(31/12/2010) Bento XVI viveu em 2010 o ano de maior exposição mediática desde a sua
eleição, há cinco anos e meio, tendo conseguido em muitas viagens e intervenções públicas
ganhar simpatias e redefinir mesmo a sua imagem. A questão dos abusos sexuais cometidos
por membros do clero foi uma sombra permanente sobre o Papa, que lhe procurou fazer
frente apelando, por diversas vezes, à necessidade de justiça e de reparação, no seio
da Igreja, em colaboração com as autoridades civis. Em pleno Ano Sacerdotal, não
esqueceria as vítimas – com quem se encontrou nas viagens a Malta e ao Reino Unido
– nem os “bons sacerdotes” que tiveram de sofrer as consequências desta “humilhação”,
como ele próprio referiu, escrevendo ainda aos seminaristas de todo o mundo, para
lhes dizer que vale a pena querer ser padre católico nos dias de hoje. Outro facto
marcante foi a publicação de um livro-entrevista, «Luz do Mundo», resultante de uma
conversa com o jornalista alemão Peter Seewald, que já antes entrevistara Joseph Ratzinger
por duas vezes. Para lá da polémica provocada pelas declarações sobre o uso do
preservativo na prevenção da SIDA, o registo inédito permitiu dar a conhecer Bento
XVI e o seu pensamento sobre temas centrais para a Igreja e a sociedade. A primeira
viagem internacional do ano teve como destino Malta (17-18 de Abril de 2010), onde
o Papa lançou vários apelos ao respeito pelas raízes cristãs do país, uma mensagem
que se estendia também à Europa. De 11 a 14 de Maio, Bento XVI passou por Lisboa,
Fátima e Porto, revelando capacidade de estar próximo das pessoas e de falar para
lá das fronteiras da Igreja. Se Portugal foi uma lição central para perceber o
que pensa o Papa sobre o futuro da Igreja, a visita ao Reino Unido (16-19 de Setembro)
mostra o que deseja da relação entre a comunidade crente e um mundo crescentemente
secularizado. Num ano em que canonizou seis novos Santos, é a beatificação do cardeal
John Henry Newman (1801-1890) que melhor ilustra uma das batalhas centrais de Bento
XVI: a busca de uma consciência aberta à verdade, que não funcione como uma instância
meramente subjectiva e relativista. Em Santiago de Compostela e Barcelona (6-7
de Novembro), Joseph Ratzinger retomou as suas preocupações sobre a Europa do século
XXI, progressivamente afastada da fé em Deus, escolhendo dois símbolos mundiais: os
caminhos de peregrinação, na Galiza, e a basílica de Gaudí, na Catalunha. Também
dentro da Itália se viveram momentos significativos, com a visita pastoral a Turim
(2 de Maio), diante do Santo Sudário, e viagem a Palermo, Sicília (3 de Outubro),
onde Bento XVI não teve medo de criticar abertamente a Mafia. Na Itália, o Papa
passou também por Sulmona (4 de Julho) e Carpineto Romano (5 de Setembro). A viagem
ao Chipre (4-6 de Junho) funcionou como uma espécie de prelúdio para Sínodo dos Bispos
para o Médio Oriente, que meses mais tarde levaria ao Vaticano as preocupações de
várias comunidades ameaçadas pela pobreza, o fundamentalismo, a violência e a emigração
em massa. O tema da liberdade religiosa voltaria a estar em destaque na mensagem
que o Papa escreveu para o Dia Mundial da Paz 2011, afirmando que os cristãos são
as principais vítimas de perseguição por causa da fé, no mundo. Em Novembro, o
Papa publicou a sua segunda exortação apostólica, intitulada «Verbum Domini» (Palavra
do Senhor), na qual convida a Igreja e a sociedade actual à redescoberta de Deus. 2010
conclui-se com um problema que não pára de crescer: as tensões entre a Santa Sé e
Pequim, que se configuram como um dos maiores desafios do actual pontificado.