São Sebastião do Rio de Janeiro, 05 mar (RV) - Estamos lendo, aos domingos,
os textos do Sermão da Montanha. Durante esses domingos que se encerram neste próximo,
antes da Quaresma, vai se tecendo a figura da nova humanidade nascida de Cristo. Aquilo
que parece impossível só se torna possível pela graça de Deus.
Antes de começarmos
o rico tempo da Quaresma, que traz consigo a reflexão da Campanha da Fraternidade,
a qual nos chama à sobriedade no trato com o nosso Planeta, creio que o tema da ganância
e do apego aos bens que ouvimos no domingo passado nos ajuda a entrarmos de coração
aberto para este tempo em que o jejum, a esmola e a oração estarão centrando o nosso
caminho de conversão.
É um tema que une a Campanha da Fraternidade do ano passado
com a deste ano. Se sofremos com a depredação do nosso planeta é porque, em última
análise, há por baixo o interesse dos ganhos exagerados e uma ganância cada vez maior.
Porém,
onde reina a pobreza e miséria física, existe sempre uma pobreza moral que a produz
e gera. Se a pobreza moral não é do pobre e necessitado, é sempre de quem está perto
ou em torno deles. Mas trata-se sempre de pobreza moral e espiritual. Deus é a Providência
Divina, é Pai amoroso que não deixa faltar nada aos seus filhos. A relação de paternidade
descendente deve, porém, tornar-se relação de filiação ascendente. Pai e filhos devem
se encontrar na maior comunhão de vida e existe comunhão somente na obediência a qualquer
vontade de nosso Pai que está nos céus.
Todo homem deve construir essa relação
de filiação ascendente, elevando-se constantemente para Deus, e fará isso se separando
de todas as relações de servidão, de escravidão, de dependência do vício e do pecado
com as coisas deste mundo e, especialmente, com a fixação do coração na riqueza.
Jesus
é claro: ou se ama a Deus ou a riqueza. A esses dois senhores jamais se poderá amar
ao mesmo tempo. Um exclui o outro. Um nos distancia do outro. São dois senhores que
querem o coração, a mente, os desejos, o corpo inteiro de um modo exclusivo.
Como
convencer o homem de que se pode abandonar totalmente nas mãos do seu Deus sem faltar
nada, mas com a abundância e o superávit em sua casa? Jesus convida os discípulos
a observarem os pássaros do céu. Esses não semeiam, nem recolhem, não acumulam, não
têm contas bancárias, não possuem nenhuma reserva de ouro, e, apesar disso, nunca
morrem de fome. O Pai Celeste, que é o seu Criador e sua Providência, nutre-lhes,
sustenta-lhes, alimenta-os todos os dias.
Também os lírios dos campos não
fiam e não tecem, não possuem fábricas para confeccionar as suas roupas. No entanto,
nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como um deles. Os pássaros e os lírios
são hoje, e amanhã desaparecem. Mas o homem, ao invés, possui uma vocação eterna.
Ele é chamado à comunhão com Deus no céu, no seu Paraíso. Sendo a dignidade do homem
infinitamente superior àquela de todos os outros seres, infinitamente maior é o amor
que o Pai derrama sobre ele. Ele derrama, porém, com uma condição: que o homem procure
o reino de Deus e a sua justiça. É justiça, é direito de Deus não dar o coração às
criaturas para a riqueza, porque é tudo do Pai celeste.
Estamos, portanto,
diante de uma provocação que nos permite aprender, não tanto a ser pré-videntes, mas
a confiar na Providência. Portanto, não a nossa pre-vidência, mas a Providência de
Deus, que nós não aprendemos a partir de livros ou discursos de outros, mas a partir
da própria experiência. Enquanto isso, a partir das coisas à nossa volta (o mundo,
aquele genuíno, onde abundam os sinais de Deus), da vida das pessoas que encontramos
... da vida que se renova a cada manhã. Então, permitirei a mim, convidar a todos
para "escalar" a montanha, ou seja, para firmar-se por um momento para ver tantos
sinais da presença de Deus em nossas vidas... uma presença concreta. O que Deus tem
haver com nossas vidas! E bem-aventurado é aquele que consegue ver que Deus é o "quem
tem haver" e, em seguida, escolheu-o como o fator determinante dos "cálculos" que
fazes para a própria vida. Então, sejamos previdentes para deixar que seja a Providência
a conduzir a nossa vida. Podemos fazê-lo, porque Deus vem em nosso auxílio.
Peçamos
hoje para nós e para todos o dom da pouca fé, aquela fé que faz Deus entrar em nossas
vidas e que lhe permite fazer milagres. Os temas das Campanhas da Fraternidade
do ano passado e deste ano nos questonam sobre essa visão do mundo e das coisas, e
a utilização que fazemos do nosso planeta. Que ao recebermos cinzas sobre as nossas
cabeças na próxima quarta-feira, estejamos conscientes da necessidade de uma sincera
conversão e aproveitemos cada instante da Quaresma para darmos esse passo, e, assim,
na Vigília Pascal renovarmos com o coração aberto as nossas promessas batismais.
Que
a Virgem Maria, Mãe da Redenção, que se tornou totalmente do Senhor, nos inspire a
confiar na providência do Pai.
† Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo
Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ