Importância das relações pessoais para o movimento ecuménico
Falando, na audiência geral de há oito dias, da Semana de oração pela unidade dos
cristãos, Bento XVI considerava que, não obstante as “dificuldades e incertezas” que
têm marcado o movimento ecuménico, este é “também uma história de fraternidade, cooperação
e partilha humana e espiritual”. Este novo clima de relações pessoais de amizade fraterna
verifica-se antes de mais a nível das bases, mas existe igualmente nos contactos ecuménicos
oficiais, com efeitos significativos. Na indispensável “purificação da memória”
tão desejada por João Paulo II, após longos séculos de hostilidade e preconceitos,
o simples conhecimento pessoal, em atitude de cordialidade, assume grande importância.
E isso não só aqui e agora, para quem vive esse contacto, mas também como abertura
a um futuro diferente, para os fiéis das comunidades de pertença. Quem negará o impacto
que ainda hoje mantém no caminho ecuménico o abraço fraterno entre Paulo VI e o Patriarca
Atenágoras, em Jerusalém, já lá vão tantos anos, ou a importância que assumem, nesta
delicada fase de relações com os Anglicanos, os rostos descontraídos e felizes do
arcebispo de Cantuária Rowan Williams e de Bento XVI, lado a lado, meses atrás, em
Londres?
Há 500 anos, um tal Martinho Lutero, monge agostinho, passou uns
dias em Roma, para tratar de questões da sua Ordem. De regresso às suas terras do
norte da Europa, terá começado a pesar na sua mente o escândalo da corrupção e mercantilismo
religioso que testemunhara na cidade pontifícia. Seis anos depois, publicaria em Wittenberg,
onde ensinava Teologia, as suas teses sobre as indulgências, abrindo o caminho à “Reforma”
a que ficou ligado o seu nome. Estes factos foram evocados esta semana em Roma,
aonde se deslocou uma delegação de responsáveis da Igreja Unida Evangélico-Luterana
da Alemanha, integrando nomeadamente algumas figuras familiares a Joseph Ratzinger,
como o bispo de Munique, Johannes Friedrich, ou o ex-primeiro ministro da Baviera,
Günter Beckstein. Recebendo-os, segunda-feira, no Vaticano, foi o próprio Bento
XVI a divulgar o que entretanto tinha sido acordado: que em 2017 Luteranos e Católicos
celebrarão conjuntamente uma “memória ecuménica comum”, sem qualquer triunfalismo,
como “profissão comum no Deus trinitário, em obediência comum a Nosso Senhor e à sua
Palavra”. “Nesta celebração – explicou o Papa alemão – terão um lugar importante a
oração conjunta e um intenso pedido de perdão dirigido a Nosso Senhor Jesus Cristo
pelo mal que nos provocámos reciprocamente e pela responsabilidade nas divisões”.
Este processo de “purificação das consciências”, como lhe chamou o Papa, incluirá
também o intercâmbio de avaliações sobre os 1500 anos que precederam a Reforma. Como
gesto simbólico deste novo percurso de reaproximação fraterna entre Católicos e Luteranos
foi plantada uma oliveira, no pátio do pórtico da entrada principal da basílica de
São Paulo fora de Muros, com a participação activa da referida delegação alemã e do
cardeal Kurt Koch, suíço (até há pouco bispo de Basileia), actual presidente do Conselho
Pontifício para o a promoção da Unidade dos Cristãos. Uma iniciativa promovida em
geminação com o projecto ecuménico do “Jardim de Lutero” existente em Wittenberg.
Como afirma o comunicado oficial do Vaticano, “os consideráveis resultados das últimas
décadas” constituem hoje em dia “uma sólida base de comunhão entre Luteranos e Católicos”.
Este encontro de São Paulo “mostra uma vez mais que o diálogo entre as duas comunidades
se tornou uma realidade de vida”. Como escrevia João Paulo II na Encíclica “Ut unum
sint” (recorda o texto) “é irrevogável e irreversível o empenho ecuménico da Igreja
Católica”.
Neste contexto se insere a recente nomeação do novo presidente
da Pontifícia Academia das Ciências: Werner Aber, suíço de confissão protestante,
professor emérito de Microbiologia na Universidade de Basileia, Prémio Nobel de Fisiologia
e Medicina (1978). Numa declaração pública, a Conferência Episcopal dos Bispos Católicos
da Suíça congratulou-se com esta nomeação, que considera “um inegável acontecimento
ecuménico”, pois – sublinham – é a primeira vez que uma Academia Pontifícia é presidida
por um não católico. Embora remontando a uma associação de estudiosos criada em Roma
no princípio do século XVII (e de que fez parte Galileu), só em 1936, por vontade
de Pio XI, a Academia Pontifícia das Ciências assumiu a actual configuração, passando
a integrar entre os seus membros (actualmente 80, nomeados pelo Papa) cientistas
de todo o mundo, mesmo não católicos.