e pelo poder. O nosso tempo é profundamente consciente da necessidade
de se assumir uma responsabilidade coletiva perante os males que afligem a humanidade.
Em tal sentido, a Quaresma intenta mobilizar as atenções dos fiéis contra todas as
formas de esbanjamento, e estimulá-los a darem-se as mãos, num esforço conjugado.
A restauração de todas as coisas em Nosso Senhor Jesus Cristo tem uma relação muito
íntima com o espírito da Quaresma. O próprio Cristo, um dia, nos fará ver a importância
da ajuda que prestarmos aos nossos irmãos: “tive fome e destes-me de comer; tive sede
e destes-me de beber, estava nu e me vestistes” (cfr. Mt 25, 35-36).
Sei que
neste mundo plural em que vivemos nem sempre é fácil vivenciar este tempo – ao nosso
redor continuam as festas e apresentações, brigas e desamor – mas cabe a cada católico
colocar-se a caminho nestes quarenta dias e aprofundar a sua vida de conversão através
de uma contrição sincera e dando passos concretos em sua mudança de vida, correspondendo
ao dom e à graça que o Senhor nos concede.
Este apelo, que o mesmo Cristo nos
faz, dirige-se a todos os cristãos, e nenhum deles poderá subtrair-se a esta interpelação
do Senhor. A experiência demonstra que as comunidades cristãs mais necessitadas são
as mais sensíveis perante a indigência de outrem, e isso eu pude notar na trezena
de São Sebastião ao ver os pobres repartindo o pouco que tinham para socorrer os seus
irmãos. Sim, em todos os lugares e a todos os momentos encontramos Cristo necessitado
nas pessoas que nos rodeiam, e este encontro não pode, de modo algum, deixar-nos indiferentes.
É fato que uma das características da nossa época é a consciência comum dos
males que pesam gravemente sobre a família humana, mas muitos são os obstáculos que
se opõem, em diversas partes, à promoção da dignidade pessoal de cada um dos seus
membros.
Neste ano, a Campanha da Fraternidade tem como tema: “Fraternidade
e Vida no Planeta!” e como lema: “A criação geme em dores de parto” (Rm 8,22). Iluminada
pela Palavra de Deus, a Santa Igreja quer mostrar que esta problemática é uma obrigação
de todos os batizados, pois o modo com o que o homem trata o ambiente influi sobre
o modo como trata a si mesmo e vice-versa. Por isso a Igreja quer nos conscientizar
de que os deveres que temos para com a ecologia, para com o meio ambiente estão ligados
aos deveres que temos para com as pessoas.
O Papa Bento XVI nos recorda na
mensagem para a Campanha da Fraternidade: “O homem só será capaz de respeitar as criaturas
na medida em que tiver no seu espírito um sentido pleno da vida; caso contrário, será
levado a desprezar-se a si mesmo e àquilo que o circunda, a não ter respeito pelo
ambiente em que vive, pela criação. Por isso, a primeira ecologia a ser defendida
é a “ecologia humana”.
Que as atitudes pessoais, comunitárias e sociais nos
encontrem disponíveis a dar sinais de nossa fé também nessa questão ecológica, procurando
aprofundar o que significa “reduzir, reutilizar, recuperar, reciclar, repensar” propostos
como gestos concretos nesta Campanha da Fraternidade.
Que em nossa Igreja Arquidiocesana
possamos renovar a nossa vida cristã, redescobrindo o nosso Batismo, graça de Deus,
que nos impele a sermos autênticos discípulos-missionários. Que nossa pertença batismal
nos ajude a viver e conviver em comunidade com os mesmos sentimentos de Jesus Cristo.
Nesta caminhada que ora iniciamos, confiemo-nos a Maria, nossa mãe, que “gerou
o Verbo de Deus na Fé e na carne para nos imergir como ela na morte e ressurreição
do seu Filho Jesus e ter a vida eterna”.
Boa e santa Quaresma para todos!
Que o Cristo Redentor ilumine o nosso itinerário quaresmal!
Rio de Janeiro,
na Quarta-feira de Cinzas do ano da graça de 2011.
† Orani João Tempesta, O.
Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ