Belo Horizonte, 07 jan (RV) - “A paz é um dom de Deus e ao mesmo tempo um projeto
a realizar, nunca totalmente cumprido”, diz o Papa Bento 16 na sua mensagem para o
Dia Mundial da Paz, celebrado pela 25ª vez no dia primeiro de janeiro deste ano. A
conquista da paz inclui os percursos dos diálogos todos, em diferentes níveis, as
providências estratégicas de gestões inteligentes e eficazes, com entendimentos políticos
adequados, e a indispensável consciência cidadã sustentada pelos valores morais que
asseguram a configuração de um tecido social justo e solidário.
Ao afirmar
que a paz é um dom de Deus, o Papa indica que uma sociedade reconciliada com Deus
está mais perto da paz. Essa reconciliação afronta, entre outros desafios, o da indiferença
religiosa, suscitando por um lado afirmações, condutas e linguagens que prescindem
de Deus. Mas também indica, por outro lado, o enorme desafio da intolerância religiosa
que tem comprometido o valor da liberdade, gerando cenários sangrentos e violentos
em muitos lugares, particularmente na Ásia e na África.
O Santo Padre sublinha
que a paz é o resultado de um processo de purificação e elevação cultural, moral e
espiritual de cada pessoa, de cada povo, no qual a dignidade humana é plenamente respeitada.
Esse percurso e a forma para se alcançar essa meta supõem mais do que a inteligência
humana, que pode perder também o seu rumo e desvirtuar-se, na contramão da lucidez
própria na geração do bem. A paz não é simples fruto de acordos políticos sazonais
e nem de interesses nas esferas econômicas, estratégicas e tecnológicas. Ela é um
valor moral. Sua sustentabilidade enraíza-se na experiência religiosa, na fé professada
e testemunhada por indivíduos e também por povos, de diferentes culturas, com resultados
inquestionáveis na sua configuração. Trata-se da experiência religiosa na vivência
confessional da fé. As armas morais, por isso mesmo, são as mais preciosas para que
haja paz. Nesse âmbito, sabe-se o quanto o mundo tem necessidade de valores éticos
e espirituais. É um mundo que necessita muito de Deus.
A religião, também,
lembra Bento 16, pode oferecer contribuição preciosa na busca e na construção de uma
ordem social justa e pacífica. Nesse horizonte sua mensagem trata o tema da liberdade
religiosa como caminho para a paz. Toda pessoa na sua experiência de fé tem o direito
intocável do respeito à liberdade religiosa. Nessa experiência é que a pessoa orienta
a própria vida, pessoal e social, para Deus, assegura o Papa. E tem, pela luz da presença
divina, a capacidade de compreender plenamente a sua identidade, sua liberdade e seu
destino. Afirma, ainda, que negar ou limitar arbitrariamente a liberdade religiosa
significa cultivar uma visão redutiva da pessoa humana, e esse obscurecimento da função
pública da religião gera uma sociedade injusta, em razão de ser desproporcionada à
verdadeira natureza da pessoa.
A reflexão feita pelo Papa parte, pois, da
compreensão e do reconhecimento da dupla dimensão na unidade da pessoa humana: a religiosa
e a social. Considerar apenas a essencialidade da dimensão social é mutilar o sentido
da indivisível unidade e integridade da pessoa. A desconsideração, portanto, da dimensão
religiosa é abertura para o risco de admitir ser possível encontrar no relativismo
moral a chave para uma convivência pacífica. Concretamente, aí nascem a divisão e
os riscos graves de negação da dignidade dos seres humanos.
O Papa Bento 16
afirma, então, que a abertura à verdade e ao bem, a abertura a Deus, radicada na natureza
humana, confere total dignidade a cada um dos seres humanos e é garantia do respeito
pleno e recíproco entre as pessoas. Portanto, não se pode buscar a paz prescindindo
da dignidade transcendente da pessoa enquanto valor essencial. O entendimento pauta-se
no quanto é importante e indispensável ter capacidade de transcender a própria materialidade
e buscar a verdade. Essa faculdade é indispensável na construção de uma sociedade
orientada para a realização e a plenitude da pessoa. O caminho para a paz, pois, situa
a religião na sua dimensão pública. Esse seu lugar - de grandeza compartilhada - confronta-se
com importantes aspectos no conjunto da vida da sociedade, ultrapassando o estritamente
individual. Há um importante confronto com o sentido da laicidade positiva do Estado,
desafiando a superação dos riscos dos laicismos. Desafia também os fundamentalismos
originados no próprio campo das religiões e outras escolhas. São muitos, ainda, os
desafios no caminho para a paz.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo
metropolitano de Belo Horizonte