Rio de Janeiro, 02 jan (RV) - Sob esse título, a mensagem do Santo Padre Bento
XVI para a celebração do Dia Mundial da Paz nos é apresentada como uma luz forte a
iluminar o nosso caminho no ano da graça de 2011. Perpassando as páginas da História,
elas estão, muitas e muitas vezes, manchadas pelo sangue dos mártires que tiveram
a firmeza de atestar sua fé diante do poder que desconhecia que a liberdade religiosa
está radicada na própria dignidade da pessoa humana e, daí, a urgência do tema.
Como
fato recente, relembra o Pontífice Romano no início da sua mensagem, o atentado de
Bagdá, onde foram massacrados sacerdotes e fiéis em pleno culto. Não é um fato isolado.
Persiste e, lamentavelmente, vemos um recrudescimento nos atos e violência contra
a liberdade de se professar a fé, particularmente, a fé católica.
O direito
à vida não se resume no fato biológico. Dotado de razão, o homem transcende, no seu
direito, os horizontes de uma vida limitada no espaço e no tempo. Seu pensar, sua
liberdade não se limitam nas realidades finitas, mas no destino da vida radicado na
própria dignidade pessoal. Sem que lhe seja permitida a abertura para o transcendente
na sua vida individual e também no convívio comunitário, pois não é um ser isolado,
tolhe-se a sua dignidade pessoal e rompe-se a expressão social onde se manifesta a
comunhão dos mesmos ideais.
Expõe o Papa na sua Exortação: “Esta dignidade,
entendida como capacidade de transcender a própria materialidade e buscar a verdade,
há de ser reconhecida como um bem universal, indispensável na construção duma sociedade
orientada para a realização e a plenitude do homem. O respeito de elementos essenciais
da dignidade do homem, tais como o direito à vida e o direito à liberdade religiosa,
é uma condição da legitimidade moral de toda a norma social e jurídica.”
Nenhum
poder humano, seja ele estatal, de grupos autônomos ou mesmo outra pessoa pode impossibilitar
a alguém o exercício da liberdade de manifestar e confessar sua crença, origem e fundamento
da liberdade moral. A liberdade se explicita no exercício do próprio direito, no
respeito ao direito alheio e no objetivo do bem comum.
E “a liberdade religiosa
deve ser entendida não só como imunidade da coação, mas também, e, antes ainda, como
capacidade de organizar as próprias opções segundo a verdade”.
A abertura da
mente para a Verdade e para Deus orienta a ação humana para o respeito recíproco na
procura da paz e do desenvolvimento. Supera as motivações e interesses exclusivamente
individuais e busca uma sociedade fraterna, a construção de um crescimento social
harmônico. E o reconhecimento da liberdade religiosa reforça a índole do Poder
na construção da justiça e da paz à luz da Verdade e do Bem. A liberdade religiosa
não se entende como patrimônio exclusivo dos que têm fé. Antes, é elemento imprescindível
a um Estado de Direito. Abrange o direito dos crentes e não crentes, no respeito
mútuo à liberdade pessoal e na aspiração do bem do grupo social. Não pode ser negada,
diz o Papa, “sem ao mesmo tempo minar todos os direitos e as liberdades fundamentais,
pois é a sua síntese e ápice”.
É inegável o benefício que o homem e as instituições
religiosas prestam à sociedade. Sua atividade não se limita apenas ao âmbito da assistência
social, comprovada através dos séculos, mas, e sobretudo, à dimensão ética do Poder.
O
patrimônio de princípios e valores expressos por uma religiosidade autêntica é uma
riqueza para os povos e respectivas índoles.
Não se pode aceitar, contudo,
uma instrumentalização da liberdade religiosa para mascarar interesses partidários
e subversão da ordem a que levam o fanatismo religioso e o fundamentalismo com práticas
incompatíveis com o respeito à dignidade humana ou que se tentam impor pela violência. A
liberdade religiosa se contém no conceito da laicidade do Estado, isto é, na garantia
da lei sobre o direito de vivência na fé e de sua expressão no culto e na cultura.
Nesse ambiente, desenvolve-se o diálogo dos princípios ético-políticos em vista do
bem comum e da própria convivência inter-religiosa entre grupos na aspiração da unidade
na Verdade.
“A paz é um dom de Deus e, ao mesmo tempo, um projeto a realizar,
nunca totalmente cumprido.” Uma sociedade que tem a lei de Deus como referência, certamente
forma um estado de elevada cultura moral e espiritual que inspira o direito no respeito
recíproco tanto entre os cidadãos, como no relacionamento entre os povos. Motiva o
trabalho e projeta o desenvolvimento. Um povo livre e respeitado, inclusive e, sobretudo,
pelo Poder, é a maior garantia da paz.
A mensagem conclui com um convite para
que a sociedade atual, com ênfase na juventude, principal preocupação de nosso coração
de Pastor, encontre na fé uma referência estável na conquista da liberdade: “a Verdade
vos libertará”.
Em síntese final, o Papa Bento XVI cita o saudoso e venerável
Paulo VI: “é preciso, antes de tudo, proporcionar à Paz outras armas, que não aquelas
que se destinam a matar e a exterminar a humanidade. São necessárias sobretudo as
armas morais, que dão força e prestígio ao direito internacional; aquela arma, em
primeiro lugar, da observância dos pactos.
Celebremos o dia 1º de janeiro,
Dia Mundial da Paz! Sob a proteção da Bem Aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, Mãe
da Igreja e nossa Mãe, no Rio de Janeiro carinhosamente velada do alto do Morro como
Senhora da Penha, peçamos que Ela nos ajude a viver a concórdia, o perdão, a misericórdia
e a partilha, para que assim, nos próximos dias e meses do vindouro ano, esforcemo-nos
para a realização do anseio profético do salmista, cantando e vivendo no cotidiano,
o dia em que a justiça e a paz se abraçarão.
† Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo
Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ