ORAÇÃO, JEJUM E ESMOLA: O DINAMISMO DE UMA VIDA "ORDENADA"
Juiz de Fora, 09 mar (RV) - Quaresma é tempo favorável para ordenar a própria
vida na direção do sonho de Deus para toda a humanidade. Para que este processo de
ordenamento aconteça, o tempo litúrgico quaresmal nos convida a “considerar” as nossas
relações vitais: com Deus, com os outros, com o mundo e consigo mesmo.
No Evangelho
fala-se das “práticas quaresmais” da oração, esmola e jejum, onde nossas relações
são iluminadas e questionadas pelo modo de proceder de Jesus. Que sentido tem, para
nossa cultura, estes três gestos que são propostos para uma vivência fecunda da Quaresma? Em
primeiro lugar, são três gestos que nos humanizam e tornam a vida mais leve e com
sentido; eles condensam o sentido da vida cristã. A vida é um abrir-se aos demais
(esmola), um manter-se no mistério de Deus (oração) e ser capaz de ordenar e dirigir
a própria existência (jejum).
É preciso criar espaço novo no coração e na mente,
para que coisas novas aconteçam. Vividos a partir da identificação com Jesus Cristo,
os valores da oração, da esmola e do jejum podem nos aproximar dos pobres e excluídos;
mover-nos de compaixão e misericórdia; exercitar-nos na prática do bem e da bondade;
acolher o outro com sinceridade; perdoar gratuitamente; cuidar com ternura e admiração;
mergulhar no mistério de cada coisa; deixar-nos envolver pela graça e permitir que
o amor circule em nós e no mundo, gerando vida em abundância. Trata-se de um “modo
de proceder” permanente.
Oração: oração em tempos de tecnologia e de rapidez
parece algo sem sentido. No entanto, a oração nos ajuda a buscar sentido em todas
as experiências, pois ela nos aproxima da simplicidade e da ternura. Ou seja, a oração
torna o coração mais dócil, fazendo-nos mais humanos e, por isso, mais próximos de
Deus. A oração é uma mão estendida para o divino; não é dobrar a vontade de Deus a
nosso favor; pelo contrário, é colocar-nos em sintonia com Deus, para entendermos
o que é melhor para nosso verdadeiro bem. É deixar Deus ser Deus, ou seja, revelar
sua paternidade e maternidade com cada um de nós.
Orar é sentir-nos participantes
da riqueza divina e de seus dons. É sentir-nos agraciados e plenos de sentido do infinito,
tirando-nos da mesmice e do vazio. Orar nos molda o coração de acordo com o coração
de Deus, nos ajuda a sermos mais irmãos uns dos outros e reforça a certeza de que
somos filhos e filhas amados(as) de Deus.
Jejum: o jejum nos humaniza, nos
faz descer do pedestal e nos torna mais sensíveis e solidários; fazer jejum tem sentido
quando brota da sensibilidade que evita o desperdício, o consumo desenfreado, o esbanjamento
e o orgulho. Na linguagem inaciana, jejuar é sair do próprio amor, querer e interesse,
ou seja, viver na simplicidade de quem renuncia a um “EU” enorme por um “mundo diferente”.
Jejuamos
para crescer; jejuamos para recordar que as “coisas” não são um fim, mas um meio;
jejuamos como forma de olhar ao redor e recordar que a realidade é muito mais ampla
que nossa própria situação. Jejuar não é “deixar de comer”. É aceitar de maneira consciente
que nossos desejos, nossas necessidades, nossos interesses, nossas preocupações não
são o centro do mundo.
Por isso jejuar pode ser um convite a ordenar a mente,
a pacificar o coração, a serenar os olhos, a guardar a língua... Purificar a tendência
ao imediatismo, ao falso moralismo, puritanismo e perfeccionismo. Implica também “dar
um tempo” à tentação de falar dos outros, destruir sua imagem e diminuir seu valor;
“dar um tempo” à tentação de ver apenas a aparência e julgar por ela, de ver sujeira
em tudo e não ver a beleza em tantas expressões, de ver somente o errado e não acolher
os limites e a boa vontade dos demais. Jejuar os olhos para ver o que alegra o coração.
Jejuar é cuidar-se, com simplicidade e veneração, e manter viva a alma (= sempre animados).
Por lembrar-nos de nossa precariedade, o jejum pode nos tornar sensíveis ao próprio
mistério da vida que somos; é colocar em questão a razão de ser da vida. Para quê
vivemos?
Esmola: a palavra “esmola” soa mal. Dá idéia de resto, de poder de
uns sobre o nada de outros. O termo “esmola” deriva do grego “eleéo”, “ter piedade”,
cuja forma imperativa “eleéson” figura no “kyrie” do ato penitencial da celebração
eucarística. Antes que possamos ter piedade dos outros é Deus quem teve piedade de
nós. Precisamente porque brota da piedade divina e se modela sobre ela, a esmola não
se reduz a um gesto de ordem apenas material: ela manifesta um ato que indica o fazer-se
companheiro de viagem de quantos se encontram em dificuldade, participando na sua
situação, com ternura.
O sentido está em oferecer algo de si, importante, significativo.
Tem a ver com abertura de coração, sensibilidade e olhos abertos. É resultado de uma
atenção permanente e ativa, que vai ao encontro do outro, que toma iniciativa, que
se comove. É um estímulo a superar o assistencialismo, que mantém as diferenças, sustenta
a dependência e não promove a cidadania. Provoca-nos à solidariedade e ao espírito
de compaixão, nos move ao serviço, à presença-qualidade, ao voluntariado, à prática
do bem e da justiça.
P. Adroaldo Palaoro, S.J. Reitor do Colégio dos Jesuítas Juiz
de Fora – M.G.
Textos bíblicos: Lc. 11,1-12; Is. 58,1-12; Lc. 12,22-34