2011-02-22 11:59:47

COM CRISTO SEPULTADOS, COM ELE RESSUSCITADOS. A MENSAGEM DO PAPA PARA A QUARESMA


Cidade do Vaticano, 22 de fev (RV) - Foi divulgada esta manhã a íntegra da Mensagem de Bento XVI para a Quaresma 2011. Abaixo, a íntegra do texto:

«Sepultados com Ele no baptismo,
foi também com Ele que ressuscitastes» (cf. Cl 2, 12)

Amados irmãos e irmãs!

A Quaresma, que nos conduz à celebração da Santa Páscoa, é para a Igreja um tempo
litúrgico muito precioso e importante, em vista do qual me sinto feliz por dirigir uma palavra
específica para que seja vivido com o devido empenho. Enquanto olha para o encontro
definitivo com o seu Esposo na Páscoa eterna, a Comunidade eclesial, assídua na oração e na
caridade laboriosa, intensifica o seu caminho de purificação no espírito, para haurir com mais
abundância do Mistério da redenção a vida nova em Cristo Senhor (cf. Prefácio I de
Quaresma).

1. Esta mesma vida já nos foi transmitida no dia do nosso Baptismo, quando, «tendo-nos
tornado partícipes da morte e ressurreição de Cristo» iniciou para nós «a aventura jubilosa e
exaltante do discípulo» (Homilia na Festa do Baptismo do Senhor, 10 de Janeiro de 2010). São
Paulo, nas suas Cartas, insiste repetidas vezes sobre a singular comunhão com o Filho de Deus
realizada neste lavacro. O facto que na maioria dos casos o Baptismo se recebe quando somos
crianças põe em evidência que se trata de um dom de Deus: ninguém merece a vida eterna com
as próprias forças. A misericórdia de Deus, que lava do pecado e permite viver na própria
existência «os mesmos sentimentos de Jesus Cristo» (Fl 2, 5), é comunicada gratuitamente ao
homem.

O Apóstolo dos gentios, na Carta aos Filipenses, expressa o sentido da transformação que
se realiza com a participação na morte e ressurreição de Cristo, indicando a meta: que assim eu
possa «conhecê-Lo, a Ele, à força da sua Ressurreição e à comunhão nos Seus sofrimentos,
configurando-me à Sua morte, para ver se posso chegar à ressurreição dos mortos» (Fl 3, 10-
11). O Baptismo, portanto, não é um rito do passado, mas o encontro com Cristo que informa
toda a existência do baptizado, doa-lhe a vida divina e chama-o a uma conversão sincera,
iniciada e apoiada pela Graça, que o leve a alcançar a estatura adulta de Cristo.

Um vínculo particular liga o Baptismo com a Quaresma como momento favorável para
experimentar a Graça que salva. Os Padres do Concílio Vaticano II convidaram todos os
Pastores da Igreja a utilizar «mais abundantemente os elementos baptismais próprios da liturgia
quaresmal» (Const. Sacrosanctum Concilium, 109). De facto, desde sempre a Igreja associa a
Vigília Pascal à celebração do Baptismo: neste Sacramento realiza-se aquele grande mistério
pelo qual o homem morre para o pecado, é tornado partícipe da vida nova em Cristo
Ressuscitado e recebe o mesmo Espírito de Deus que ressuscitou Jesus dos mortos (cf. Rm 8,
11). Este dom gratuito deve ser reavivado sempre em cada um de nós e a Quaresma oferece-nos
um percurso análogo ao catecumenato, que para os cristãos da Igreja antiga, assim como
também para os catecúmenos de hoje, é uma escola insubstituível de fé e de vida cristã: deveras
eles vivem o Baptismo como um acto decisivo para toda a sua existência.

2. Para empreender seriamente o caminho rumo à Páscoa e nos prepararmos para celebrar
a Ressurreição do Senhor – a festa mais jubilosa e solene de todo o Ano litúrgico – o que pode
haver de mais adequado do que deixar-nos conduzir pela Palavra de Deus? Por isso a Igreja, nos
textos evangélicos dos domingos de Quaresma, guia-nos para um encontro particularmente
intenso com o Senhor, fazendo-nos repercorrer as etapas do caminho da iniciação cristã: para
os catecúmenos, na perspectiva de receber o Sacramento do renascimento, para quem é
baptizado, em vista de novos e decisivos passos no seguimento de Cristo e na doação total a
Ele.

O primeiro domingo do itinerário quaresmal evidencia a nossa condição do homens nesta
terra. O combate vitorioso contra as tentações, que dá início à missão de Jesus, é um convite
a tomar consciência da própria fragilidade para acolher a Graça que liberta do pecado e infunde
nova força em Cristo, caminho, verdade e vida (cf. Ordo Initiationis Christianae Adultorum,
n. 25). É uma clara chamada a recordar como a fé cristã implica, a exemplo de Jesus e em união
com Ele, uma luta «contra os dominadores deste mundo tenebroso» (Hb 6, 12), no qual o diabo
é activo e não se cansa, nem sequer hoje, de tentar o homem que deseja aproximar-se do
Senhor: Cristo disso sai vitorioso, para abrir também o nosso coração à esperança e guiar-nos
na vitória às seduções do mal.

O Evangelho da Transfiguração do Senhor põe diante dos nossos olhos a glória de Cristo,
que antecipa a ressurreição e que anuncia a divinização do homem. A comunidade cristã toma
consciência de ser conduzida, como os apóstolos Pedro, Tiago e João, «em particular, a um alto
monte» (Mt 17, 1), para acolher de novo em Cristo, como filhos no Filho, o dom da Graça de
Deus: «Este é o Meu Filho muito amado: n’Ele pus todo o Meu enlevo. Escutai-O» (v. 5). É o
convite a distanciar-se dos boatos da vida quotidiana para se imergir na presença de Deus: Ele
quer transmitir-nos, todos os dias, uma Palavra que penetra nas profundezas do nosso espírito,
onde discerne o bem e o mal (cf. Hb 4, 12) e reforça a vontade de seguir o Senhor.

O pedido de Jesus à Samaritana: «Dá-Me de beber» (Jo 4, 7), que é proposto na liturgia do
terceiro domingo, exprime a paixão de Deus por todos os homens e quer suscitar no nosso
coração o desejo do dom da «água a jorrar para a vida eterna» (v. 14): é o dom do espírito
Santo, que faz dos cristãos «verdadeiros adoradores» capazes de rezar ao Pai «em espírito e
verdade» (v. 23). Só esta água pode extinguir a nossa sede do bem, da verdade e da beleza! Só
esta água, que nos foi doada pelo Filho, irriga os desertos da alma inquieta e insatisfeita,
«enquanto não repousar em Deus», segundo as célebres palavras de Santo Agostinho.

O domingo do cego de nascença apresenta Cristo como luz do mundo. O Evangelho
interpela cada um de nós: «Tu crês no Filho do Homem?». «Creio, Senhor» (Jo 9, 35.38),
afirma com alegria o cego de nascença, fazendo-se voz de todos os crentes. O milagre da cura
é o sinal que Cristo, juntamente com a vista, quer abrir o nosso olhar interior, para que a nossa
fé se torne cada vez mais profunda e possamos reconhecer n’Ele o nosso único Salvador. Ele
ilumina todas as obscuridades da vida e leva o homem a viver como «filho da luz».

Quando, no quinto domingo, nos é proclamada a ressurreição de Lázaro, somos postos
diante do último mistério da nossa existência: «Eu sou a ressurreição e a vida... Crês tu isto?»
(Jo 11, 25-26). Para a comunidade cristã é o momento de depor com sinceridade, juntamente
com Marta, toda a esperança em Jesus de Nazaré: «Sim, Senhor, creio que Tu és o Cristo, o
Filho de Deus, que havia de vir ao mundo» (v. 27). A comunhão com Cristo nesta vida preparanos para superar o limite da morte, para viver sem fim n’Ele. A fé na ressurreição dos mortos a esperança da vida eterna abrem o nosso olhar para o sentido derradeiro da nossa existência:

Deus criou o homem para a ressurreição e para a vida, e esta verdade doa a dimensão autêntica
e definitiva à história dos homens, à sua existência pessoal e ao seu viver social, à cultura, à
política, à economia. Privado da luz da fé todo o universo acaba por se fechar num sepulcro sem
futuro, sem esperança.

O percurso quaresmal encontra o seu cumprimento no Tríduo Pascal, particularmente na
Grande Vigília na Noite Santa: renovando as promessas baptismais, reafirmamos que Cristo é
o Senhor da nossa vida, daquela vida que Deus nos comunicou quando renascemos «da água
e do Espírito Santo», e reconfirmamos o nosso firme compromisso em corresponder à acção da
Graça para sermos seus discípulos.

3. O nosso imergir-nos na morte e ressurreição de Cristo através do Sacramento do
Baptismo, estimula-nos todos os dias a libertar o nosso coração das coisas materiais, de um
vínculo egoísta com a «terra», que nos empobrece e nos impede de estar disponíveis e abertos
a Deus e ao próximo. Em Cristo, Deus revelou-se como Amor (cf 1 Jo 4, 7-10). A Cruz de
Cristo, a «palavra da Cruz» manifesta o poder salvífico de Deus (cf. 1 Cor 1, 18), que se doa
para elevar o homem e dar-lhe a salvação: amor na sua forma mais radical (cf. Enc. Deus
caritas est, 12). Através das práticas tradicionais do jejum, da esmola e da oração, expressões
do empenho de conversão, a Quaresma educa para viver de modo cada vez mais radical o amor
de Cristo. O Jejum, que pode ter diversas motivações, adquire para o cristão um significado
profundamente religioso: tornando mais pobre a nossa mesa aprendemos a superar o egoísmo
para viver na lógica da doação e do amor; suportando as privações de algumas coisas – e não
só do supérfluo – aprendemos a desviar o olhar do nosso «eu», para descobrir Alguém ao nosso
lado e reconhecer Deus nos rostos de tantos irmãos nossos. Para o cristão o jejum nada tem de
intimista, mas abre em maior medida para Deus e para as necessidades dos homens, e faz com
que o amor a Deus seja também amor ao próximo (cf. Mc 12, 31).

No nosso caminho encontramo-nos perante a tentação do ter, da avidez do dinheiro, que
insidia a primazia de Deus na nossa vida. A cupidez da posse provoca violência, prevaricação
e morte: por isso a Igreja, especialmente no tempo quaresmal, convida à prática da esmola, ou
seja, à capacidade de partilha. A idolatria dos bens, ao contrário, não só afasta do outro, mas
despoja o homem, torna-o infeliz, engana-o, ilude-o sem realizar aquilo que promete, porque
coloca as coisas materiais no lugar de Deus, única fonte da vida. Como compreender a bondade
paterna de Deus se o coração está cheio de si e dos próprios projectos, com os quais nos
iludimos de poder garantir o futuro? A tentação é a de pensar, como o rico da parábola: «Alma,
tens muitos bens em depósito para muitos anos...». «Insensato! Nesta mesma noite, pedir-te-ão
a tua alma...» (Lc 12, 19-20). A prática da esmola é uma chamada à primazia de Deus e à
atenção para com o próximo, para redescobrir o nosso Pai bom e receber a sua misericórdia.

Em todo o período quaresmal, a Igreja oferece-nos com particular abundância a Palavra de
Deus. Meditando-a e interiorizando-a para a viver quotidianamente, aprendemos uma forma
preciosa e insubstituível de oração, porque a escuta atenta de Deus, que continua a falar ao
nosso coração, alimenta o caminho de fé que iniciámos no dia do Baptismo. A oração permitenos
também adquirir uma nova concepção do tempo: de facto, sem a perspectiva da eternidade
e da transcendência ele cadencia simplesmente os nossos passos rumo a um horizonte que não
tem futuro. Ao contrário, na oração encontramos tempo para Deus, para conhecer que «as suas
palavras não passarão» (cf. Mc 13, 31), para entrar naquela comunhão íntima com Ele «que
ninguém nos poderá tirar» (cf. Jo 16, 22) e que nos abre à esperança que não desilude, à vida
eterna.

Em síntese, o itinerário quaresmal, no qual somos convidados a contemplar o Mistério da
Cruz, é «fazer-se conformes com a morte de Cristo» (Fl 3, 10), para realizar uma conversão
profunda da nossa vida: deixar-se transformar pela acção do Espírito Santo, como São Paulo
no caminho de Damasco; orientar com decisão a nossa existência segundo a vontade de Deus;
libertar-nos do nosso egoísmo, superando o instinto de domínio sobre os outros e abrindo-nos
à caridade de Cristo. O período quaresmal é momento favorável para reconhecer a nossa
debilidade, acolher, com uma sincera revisão de vida, a Graça renovadora do Sacramento da
Penitência e caminhar com decisão para Cristo.

Queridos irmãos e irmãs, mediante o encontro pessoal com o nosso Redentor e através do
jejum, da esmola e da oração, o caminho de conversão rumo à Páscoa leva-nos a redescobrir
o nosso Baptismo. Renovemos nesta Quaresma o acolhimento da Graça que Deus nos concedeu naquele momento, para que ilumine e guie todas as nossas acções. Tudo o que o Sacramento significa e realiza, somos chamados a vivê-lo todos os dias num seguimento de Cristo cada vez mais generoso e autêntico. Neste nosso itinerário, confiemo-nos à Virgem Maria, que gerou o Verbo de Deus na fé e na carne, para nos imergir como ela na morte e ressurreição do seu Filho Jesus e ter a vida eterna.

Vaticano, 4 de Novembro de 2010

BENEDICTUS PP XVI








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